quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O NASCIMENTO DO HOSPITAL: UMA CONQUISTA DE TODOS!

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011

             Na década de 10, quando Barretos tinha pouco mais de meio século de fundação, a ideia de construir um hospital para a comunidade era há tempos discutida entre as autoridades políticas. Desde 1911, o único estabelecimento de saúde em Barretos era a “Casa de Caridade” que funcionava nas dependências da Sociedade Espírita “25 de Dezembro”. A “Casa de Caridade” funcionou até 1920, foi seu diretor-clínico o médico maranhense Raymundo Mariano Dias. Registros comprovam que, num período de um ano e meio, sete médicos atenderam aproximadamente duzentas e quarenta pessoas de Barretos e região. Um número deveras expressivo perante as condições estruturais da casa espírita da época. Os médicos que lá trabalhavam em prol dos indigentes são os mesmos que aparecerão nos anos iniciais da Santa Casa de Barretos.
                Mesmo com tamanha dedicação da Sociedade Espírita, era necessário ampliar a saúde pública de Barretos e fundar uma instituição profissional que fornecesse um local seguro e acolhedor para realizar os tratamentos e cirurgias dos doentes. Ao que se consta, tudo começou com a primeira reunião na casa do pároco José Martins, em 15 de janeiro de 1917, quando foi fundada a “Comissão Promotora da Fundação da Casa de Misericórdia de Barretos”. Meses depois, em agosto, outra reunião se realizou, agora na Praça Francisco Barreto, onde o Padre José Martins anunciou a doação do terreno foreiro da Igreja para a construção do prédio do hospital de Barretos. Ainda mais, na mesma reunião era eleita a Diretoria Provisória, tendo José Garcia Vassimom como presidente; para vice-presidente o Pe. José Martins; secretário João Machado de Barros e tesoureiro Francisco Conde.
                A história demonstra que muitas pessoas da cidade entraram em consonância com a campanha para angariar fundos em prol da construção do hospital que foi merecidamente denominado “Casa de Misericórdia de Barretos”. Isso é tão verdade que no dia do lançamento da primeira pedra do hospital, 30 de janeiro de 1918, a cidade parecia estar em festa. A fotografia deste dia, guardada com carinho pelo hospital, revela as festividades que animaram a tímida população barretense no dia tão esperado. Veem-se pessoas atentas aos discursos, vestidas com trajes elegantes da época, os homens de chapéu e mulheres com longos vestidos, um grupo de escoteiros se apresentando, fanfarras uniformizadas das escolas, estandartes de procissões e muita alegria.
Em nove de janeiro de 1921 foi realizada a nomeação da primeira mesa administrativa da instituição, data hoje reconhecida pelo hospital como seu marco de fundação. Em abril do mesmo ano, quando de fato se inaugurou a Santa Casa de Misericórdia de Barretos, as fotografias também destacaram as festividades da comemoração, sendo o primeiro provedor dr. Pedro Paulo de Souza Nogueira e o primeiro diretor clínico dr. Henrique Pamplona de Menezes. Pessoas de todos os tipos encontravam-se naquela ocasião, que marcou o primeiro sopro de vida do hospital.
                Muitas histórias se sucederam e cada conquista do hospital da vida tem sido muito comemorada entre os barretenses. E a caminhada não para... muito se tem a conquistar e a comemorar.



REFERÊNCIAS: Acervo documental e iconográfico da Santa Casa de Barretos e
da Sociedade Espírita “25 de Dezembro”.

A CAPELA DE SANTA ISABEL NA MISERICÓRDIA DE BARRETOS

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011


                A preocupação com a saúde pública, bem como a assistência aos mais necessitados, já era uma característica presente nos tempos da Antigüidade e que se tornou mais sólida com a disseminação do Cristianismo.  Os pilares do Cristianismo convergiam-se à caridade, isto é, a solidariedade com o próximo e o reconhecimento da dignidade essencial de cada um, acima das diferenças culturais, sociais e raciais. De fato, conforme os ensinamentos cristãos se intensificavam na Idade Média, a preocupação com as pessoas abandonadas e com os doentes desvalidos pelas fomes, guerras e epidemias crescia cada vez mais. Assim sendo, corporações como mosteiros, irmandades e confrarias organizavam-se na criação de hospitais que prestavam serviços à saúde física e moral da população.
                Foi neste contexto que surgiu a “Ordem das Misericórdias” no reino de Portugal na transição do século XV para o XVI, que teve como incentivadora e mecenas a Rainha D. Leonor, esposa de João II. Segundo relatos da época, D. Leonor, “mulher de beleza e inteligência invulgares”, foi influenciada pelos exemplos do frade espanhol e seu confessor Miguel de Contreiras, que saia pelas ruas de Lisboa recolhendo esmolas para dar aos pobres. Com a instalação da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, o Brasil, na condição de colônia de Portugal, logo herdou a instituição religiosa e hospitalar.    
                Portanto, a “Ordem das Santas Casas de Misericórdia” é um legado que os brasileiros herdaram do passado colonial, ou seja, quando o Brasil era uma colônia de Portugal e muitas vezes reflexo do que lá acontecia. As primeiras Misericórdias no Brasil se instalaram no litoral, em razão dos socorros prestados aos marinheiros que chegavam aos portos brasileiros depois de penosas e longas viagens no Atlântico. A Santa Casa de Misericórdia de Santos foi a pioneira a ser fundada no Brasil em 1543 por Brás Cubas, depois vieram as de Salvador, Espírito Santo, Olinda, Rio de Janeiro, São Paulo e outras. No decorrer da história do Brasil, as Misericórdias se encaixaram nos contextos das épocas e integraram à cultura brasileira, espalhando-se em todo o território nacional.
                Em Barretos, a instalação da Santa Casa de Misericórdia era requisitada desde meados do século XX, quando em 1918 começou a ser construída e em 1921 inaugurou seus serviços. Por sua origem colonial e intimamente católica no Brasil, a presença das Irmãs Franciscanas nas atividades do hospital foi constante desde meados da fundação da Santa Casa de Barretos. Além disso, desde o início da década de 30, o hospital pedia ao Reverendo Bispo de São Carlos a nomeação de um capelão para a instituição.  Este pedido foi cumprido com a chegada do Padre José César e logo foi também criado o principal símbolo da religiosidade original do hospital: a construção da Capela de Santa Isabel.
Um momento festivo na Santa Casa foi a cerimônia de colocação da primeira pedra da Capela do hospital, realizada em 01º de maio de 1932. Na época era Provedor da instituição o Sr. José Pereira Soares e a Diretora do Serviço Interno era a Irmã Edmunda, ambos convidaram autoridades políticas e religiosas que depois de assistirem a cerimônia assinaram a ata e depositaram cartões de visitas, fotos, jornais da época dentro de uma urna que foi enterrada debaixo da construção. A cerimônia aconteceu após a celebração da missa realizada pelo Capelão do hospital e conta-se que o padre ressaltou a vontade dos fundadores do hospital da Capela ficar sob a denominação de Santa Isabel.
Que bela edificação era a Capela de Santa Isabel! Quando foi inaugurada era um belo e pequeno prédio que ficava ao fundo do terreno, hoje é parte interna da Santa Casa e, do mesmo modo do passado, continua a acolher a todos que fazem parte da vida do hospital. Religiosidade e assistência, nas devidas proporções, são palavras que se legitimaram no trajeto histórico da “Casa de Misericórdia de Barretos”, o atual hospital da vida. 

