sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

“O SERTANEJO” E OS CAMINHOS DA HISTÓRIA

A imprensa sempre foi de suma importância para o desenvolvimento de uma cidade ou país, no caso de Barretos percebe-se que ela surgiu com a intenção de criar um cenário da vida real do arraial a partir dos fatos cotidianos e acontecimentos da política nacional. O primeiro jornal ou “folha” barretense foi denominado “O Sertanejo” e sua primeira edição é datada de 31 de março de 1900. Nesse sentido, alguns intelectuais vindos dos grandes centros urbanos do país para aqui residirem, fizeram deste jornal o veículo responsável em propagar as novas idéias, a nova mentalidade republicana.
Com efeito, “O Sertanejo” era constituído de várias colunas de assuntos diversificados, como os escritos históricos do Cel. Jesuíno F. Mello “Tradições de Barretos” e “Lavoura e Creação” sempre com a preocupação de construir o passado da cidade; a coluna social “Da Platéa” assinada pelo pseudônimo “Maryl”, onde eram relatadas as festas da alta sociedade da época e que ainda nos possibilita perceber os elementos físicos usados para tal ocasião: imaginem quantos lampiões eram utilizados para iluminar uma festa? Qual era o cardápio? Que músicas eram tocadas? Quem trabalhava e quem dançava durante a festa?
Existiam também outras colunas como os artigos políticos redigidos pelo Cel. Silvestre de Lima; o “Noticiário” que informava os aniversários, nascimentos, óbitos, crimes, alistamento eleitoral, as doenças, as visitas e outros; a coluna “Matutando” sempre rodeada de humor com as mais reflexivas charadas.
Contudo, a coluna mais divertida do jornal certamente era a “Chronica da Terra” escrita pelo pseudônimo do Cel. João Carlos de Almeida Pinto, “João Bobo”. Este, aproveitava desde suas conversas com o povo até a mais fina festa para escrever em versos rimados os fatos mais humorísticos da cidade. Por exemplo, este verso retrata a grande amizade com Raphael Brandão: “Eu tambem lá fui à festa do meu amigo Muniz: foi uma noite de risos, foi uma noite feliz! Como o compadre Brandão, arroz doce sou de festa; baile em que não estamos, é ruim, é feio, não presta!”. Ou ainda, “Nho-Quim da Serra anda triste, e eu bem sei qual a razão: Nho-Quim da Serra já soffre, moléstia do coração!”.
Enfim, entre muitas outras colunas, o jornal “O Sertanejo” foi a primeira fonte escrita oficial de que tivemos notícias sobre a história de Barretos. Nele podemos identificar dentre outras coisas, o andamento da política, as crises econômicas, a questão da saúde, as características do cotidiano e as manifestações sociais. Por fim, somente quando entendermos este passado é que poderemos caminhar junto à história do tempo presente! A população barretense precisa conhecer seu passado!

REFERÊNCIAS:
ROCHA, Osório. “Barretos de Outrora”. 1954.
Documentos do Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes”.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 27 DE FEVEREIRO DE 2009.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A DESELEGÂNCIA DO NARCISISMO