REFERÊNCIAS:
MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, 1599?-1884: contribuição ao estudo da assistência social no Brasil. São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1976.Acervo documental da Santa Casa de Misericórdia de Barretos.

AS IMPRESSÕES DOS VISITANTES: A POESIA DA SANTA CASA

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011


                Relatos de viajantes sobre lugares desconhecidos sempre foi um costume muito usado ao longo da história do Brasil, um exemplo clássico é a carta de Pero Vaz de Caminha que, por meio de suas impressões como viajante, informou o Rei de Portugal sobre o “novo mundo” que avistara frente ao Atlântico. Dentre outros exemplos, o que sempre ficou para a história foram as impressões que pessoas “de fora” tinham sobre lugares pouco explorados, pois, com seus olhos estranhos, elas escreviam relatos com detalhes e ainda comparavam com a realidade em que viviam. Assim, os registros de visitantes são os mais preservados no Brasil, talvez porque são considerados ilustres, e historiadores utilizam-nos com frequência para descongelar o passado.
                Isso não foi diferente no hospital da vida. A Santa Casa de Misericórdia de Barretos, desde o ano de sua fundação, 1921, guarda o Livro de Visitantes, que, em suas páginas amareladas pelo tempo, retrata os noventa anos de acolhimento à cidade de Barretos e região. É certo que, muitas vezes, estas impressões podem ser apenas observações superficiais, ou seja, relatos que não especificam a real situação do hospital.  No entanto, certas impressões fornecem informações preciosas sobre o funcionamento do hospital, a composição do corpo clínico, o tipo de público atendido e principalmente as disposições dos cômodos do antigo prédio. Além disso, as personalidades que visitaram a instituição também são fontes de estudo para entender as relações políticas e sociais que vigoravam em determinadas épocas.
Com o termo de abertura assinado pelo punho do primeiro provedor, Pedro Paulo de Souza Nogueira, o livro se inicia com as palavras do escritor maranhense Coelho Netto, o qual é citado até o fim do livro por assim dizer: “prouvera a Deus que esta casa de piedade christan, levantada pela generosidade dos corações, estivesse sempre vazia”. A religiosidade é muito presente nas citações dos visitantes, sendo que, muito destes, padres e arcebispos da região, ressaltaram o trabalho das Irmãs Franciscanas, as quais desde a origem do estabelecimento, se comprometeram com a caridade aos doentes. “Caridade”, esta é a palavra mais citada entre os pensadores, poetas, jornalistas, magistrados, médicos, autoridades e políticos que visitaram o hospital nas décadas de 20 e 30.
                Entre tantas inscrições dos ilustres visitantes, saltam os olhos a assinatura de Andradina de Andrade e Oliveira, que, já na primeira página encanta com suas sutis palavras a iniciativa dos barretenses em fundar um nosocômio. Sua biografia ainda não foi revelada, mas, segundo possíveis evidências, Andradina era escritora do Rio-Grande do Sul, uma brilhante atração da literatura do século XX e, sem dúvidas, uma honrosa visita à Santa Casa da pequena Barretos da época.  Outra visita de cunho expressivo foi a de Silvestre de Lima, o segundo Intendente Municipal de Barretos, poeta parnasiano, propagandista da República e da Abolição, que foi embora da pacata cidade no fim da década de 10 e em 1929 visitou o hospital, ocasião em que deixou suas poéticas impressões. Tão poéticas quanto os versos do famoso Martins Fontes que em 1922 recitou no livro:
“O entusiasmo me abrasa,
Quando penso em minha terra:
Bendita seja esta casa,
Pela bondade que encerra”.

Os registros dos primeiros anos de vida do hospital são um tanto parecidos, afinal, muitos deles elogiaram a iniciativa dos fundadores da instituição, o trabalho das respectivas provedorias e a atuação do sério corpo clínico. Ainda mais, relatavam sobre o quão importante foi o gesto de fundar um estabelecimento hospitalar em Barretos, eles assim consideravam um ato “civilizatório”. Nesse sentido, os mesmos visitantes ressaltaram os recursos inovadores de instalação do prédio, em principal a sala de cirurgia, como disse Antonio A Lobo. em 1922: “a sala de operações é modelar, tão bem assintada como as melhores que conheço, a começar pelas da capital”. Além disso, o recado do visitante Dr. Oscar e Oliveira Lisbôa demonstra outros detalhes como: a curta situação financeira da Santa Casa e o “rigoroso asseio, destruição dos detritos e dos materiais cirúrgicos servidos, os esgotos com sifões seguros e descargas completas, o abastecimento da água abundante”.
                Ainda sobre a estrutura do prédio, as principais informações foram retiradas do projeto arquitetônico da Santa Casa de Barretos, feito em 1918 pelo engenheiro Dácio de Moraes, tendo como construtor Pagani Fioravanti. Neste projeto são visíveis todas as supostas instalações do primeiro prédio do hospital, tais como: enfermaria masculina e feminina, rouparias, salas de banho, dispensa, cozinha, seis banheiros, sala dos médicos, consultório, vestíbulo, farmácia, administração, sala de curativos, sala de enfermeiros, sala de operação e arsenal. Estes são alguns itens que aparecem no projeto, entretanto, as impressões de Antonio A. Lobo mostram que o prédio, quando instalado, ainda não contava com todas as dependências, tinha uma ala acabada e ocupada por doentes e a outra ainda estava por acabar.
                Dentre tantas palavras de elogios encontram-se as impressões do magistrado Randolpho de Campos, que, escritas em 1924 vão além das poesias. Randolpho caiu no Central Hotel e quebrou o braço, por isso, na condição de visitante e paciente ele descreve o atendimento do hospital e ressalta aqueles que não tinham aparecido até então: os funcionários e os pacientes. Sem dúvidas, suas palavras originais são melhores do que quaisquer outras:
                “[...] deparei-me a primeira vista com um quadro que me absorveu toda a atenção: um pobre velho, surdo e mudo, que dias antes caira ali junto as rodas da locomotiva, que, por pouco, lhe não deixa seus pés, arrastava-se através de longo alpendre vergando pelos anos e pelas dores;  num banco de outro alpendre duas rapariguinhas  com as pernas em ataduras a ocultar-lhes as chagas, queixavam-se mutuamente as dores, no colóquio característico de ingênuas e rusticas camponesas; num recanto além, uma mulher demente, em desalinho, a chorar como uma criança, recalcitando contra as ordens que lhes eram dadas e, ali num leito de vasta enfermaria, um esqueleto de jovem de 20 anos, no rosto ainda mostrando o frescor da idade, na clausura cruel da paralisia geral, a gemer, a gritar... Seguiu-se a minha observação uma enfiada de miseráveis, acometidos de moléstias varias, em leitos limpos e bem dispostos. A cada canto se respirava uma fresca a suave atmosfera de conforto e de carinhos, o que tudo me fez sentir, que, na verdade, estava dentro de uma casa de caridade, que não poude ficar vazia como o desejara Coelho Netto, mas que enriqueceu de bênçãos e de benefícios para os que a encham de sofrimentos. Por minha vez, alojei-me, confortavelmente, num quarto na parte do nascente, com boa cama, excelente água esterilizada, bastante ar e luz, onde os raios solares penetravam benefícios. Logo pela manha, ás sete horas, invariavelmente, entrava-me pelo quarto o criado, o bom e sempre alegre Bertholino, a perguntar-me como passava a noite e a depositar-me sobre a mesinha do alvo lavatório toillete o delecioso café aromático e quente, pão e manteiga. Desde as seis horas, por mim, já me achava de pé, a respirar pela ampla janela o ar fresco da manha, a aliviar o braço das torturas que a cama lhe causava. As noites pareciam-me assim, longas, longas e eu as procurava encurtar a perandar e a ler ali no salão contiguo, até que forte [...] pudesse vencer os receios de dormir e magoar a parte doente. Entretanto, durante dezoito dias de estadia na Santa Casa, senti-me sempre forte e bem disposto e de espírito, não já pelos bons cuidados médicos, mas tanto em pela boa e sadia alimentação, que me era proporcionada e ainda mais pela solicitude com que era cercado de cuidados e de afetuosa consideração por parte dos enfermeiros e criado de quarto – e não foi assim, sem saudades, que deixei a vida hospitalar, uma vez que me sentia em vias de completo restabelecimento graças à habilidade medica e dedicação do Dr. Bastos. [...]”.
Relatos como este transcorreram as páginas do Livro de Visitantes e ajuda-nos a entender as condições estruturais e a sociabilidade do hospital. As décadas passavam e o hospital recebia visitas cada vez mais interessantes, como os cônsules gerais da Itália e de Portugal, os quais no ano de 1939, isto é, no início da Segunda Guerra Mundial, visitaram a Santa Casa de Barretos anotando seus recados e marcando suas personalidades nacionalistas. Representantes do consulado japonês também escreveram suas mensagens, trata-se de uma página interessantíssima do livro já que os mesmos escreveram as mensagens em sua própria língua.
Quanto mais anos se passavam, mais referências a novas construções do hospital eram escritas, o livro de visitantes acompanhou notadamente as principais fases do hospital da vida. Por exemplo, a década de 50 se inicia com referências à construção da tão esperada maternidade, que vinha a se concretizar em 1955. Os períodos que se seguem sempre engrandecem a possibilidade da construção de novos pavilhões, fato que gradativamente aconteceu em 1967 e 1988. Outras conquistas também são vistas com a comemoração dos visitantes por conta da inauguração da CTI e, tempos depois, dos equipamentos de investigação clínica cardiológica, inaugurados com a presença do respeitado dr. Zerbini que, em 1991, escreveu do próprio punho: “o início de uma nova era de atualização neste nosocômio”.
                Por fim, de rascunhos feitos de caneta de pena à esferográfica, o livro de visitantes da Santa Casa de Misericórdia de Barretos conta com a assinatura de mais de cem pessoas que visitaram o hospital e, com suas palavras contraditoriamente sérias e poéticas, permitiram com que a nossa imaginação conseguisse desenhar parte do cenário do hospital a partir do momento de sua fundação e suas transformações ao longo de sua linha do tempo.

A SANTA CASA NA HISTÓRIA DE BARRETOS: O ACOLHIMENTO DA ENFERMARIA

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011

           A Santa Casa de Misericórdia de Barretos, no decorrer de seus 90 anos de história, fez parte dos momentos marcantes de Barretos e do Brasil. Os anos de 1925 e 1932 transbordavam manifestações turbulentas e levantes militares em certas regiões do país, o que de fato repercutiu na pequena Barretos da época. E, assim, o hospital da vida tem muito a contar...               
                Desde 1924 o Movimento Tenentista e a Coluna Prestes cresciam no Brasil, entre alguns motivos estavam o descontentamento de certos segmentos militares da sociedade brasileira perante o governo do presidente da República Arthur Bernardes. A Coluna Prestes, liderada pelo conhecido cap. Luiz Carlos Prestes, já havia percorrido 25 mil quilômetros em uma grande marcha quando um coronel de Barretos decidiu participar de tal levante. O nome dele era Philogônio Teodoro de Carvalho, o Filó, uma figura curiosíssima que, no ano de 1925, junto a uma milícia formada por ele, prenderam o delegado na própria cadeia, ocuparam a Cia. Paulista de Estrada de Ferro de Barretos, não deixando sair nenhum trem da cidade, e interceptaram as comunicações telefônicas tentando formar uma nova junta administrativa em Barretos e se integrar à Coluna Prestes.
                Baderneiro ou revolucionário, o fato é que Filó não conseguiu sua alçada e teve de fugir para Minas Gerais.  Como resultado deste “susto” que passou a população barretense, em julho de 1925, para conter futuras revoltas, a mando do governo federal chegava a Barretos um batalhão de Pelotas (RS), composto de quatrocentos e oitenta homens sob o comando do tenente coronel do 9º Regimento de Infantaria, Tancredo Fernandes de Mello.
E agora que a Santa Casa de Barretos toma cor nesta história...
                Como prova desta passagem, em sete de julho de 1925, o cel. Tancredo assinou o ilustre Livro de Visitantes da Santa Casa e deixou suas eternas impressões: “Ao penetrar-se nesta casa santa, se sente, perfeitamente, que os seus benemeritos directores conhecem bem o preceito divino: Amai ao próximo como a ti mesmo. Deus os proteja”. No entanto, o mais interessante é a passagem de trinta soldados do exército atendidos pela enfermaria do hospital nesta ocasião, sendo que os soldados atendidos tinham a média de 25 anos de idade e apresentavam como principais doenças reumatismo e gripe. Segundo as evidências, a enfermaria da Santa Casa de Barretos foi em parte cedida ao 9º Regimento de Infantaria que ficou na cidade por vinte e oito dias.
                Outro acontecimento reconhecidamente importante na história do Brasil e que aterrissou em Barretos foi a Revolução Constitucionalista de 1932. Paulistas lutavam pela retomada do poder e pela volta da Constituição Republicana suprida pelo presidente Getúlio Dorneles Vargas. Em Barretos formou-se de início o “Grupo dos 52” e aos poucos os barretenses se alistavam para lutar contra mineiros e goianos nos portos das divisas dos Estados. A participação de todos foi fundamental, tanto que muitas mulheres de famílias tradicionais doaram suas jóias em prol da Revolução, compondo o que ficou conhecido como “Campanha do Ouro Paulista”.
                Em ata de 30 de outubro de 1932, assinada pelo jornalista Osório Rocha, o provedor da Santa Casa de Barretos, Sr. José Pereira Soares, declarava que “o hospital prestava durante o movimento revolucionário serviços aos soldados do Batalhão Marcondes Salgado” e que “durante a Revolução veio da Capital um técnico, trazendo aparelhos e outros objetos destinados à instalação de um laboratório de análises clínicas”. Laboratório este que no mesmo ano já estava funcionando.
                De fato, o Livro de Registro dos Pacientes mostra que, durante o período da Revolução de 1932, foram atendidos onze soldados, quatro sargentos e um tenente, sendo um ou outro com ferimento por arma de fogo. Além disso, a partir do ano de 1934 a Santa Casa passava a receber donativos referentes aos produtos das jóias doadas em Barretos e resgatadas pelos doadores através da Comissão da Campanha do Ouro.
                Assim, o “hospital da vida” atravessou as barreiras do tempo e construiu, passo a passo, uma história que compõe os principais momentos da vida de Barretos e uma memória que emociona a todos.