Muito se tem falado sobre a preservação de patrimônios históricos na atualidade, os historiadores cada vez mais defendem as políticas públicas pautadas neste assunto e criam novas metodologias para disseminar a importância dos patrimônios à sociedade. Entretanto, a maioria dos municípios brasileiros, destacadamente os paulistas, caminham para o descaso de sua própria história e de seus patrimônios em nome da “modernização” capitalista comercial. Eis então que surgem as dúvidas: porque as pessoas contribuem com a destruição de seu patrimônio histórico? Porque ficam caladas e não reagem?
Bem, a música “Sampa” do célebre Caetano Veloso é uma excelente referência para entendermos este processo de destruição do patrimônio histórico. A reflexão que se extraí da música é a de um homem que ficou algum tempo fora de sua cidade, no caso São Paulo, e quando voltou ele diz: “é que quando cheguei por aqui eu nada entendi”; pois a arquitetura, as pessoas, as cores, os costumes haviam mudado para algo “novo”, diferente, do que ele conhecia.
Tratando-se em especial da categoria “prédios arquitetônicos históricos”, podemos interpretar a seguinte frase como uma justificativa da eliminação do patrimônio histórico : “É que Narciso acha feio o que não é espelho”. Pois bem, sabemos que Narciso é um personagem grego que tem um amor excessivo a sua própria pessoa, em particular ao seu físico. Então, imaginemos que os prédios antigos não refletem a imagem do que vivemos hoje, não é o nosso espelho, por isso algumas pessoas acham que são “feios” ou “ultrapassados” e permitem a sua destruição. Ou seja, da mesma maneira que um indivíduo mais velho não se identifica com um prédio atual, o indivíduo mais novo não permite a preservação dos prédios antigos.
Nesse sentido, estas pessoas permanecem na condição de “narcisistas” quando se calam com o descaso de nossa história, já que infelizmente não entendem que ela serve como um meio de contato com o passado de nossas famílias e como fonte essencial para a identidade cultural da cidade. Em Barretos cresce cada vez mais o derrubamento de prédios antigos, sendo que eles poderiam ser utilizados como atrativos turísticos organizados como centros de cultura. Além do mais, o turismo histórico incentiva vários setores profissionais a acelerar a economia da cidade, onde, por exemplo, desde a “Dona Maria” que vende cocada na esquina até o proprietário do prédio desfrutam de vantagens.
Portanto, não é sendo narcisista que se consegue entender e preservar a história da cidade! Cabe ao poder público incentivar a conservação do patrimônio e estudar sobre a melhora da economia no setor turístico, já que dá tão certo nas cidades históricas. Em última reflexão, como a história mesmo nos mostra e Caetano Veloso bem disse na música: “... da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 20 DE FEVEREIRO DE 2009.

AS DIFERENTES FAMÍLIAS NO SÉCULO XIX




A partir dos anos 80 a nova historiografia trouxe, entre muitos temas, os estudos regionais sobre famílias e casamentos. Por muito tempo, a história oficial registrou que os núcleos familiares do Brasil colonial e imperial eram sobretudo “patriarcais”, ou seja, tinham na figura do homem o papel central das decisões e atitudes. De fato, o patriarcalismo existiu e foi desenvolvido no Brasil por conta dos costumes portugueses. Mas, há de se ressaltar as peculiaridades das regiões do país e considerar também os núcleos domiciliares chefiados por mulheres solitárias, solteiras ou viúvas.
O século XIX é um bom referencial para entendermos melhor estes casos, pois na nossa região do nordeste de SP estava acontecendo as migrações mineiras em busca de posses de terras paulistas. Nesse sentido, pode-se perceber que os fatores que ocasionaram o chefiamento feminino em algumas famílias eram a viuvez ou a simples ausência do marido, principalmente na região de Minas Gerais, onde as mulheres nem sempre vinham com os homens para tais terras e acabavam por ficar sem seus maridos - os entrantes mineiros.
Além disso, havia também as mulheres solteiras ou aquelas que viviam na ilegitimidade com os homens. Isso acontecia muitas vezes, porque no período do Império a Igreja Católica mantinha o sistema de “Padroado” com o governo, e isso fazia com que somente os casamentos regidos pelas leis religiosas fossem válidos. Ainda mais, havia uma considerável burocratização no processo de matrimônio, tais como as longas distâncias das Igrejas, falta de estradas, alto custo e extrema pobreza da maioria da população. Essa situação modificou-se com o passar dos anos no início da República, onde passou a ser oficial o “casamento civil” e não mais o religioso.
Em Barretos, no século XIX, verifica-se que tantos as mulheres quanto os homens quando ficavam viúvos casavam-se novamente várias vezes, sendo muito comum o casamento entre os próprios familiares. O exemplo mais comum é o de Mariana Librina, filha do fundador Simão Antônio Marques, que casou-se três vezes: primeiro com seu primo José Simão Marques, depois com José Francisco Barreto (filho de Chico Barreto) e por último com o sobrinho de seu segundo marido, João Francisco Rosa. Este cenário de tantos casamentos em Barretos pode gerar várias interpretações, como por exemplo a exigência de um núcleo familiar composto de pai, mãe e filhos para a vida do trabalho rural desta época; diferente da vida urbana, na qual possibilitava o chefiamento familiar pelas mulheres.
São muito importantes os estudos sobre as famílias e os casamentos, e mais ainda as considerações que podemos tirar deles. Unindo as fontes históricas que os nossos antepassados nos deixaram, podemos reconstituir a vida cotidiana, as dificuldades e até as emoções que eles sentiam. Preservem as fontes históricas, elas são valiosíssimas!