REFERÊNCIAS: MACHIONE, F. G. J.; TINELI, R. A. Philogônio: o revolucionário esquecido. Barretos, 2001.
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. s/Ed. Barretos, 1954. 

CAMPANHAS NO PASSADO E NO PRESENTE: A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011

           
A realização de campanhas para arrecadação de donativos em prol da Santa Casa de Barretos não surgiu somente nos dias de hoje. Sabemos que, nos dias atuais, uma das várias formas de participação da comunidade em auxílio ao hospital de Barretos é doando as quantias optativas a partir de 2 reais adicionadas na conta de água. Mas, belas iniciativas como esta surgiram há tempos atrás...
                Desde a década de 20, era muito comum a organização de rifas e vendas de ingressos de eventos culturais em favor da Santa Casa de Barretos. Em 1924, a corrida contra o tempo era para vender os ingressos que rifavam um automóvel chiquérrimo da época: um Ford. Também no mesmo ano foi organizada uma competição esportiva entre os médicos e contadores da Santa Casa, na ocasião seriam realizados os seguintes jogos: corrida de agulha, corrida em saco, corrida de três pernas e corrida de bicicleta. Para assistir tal “espetáculo” a comunidade pagaria os ingressos e tal produto seria revertido à Santa Casa. Em 1933, a rifa em prol da Santa Casa e da Capela Santa Isabel foi realizada por um sorteio de uma “Geladeira General Eletric” e o ganhador foi o sr. Orival Leite.
                Dentre tantas colaborações, uma que se destacou foi a ideia do então prefeito de Barretos e membro da Mesa Administrativa da Santa Casa, o sr. Riolando de Almeida Prado. Este, em fins da década de 20, sugeriu ao proprietário do antigo Teatro Eden que se cobrasse a quantia de quatrocentos réis a mais em cada bilhete de entrada das sessões realizadas no mês de agosto daquele ano. Muitas pessoas gostaram da ideia de contribuir com a Santa Casa de uma maneira tão simples, porém outras começaram a reclamar do aumento do ingresso. Foi então que o dr. Riolando pediu ao proprietário do Teatro que cancelasse tal campanha e assim o fez. No entanto, uma nova ideia surgiu por parte do mesmo proprietário, o sr. Adolpho Veloso, tratava-se “Dia da Santa Casa”. Todos os dias 25 de cada mês eram reservados a um espetáculo especial e as verbas arrecadadas deste espetáculo eram em benefício da Santa Casa. O anúncio de propaganda do “Dia da Santa Casa” no jornal “O Popular” assim dizia: “... um appelo aos corações do povo de Barretos, para que, nesse dia, perdendo um pouco o amor a uns tostões, corra, todos ao encontro da bella quanto elevado iniciativa do Sr. Adolpho...”.
                No ano de 1927, a famosa Festa do Divino realizava uma bela quermesse de quatro dias em prol da Santa Casa de Barretos. E o anúncio do jornal exclamava: “Que o povo de Barretos, tão bom e generoso, não medindo sacrificios, accorram aos quatro dias da kermesse pró Santa Casa, levando o auxilio precioso para aquelles desherdados da fortuna que curtem amargas dores, nos leitos do hospital”.
                Conforme as décadas se passavam, muitas quermesses foram realizadas ano a ano em favor do hospital, principalmente nos anos cinquenta. As atas revelam a preocupação dos administradores da instituição em fazer as quermesses nas épocas mais propícias do ano, quando não estaria muito frio e agregasse boa parte da comunidade barretense. Além disso, em 1953, o mesário José Tedesco, ex-provedor, sugeriu que fosse criada a “Comissão dos Brotinhos”, isto é, uma pequena liga que cuidaria para que as quermesses sempre estivessem cheias de moças e rapazes; popularmente conhecidos por “brotos” no alvorecer dos anos dourados.
Com o fluir dos tempos, as respectivas administrações continuaram a fazer rifas, quermesses, eventos e muito mais para garantir a continuidade do nosso hospital. Por fim, muitos anos se passaram, a grafia mudou, as expressões são outras, mas a caridade continua e as campanhas de auxílio ao hospital estão por toda a cidade despertando a generosidade de todos.

REFERÊNCIAS: Acervo jornalístico do Museu “Ruy Menezes” e Atas da Santa Casa de Barretos.

DR. GALVÃO: O MÉDICO BAIANO QUE CONQUISTOU BARRETOS


ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011

Solange Galvão, viúva do dr. Francolino Galvão de Souza, guarda em sua rica memória os melhores momentos da vida do médico baiano que fez a primeira cesariana da história da Santa Casa de Barretos. Uma ocasião especial que foi contada passo a passo em uma entrevista emocionante.

“O médico luta com o inevitável que é a morte, nem sempre compreendido pelo povo e se o coração lhe dói pela injustiça deste, é no seio daqueles que lhe compreendem que ele vai achar consolo”
(Dr. Francolino Galvão de Souza em discurso, 1943).

                Em 1900, no interior da Bahia, nasceu Francolino Galvão de Souza, filho do fazendeiro e comerciante Feliciano José de Souza e de Odilia Galvão de Souza. A família Galvão morava na Fazenda “Cana Brava” e desde muito cedo Francolino sonhava em ser médico, o exemplo vinha dos filhos de fazendeiros vizinhos que eram estudantes de Medicina e que muitas vezes saiam às pressas para atender chamados distantes de outras fazendas, enfrentando duras viagens a cavalo. Com a morte prematura do pai, a mãe tomava conta de tudo na fazenda, o irmão mais velho engajara-se na vocação sacerdotal e Francolino, depois de tanto ajudar a mãe na fazenda, foi estudar aos 17 anos.
                Iniciou os estudos na Faculdade de Medicina da Bahia e fazia ao mesmo tempo os cursos de Farmácia e Medicina, “lá permanecia o ano inteiro voltando para a casa somente no final do ano para as férias”, disse Solange. Os três últimos anos de Medicina, Francolino cursou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, localizada na Praia Vermelha, em Botafogo. Formado em 1929, com especialização em Ginecologia e Obstetrícia, Francolino ficou no Rio de Janeiro e passava temporadas com frequência na Bahia, um Estado que vivia ameaçado pelo Cangaço na época, “ele fez trabalhos muito expressivos lá na Bahia, no interior, partos dificílimos sem recurso nenhum”, lembrou a esposa.  Em 1930, o médico recém-formado concluía sua tese de doutoramento: “Contribuição ao estudo da Symphyseotomia de Zarate”, tratava-se de uma dissertação que estudava um novo procedimento de parto da época.
                De volta à capital federal, o Rio de Janeiro, Francolino recebeu um convite que mudou para sempre sua história e de uma maneira interessante o trouxe até Barretos. Seu amigo, também baiano, o pecuarista Plínio Umburanas, o convidou para caçar numa fazenda que ele havia adquirido nas margens do Rio Grande, num lugar chamado “Viadinho do Porto”, hoje Riolândia.  Por conta da caça, o esporte predileto dos amigos baianos, eles se aventuraram em uma viagem num Ford 1929, “ele e o Plínio vieram os dois do Rio de Janeiro, não sei quantos dias levaram de viagem, eu sei que aconteceram coisas assim... espetaculares, interessantíssimas! Você já pensou, em 1933, o que significava fazer uma viagem desta?”, salientou Solange sorridente.
                Chegando primeiro em Barretos, Francolino dizia que quando ele e seu amigo desceram do Ford estavam na Praça Francisco Barreto e o relógio batia doze badaladas, era meia-noite do dia 16 de agosto de 1933. Logo se instalaram no Hotel São José e dias depois seguiram rumo a Riolândia, onde ficaram até janeiro do outro ano caçando. Depois disto, voltaram a Barretos e neste período aconteceu um dos momentos marcantes da vida de Francolino, agora conhecido por dr. Galvão, o médico baiano que acabou por conquistar Barretos.
                Era 31 de janeiro de 1934 quando uma mãe, de 35 anos de idade, entrou em um difícil trabalho de parto na Santa Casa de Misericórdia de Barretos. Segundo as palavras de Solange, “a mulher estava em trabalho de parto já demorava algum tempo sem êxito no nascimento, embora assistida por três médicos...”. Com tantas complicações, o pai da criança, um distinto professor em Barretos, recebeu informações a respeito de um médico baiano que se encontrava na cidade e que poderia oferecer assistência à parturiente. Quando o pai encontrou o tal médico e lhe explicou a situação, o dr. Galvão lhe disse que não poderia atender sua esposa pois ela já estava sendo assistida, mas que se os médicos o chamassem ele iria. Foi quando o pai convenceu os médicos a pedirem assistência ao colega baiano especializado em obstetrícia, e o mesmo observando o caso disse: “ – Aqui pode ser feita uma cesariana que salva mãe e filho”.
                Esta ideia causou estranheza entre os presentes, já que ninguém tinha feito tal procedimento no hospital ainda, mas o pai confiou no dr. Galvão e este não falhou. Ao contrário, ele fez a cesariana e, de acordo com as evidências, estava presente o sr. Ruy Menezes, que presenciou a cena de felicidade do pai, o qual, aos gritos nos corredores do hospital, exclamava: “- Este vai se chamar Renato, renascido, nasceu duas vezes!”. Desta forma, depois de tamanho momento de tensão, dr. Galvão ficou conhecido por todos e “foi aquela bomba na cidade... todo mundo queria ver o doutor que tinha tirado o menino pela barriga!”, recorda Solange.   
                De fato, no livro de pacientes da Santa Casa consta o registro nº 6940 como um “parto-sesariana” (grafia da época) feito pelo dr. Galvão no final do mês de janeiro de 1934. Além disso, em ata de reunião da Mesa Administrativa, o diretor clínico da época, dr. Urbano de Britto, convidou o dr. Galvão para integrar-se ao Corpo Clínico da Santa Casa. Em outras palavras, a repercussão e o sucesso da primeira cesariana foram tão grandes que o dr. Galvão tornou-se médico do hospital, sendo seu primeiro cargo “Médico da Enfermaria Anglo”.
No ano de 1949, dr. Galvão era o diretor clínico do hospital, ocasião em que se dedicou, dentre muitas conquistas, à compra de aparelhos de anestesia e camas para pacientes operados. Na década de 60, por sua fama de bom humorista, pois costumava contar piadas às parturientes para descontrair o ambiente, dr. Galvão foi convidado a representar Barretos no Programa “Cidade contra Cidade” do apresentador Silvio Santos, com a função de contar piadas, visando a obtenção de uma ambulância para a Santa Casa de Barretos. Então, dr. Galvão marcou ponto contra o representante de Pindamonhangaba e foi muito aplaudido e bem recebido pelos barretenses, que se sentiram merecidamente representados pelo médico que, além de ter contado piadas, também recitou belas poesias humorísticas.
                Ao longo da trajetória do dr. Galvão no hospital, sua esposa lembra com atenção das melhorias e novidades que ele trouxe à Santa Casa: “ele introduziu muitos melhoramentos na Santa Casa, como a prática do Credé que consistia em pingar gotas de nitrato de prata no olho do recém-nascido como profilaxia à cegueira e aquelas camas flexíveis ‘Leito de Fauler’. Também foi trabalho dele a substituição do clorofórmio na anestesia por técnicas mais modernas”. Dr. Galvão aposentou-se na década de 70, mas continuou a frequentar a Santa Casa por muito tempo.              
                 Por fim, a vida do dr. Galvão é uma das muitas que se eternizaram na memória da Santa Casa de Barretos. Médico, pai de seis filhos, esposo, membro de várias associações em Barretos, criador de pássaros, incentivador da arte e admirador de Castro Alves, por tantas faces de uma mesma personalidade, se pudéssemos resumi-las em uma frase, seria o que ele sempre dizia e que sua esposa repete com os olhos brilhantes de emoção: “Quantas mães deram a vida para salvar os filhos... o que é o parto na vida de uma mulher! Quantas que deram a vida, que perderam a vida... Mas não perderam a vida, foram elevadas aos céus, porque quem doa a vida pelos outros só tem um lugar: a glória dos céus”.