REFERÊNCIAS:
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. 1954.
ALVES, Romilda Oliveira. “A constituição da família no Brasil: um debate historiográfico na perspectiva da demográfica histórica”.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 13 DE FEVEREIRO DE 2009.

COLCHA DE RETALHOS: A FAMÍLIA BARRETO



O século XIX brasileiro foi palco de várias cenas de migrações sertanejas, principalmente entre famílias de Minas Gerais e São Paulo. A decadência do ouro em Minas Gerais e a expansão cafeeira paulista serviram como atrativos para os entrantes mineiros desbravarem os cerrados paulistas e iniciarem a povoação das primeiras vilas. Em resumo, é neste contexto que encaixaram-se as primeiras famílias de nossa cidade, os Barreto e os Marques (ou Librina).
Em 1900, quando a cidade não tinha nem mesmo 50 anos de fundação, o jornal “O Sertanejo” já publicava em “Tradições de Barretos” artigos do Cel. Jesuíno S. Mello contendo relatos sobre a vinda destas famílias conforme os depoimentos dos antigos moradores. Foram nestes artigos, assim como outras fontes orais e escritas, que Osório Rocha se espelhou para escrever o início de seu livro “Barretos de Outrora”. Com isso, o escritor ressalta que o casal Francisco José Barreto e Ana Rosa de Jesus tiveram oito filhos: Maria Rosa, Tereza Rosa, José Francisco, João Francisco, Francisca, Beralda, Antônia Maria e Rita Rosa.
Depois de tanto ler alguns casos que aconteceram nesta época, surgem as dúvidas: o que aconteceu com a família Barreto que não permaneceram na vila? O que se sabe é que os Marques continuaram em suas terras e ainda hoje existem alguns de seus descendentes na cidade, o que não é o caso dos Barreto. A explicação de Osório Rocha é referente a má qualidade das terras da Fazenda Fortaleza e a algumas doenças na família. Mas, será somente estes os fatores que determinaram sua saída? Como conseguiram se apossar das terras e não continuar nelas?
No cartório de Araraquara consta em um livro a “Lista de Votantes” do ano de 1849. Neste documento está inscrito o nome de 32 homens que habitavam o 6º quarteirão (futuramente a cidade Barretos), entre eles estão escritos os nomes dos dois filhos de Chico Barreto, alguns de seus genros, os nomes de Simão A. Marques e outros Librina (todos “lavradores”). O nome de Francisco José Barreto não consta na lista, o que prova seu falecimento anterior a 1849 - como já havia concluído o Cel. Jesuíno. Outro fator analítico é a probabilidade de tais famílias pertencerem a classes econômicas favoráveis, posto que para poder votar era necessário uma considerável renda mensal.
Como se percebe, são muitas as dúvidas que permeiam a origem de Barretos, assemelham-se a uma colcha de retalhos que ainda não chegou ao fim. Penso que seja importante dividir as dúvidas da história da família Barreto com todos os barretenses, afinal somos nós que precisamos resgatar nossa origem e compor nossa identidade. Se com menos de 50 anos já se discutia a história, com 154 anos ela já está mais do que “madura” para ser evidentemente retalhada.

REFERÊNCIAS: Documentos do Museu “Ruy Menezes”
BRIOSCHI, Lucila. Entrantes do Sertão do Rio Pardo.
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. 1954.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 06 DE FEVEREIRO DE 2009.