DRA. NILDA BERNARDI CARREIRA: A MÉDICA DOS ANOS DOURADOS

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011


Carinhosamente, em entrevista, a dra. Nilda Bernardi Carreira abre o baú de sua memória e desvenda o cenário da Santa Casa de Misericórdia de Barretos nos Anos Dourados. Com vocês, uma das poucas barretenses que trabalhou no prédio mais antigo do hospital e acompanhou suas transformações...

                Muitos dizem que é na infância que se identifica a futura profissão das pessoas, é na cidade onde mora, no seio da família, nos colégios onde estuda que nascem as influências de futuros caminhos profissionais. Talvez pode-se atribuir este senso comum à vida de Nilda Bernardi Carreira, uma médica que outrora queria ser veterinária, mas, que, pelos ditames da vida se tornou especialista em crianças e em psiquiatria; o que a fez, portanto, parte da história do hospital da vida.
Barretense, nascida em meados dos anos 20, filha do comerciante italiano Luis Bernardi e Maria da Glória Bernardi, Nilda Bernardi estudou em Barretos até o ginásio, onde formou-se na oitava série no Colégio de propriedade do sr. Augusto Reis Neves. Para terminar o “colegial”, como se falava na época, Nilda foi sozinha para São Paulo, mas não gostava do clima da capital do Estado e resolveu seguir o conselho de uma amiga e mudar-se para Niterói. Nesta cidade carioca, Nilda prestou o vestibular para Medicina e fez estágio no “Hospital Jesus e da Policlínica de Botafogo”. Então, formou-se em 1949 e tornou-se especialista em Pediatria, sendo conhecida, a partir de então, como dra. Nilda.
                Quando indagada sobre o porquê fez Medicina e especializou-se inicialmente em Pediatria, dra. Nilda relembra que queria ser veterinária, pois tinha um afeto muito grande pelos animais, mas seguindo suas intuições e conselhos de seu pai, tornou-se médica e decidiu isso desde muito cedo:

Me lembro que quando eu estava no grupo escolar ainda, eu pensei vou fazer Medicina, vou ser médica... mas eu vou tratar de neném, porque neném não fala, ele vai me entender e eu vou entendê-lo muito bem. Então, desde menina, eu queria ser médica e já tinha a minha especialidade.

                Depois de formada, dra. Nilda voltou para Barretos em 1951, ocasião em que montou seu consultório particular na avenida 19 e começou a exercer a profissão. Neste período, ela foi a primeira médica mulher da cidade e, conforme a mentalidade patriarcal da época, encontrou alguns percalços pelo caminho, como o preconceito contra a profissional feminina. Inclusive, quando iniciou seus trabalhos na Santa Casa de Barretos, dra. Nilda teve algumas dificuldades deste tipo para entrar no Corpo Clínico do hospital. Foi quando seu colega dr. Matinas Suzuki, também médico recém-formado na época, a ajudou nesta questão e, em 9 de março de 1952, ela integrou-se ao Corpo Clínico da Santa Casa de Barretos, como a única médica mulher. Com bom humor recorda da amizade de seus colegas de trabalho:

Tinha uma salinha que os médicos iam tomar café, então era muito gostoso ficar lá conversando com os médicos, só eu de mulher! Quando eu entrava eles falavam assim: “Agora não pode contar piada porque a doutora chegou”. Era muito divertido.

                Neste período, a Santa Casa passava por mudanças em suas estruturas, uma vez que o provedor Teófilo Benabem do Valle administrava a construção da maternidade, obra que desfez parte do prédio antigo do hospital que ficava do lado da Rua 28. Nesse sentido, a dra. Nilda trabalhou na Santa Casa num momento em que o prédio era divido em duas partes, uma constituída do antigo prédio de 1921 e a outra da nova construção iniciada em 1951. Assim, ela se lembra de detalhes como onde era a entrada, a enfermaria masculina e a feminina, a Pediatria, a Capela e tantas outras dependências do prédio. Sobre o funcionamento do hospital, dra. Nilda disse que existia a sala para Pediatria, mas não existiam médicos especializados e as enfermeiras eram domésticas, foi quando resolveu treiná-las:

Eu ia bem cedinho pra lá, abria o ambulatório, atendia e internava quem precisasse de internação. Quando acabava o ambulatório eu ia tratar das crianças. Aos sábados eu dava aula para as enfermeiras, porque percebi que algumas davam soro na barriga ou na perna e eu explicava “não foi assim que eu aprendi, eu faço na veia”. Eu ensinava tudo... o controle das gotas, dos remédios e os minutos. Eu ia de manhã, à tarde e à noite na enfermaria para controlar o serviço, já que elas não sabiam. Por isso todo sábado, como eu não fazia ambulatório, dava aulas às enfermeiras

                No ano de 1961, acontecia o primeiro “Gente Que É Notícia”, realizado pela Rádio PRJ-8, e entre os nomes dos homenageados constavam a dra. Nilda Bernardi. A médica pediatra conquistou este título por ter fundado em Barretos o “Clube das Mãezinhas”, um clube que funcionava inicialmente no antigo prédio dos italianos e depois na creche da Rua 8, onde as irmãs cediam as salas para fazer as reuniões. Segundo a dra. Nilda:

Os italianos cediam a parte de baixo do prédio à pediatria, para atender as crianças, e o médico que atendia precisava sair e deixar para outro médico cuidar do estabelecimento. Ele foi para Ribeirão e eu assumi o atendimento. O problema é que as crianças e as mães chegavam sujas, muito sujas, e eu decidi educar estas mães para elas também educarem as crianças. E assim nasceu o Clube das Mãezinhas.

                Diante deste cenário, dra. Nilda, fundadora do Clube das Mãezinhas e médica da Santa Casa de Barretos por dezoito anos sem nunca ter exigido remuneração, foi uma das maiores benfeitoras de Barretos no que diz respeito à assistência social, à saúde mental e infantil e à educação dos funcionários do hospital. Em fins da década de 60, já casada com o sr. Manoel Carreira, a primeira médica da Santa Casa deixa o hospital para retomar os estudos na Capital paulista e dedicar-se à Psiquiatria. Depois de um ano, retorna a Barretos e passa a atender em seu consultório na Rua 20, onde encontra-se em atuação até os dias de hoje, totalizando quase sessenta anos de profissão. Um exemplo. Uma memória indissolúvel!

O NOVO PAVILHÃO E O DRIBLE NA INFLAÇÃO

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011


Em entrevista descontraída, o ex-provedor da Santa Casa de Barretos revela em detalhes como conseguiu angariar fundos à construção do pavilhão, inaugurado em 1988, com recursos próprios do hospital.

“Quando essa época passar e a as pessoas se sentirem mais humanas, vão
 refletir melhor e verão que essa obra foi abençoada por Deus para vocês.
Então todos terão paz e saberão respeitá-la.”
(Ibraim M. da Silva, em discurso – 05/11/1988)

                Nascido no ano da Revolução Constitucionalista, em Riolândia, Ibraim Martins da Silva mudou-se para Barretos ainda menino, onde terminou seus estudos e angariou muitas experiências nos setores públicos da cidade. Logo se tornou o provedor que mais tempo administrou a Santa Casa de Misericórdia de Barretos, dezesseis anos na primeira gestão e depois seis anos na segunda. A trajetória de Ibraim Martins da Silva no hospital se iniciou na gestão do provedor Lourival Ribeiro de Mendonça, em 1976, ocasião em que foi mesário. Na administração seguinte, do sr. Althair Pereira, Ibraim exerceu o mesmo cargo, depois desta experiência foi eleito provedor em 1981 e neste momento o hospital viveu uma de suas principais transformações ao longo dos 90 anos de sua história. Uma época ainda lembrada por muitos barretenses.
                Durante o primeiro período em que Ibraim foi provedor (1981-1996), o Brasil passava por mudanças sociopolíticas e oscilações na economia, o que poderia repercutir na Santa Casa uma grande instabilidade e desestrutura em seus recursos e aplicações. Fato que foi driblado pela administração de Ibraim, a qual foi muito elogiada nos jornais da época, que destacavam o sufocante momento em que passava o país e a habilidade do provedor em superar este cenário. Quando indagado sobre o período da primeira gestão, Ibraim recorda:

Naquela primeira gestão, nós tivemos fases distintas, de muita dificuldade e fases de até muita facilidade. Na primeira fase a dificuldade foi porque a Santa Casa atendia todas as pessoas e naquela época o INPS não pagava todo o atendimento, só quem era previdenciário e tivesse visto em carteira de no mínimo um ano. Mas, aquelas pessoas que não tinham o direito de ser atendidas pelo INPS, no fim iam para a Santa Casa do mesmo jeito porque o hospital atendia, eram os chamados indigentes. Esta situação da instituição só se modificou durante o governo do Presidente Ernesto Geisel, onde ele institui que todo o atendimento da Saúde tinha que ser pago pelo INPS, independente de ser registrado como empregado ou não. Então, nesta época, nós tivemos um benefício muito grande, passamos a receber, embora em valores menores, por todo o atendimento.               

                Paralelo a estes novos benefícios concedidos pelo governo federal, ondulava pelo país um índice inflacionário altíssimo, de 84% ao mês. Ibraim exemplifica que um produto que valia 100,00R$ no início do mês passaria a custear 184,00R$ no fim do mesmo mês, e, por incrível que pareça, foi exatamente esta inflação que ajudou o hospital a construir um novo pavilhão, através dos juros da poupança. Pois, segundo Ibraim:

A inflação era muito pesada, mas também o governo daquela época pagava o reajuste inflacionário, então chegamos a receber o reajuste de 84% ao mês e com isso nós conseguimos fazer uma reserva de dinheiro e construir o prédio novo do hospital com recursos próprios.

                Desta maneira a Santa Casa, sem ajuda financeira municipal, estadual e federal, entrou em obras a partir de 1983 e seu novo pavilhão foi inaugurado em 05 de novembro de 1988, não só o pavilhão bem como todas as instalações e equipamentos montados. De acordo com os registros do Jornal “O Diário” de 1988, o novo prédio contava com nove mil metros quadrados de área construída distribuídos em sete andares na seguinte ordem: Subsolo: garagem, almoxarifado e oficina; Andar térreo: Pronto-Socorro, Laboratório de Análises, Laboratório de Patologia, Banco de Sangue, Recepção, Internação, Central-Telefônica e Telefonistas; 1º andar: Centro-Obstétrico, Maternidade, Berçário e Lactário ; 2º e 3º andares: as clínicas médicas; 4º andar: Pediatria, 5º andar: clínicas cirúrgicas; 6º andar: UTI.
Ao término da construção do pavilhão, todos os setores estavam equipados com os quartos mobiliados de camas, armários, mesas, cadeiras, ligações de oxigênio, ar comprimido e vácuo. A UTI também encontrava-se totalmente montada e novos equipamentos foram adquiridos para o Raio-X e Centro Cirúrgico. Ainda mais, recentes serviços foram implantados como os Departamentos de Fisioterapia, Hemodiálise, Tomografia e outros. A Hemodinâmica, mesmo com aparelhos de última geração e com profissionais devidamente aplicados, por problemas alheios ao hospital não pode funcionar em sua plenitude, fato que acontece até hoje.
                O dia da inauguração, realizada às 10:00hs, foi muito comemorado pela população barretense que compareceu em grande estilo na ocasião, como bem mostram as fotografias. O ato oficial do corte da fita foi realizado em conjunto pelo jornalista Ruy Menezes, o médico Luiz Carlos Lorenzi, a funcionária Cidinha e a Irmã Herminia. Muitas autoridades estavam presentes na solenidade, tais como o deputado estadual Waldemar Chubaci, o bispo diocesano Dom Antonio Maria Mucciolo e foi orador o sr. Mélek Zaiden Geraige. As vistas também se lançaram diante um grande colaborador que foi o sr. Hildebrando de Souza, que, por sua atuação como administrador da construção do novo prédio, foi muito destacado pela imprensa.
                Por tamanho desempenho e popularidade, a administração do sr. Ibraim Martins da Silva continuou num segundo momento a partir de 2001 até 2006. Como ele mesmo disse, a Santa Casa passava por momentos difíceis, em razão do contexto da época, e em pronunciamento Ibraim explicava que “aquilo que foi feito na primeira gestão, possivelmente na segunda não se faria... era outra época”. Mas, esta última administração também foi muito útil, onde muitos serviços foram implantados.      
                Por fim, com tanta experiência e detalhes a contar, Ibraim ensina que:

A Santa Casa sempre teve problemas e isso nunca vai acabar, porque o problema é a questão financeira, já que o número de pessoas é grande para atender, tem que ser atendido e no fim não tem outra opção a não ser a Santa Casa, então a dificuldade é essa: muita procura e pouco recurso para poder satisfazer esta procura.

Por outro lado, revela a satisfação de ser provedor e junto a uma equipe promover melhorias à saúde pública de Barretos: “é uma satisfação muito grande, intimamente você sente aquilo... é a retribuição”. Ibraim destacou que teve a felicidade de contar com uma equipe extraordinária de funcionários, dos médicos que sempre colaboraram, de todos os diretores clínicos que conviveram com ele e muito o ajudou na administração. A imprensa deu amplo apoio ao empreendimento deixando as portas abertas para todas as divulgações. Disse ainda que, para concretizar a obra contou sempre com valiosas colaborações de seus companheiros de diretoria e em nome de Antonio Francisco Scannavino, Nico Amêndola, Walder Reco, Luiz P. Veloso e Miguel Angelo Canônico agradece todos aqueles que participaram da diretoria e conseguiram que o empreendimento alcançasse seus objetivos.
E, assim, nesta onda de retribuição, em resposta ao discurso que o sr. Ibraim fez na inauguração do pavilhão e que encima estas linhas, a comunidade barretense agradece e respeita os serviços e a hábil atuação do ex-provedor no hospital da vida. 

IRMÃ ANGÉLICA: UMA VIDA JUNTO AO HOSPITAL

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011

Recordar é viver. Neste lema, a Irmã Angélica, tão conhecida por todos na Santa Casa de Barretos, demonstra sua vivacidade quando revela suas recordações sobre o trabalho das Irmãs Franciscanas no hospital. Lembranças de um tempo bom.

                Irmã Maria Angélica de Oliveira, este é o seu nome religioso, uma irmã que iniciou seu trabalho no “Hospital da vida” há quase cinquenta anos e hoje se dedica às preces aos doentes e a assistência às crianças carentes, ficando contentíssima quando recebe doações de roupinhas para suas crianças. Foi no mês de setembro deste ano homenageada pela Santa Casa de Misericórdia em um coquetel realizado no Grêmio Literário e Recreativo de Barretos, sendo muito aplaudida por todos. Uma noite festiva que abrilhantou os trabalhos da irmã religiosa.
Por que tamanha repercussão? Porque a Irmã Angélica, como é conhecida, é uma das funcionárias que mais conviveu junto à Santa Casa, acompanhou muitas de suas mudanças e ainda permanece no hospital diariamente. Por quase cinquenta anos, sua vida foi unida à Santa Casa de Barretos.
                Em entrevista, Irmã Angélica contou que nasceu em 1922 na cidade de Angatuba, interior de São Paulo, e tempos depois mudou-se com a família para Ibirá. Conheceu a vida religiosa e congregou-se na “Ordem das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição” em Araraquara nos anos 50. A Ordem das Irmãs Franciscanas tem sede na Áustria, onde carinhosamente suas congregadas brasileiras chamam-na de “Casa Mãe”. A vida das Irmãs Franciscanas sempre foi voltada aos serviços de caridade, principalmente aqueles ligados à saúde pública; desta maneira, a Irmã Angélica fez em São Paulo um curso de Enfermagem e especialização em centro cirúrgico. Depois disso, a religiosa trabalhou em hospitais de São José do Rio Preto, Catanduva e Olímpia angariando mais experiências em suas especialidades.
                “Cheguei a Santa Casa de Barretos em 1963, a Madre Superiora era a saudosa Irmã Celeste, tão inteligente, éramos em quase dezoito irmãs e eu cuidava do Centro Cirúrgico e fazia trabalhos na Sala de Parto também”, explica Irmã Angélica. Até os dias de hoje, os médicos do hospital lembram-se da atuação da Irmã no Centro Cirúrgico, onde ela trabalhou por vinte e cinco anos auxiliando-os nas cirurgias e recorda que: “O Centro Cirúrgico era pequeno, no andar térreo, tinha somente duas salas, uma para criança e outra para adulto”. Irmã Angélica explica que cada irmã trabalhava em um departamento do hospital e ela, por ter feito curso de Enfermagem, muitas vezes dava aulas para as demais enfermeiras. Segundo suas lembranças “tinha muito trabalho, eu ficava no hospital o dia todo e às vezes tinha chamado de madrugada e às sete da manhã eu tinha que estar lá de volta”.
                Quando começamos a falar sobre o aspecto da Santa Casa de Barretos, Irmã Angélica lembrou que quando ela chegou a Barretos e iniciou seus trabalhos no hospital, o pavilhão ao lado da rua 30 ainda estava sob construção, o provedor era Husseim Gemnha e de lá para cá muitas mudanças aconteceram. Ela lembra ainda dos provedores que se sucederam, como exemplo, João Batista da Rocha, que começou a construção da lavanderia e Ibraim Martins da Silva, recordando: “que homem bom foi o sr. Ibraim para a Santa Casa”.
                De todas as lembranças, talvez a mais espetacular é a da Capela de Santa Isabel, que ficava onde hoje é o Raio-X. Segundo as evidências, aquela Capela construída em 1932 de belíssima arquitetura, ainda estava em pé quando a Irmã Angélica conheceu pela primeira vez a Santa Casa de Barretos. “Era uma bela Capela, não me lembro de detalhes como ela era por dentro, mas teve de ser derrubada para aumentar o espaço do hospital e construir o Raio-X. Então, a Capela de Santa Isabel passou para o 1º andar do prédio velho onde se encontra até hoje”, salienta a Irmã.
                A saudade começou a apertar quando a Irmã Angélica passou a ver os antigos álbuns de fotografias e lembrar das festividades e da amizade entre as Irmãs Franciscanas. Foram resgatadas do passado a Irmã Celeste, Irmã Maria do Carmo, Irmã Brígida, Irmã Uda, Irmã Hermínia, Irmã Fátima e tantas outras que despertaram a emoção da Irmã Angélica.  “Era um tempo tão bom, trabalhávamos bastante e algumas vezes nos reuníamos para festejar os aniversários onde hoje é o refeitório dos funcionários”, diz a Irmã.  Muito satisfeita de resgatar suas lembranças através das fotografias, Irmã Angélica se sentiu feliz em rever os antigos funcionários do hospital e poder contribuir com a construção da história da Santa Casa por meio de suas sutis memórias.
                Enfim, a Irmã Angélica que muito amor revela pela vida e é um dos exemplos que o comprometimento com a caridade e com a assistência social não possui idade e nem prazo de validade. Uma história, uma vida, um hospital!

PROVEDORES: DOS ANOS 20 AOS 2000

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA" DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS - 9/1/2011

                Pensar em noventa anos de fundação de um hospital naturalmente implica na ideia de complexidade, passagens de crises, endividamentos, epidemias, construções prediais, auxílios financeiros, campanhas, enfim, uma série de acontecimentos que atravessaram uma vasta linha do tempo constituída de divergentes épocas da história do Brasil. Assim, em sua trajetória histórica, a Santa Casa de Misericórdia de Barretos caminhou em sobressaltos durante estes noventa anos e pode-se dizer que o motor de todas estas trilhas foi o conjunto de pessoas que fizeram parte da vida do hospital. Cada um a sua representatividade, funcionários, enfermeiros, médicos, pacientes, mesários, associados, imprensa, moradores e o provedor, juntos, construíram a Santa Casa dos anos 20 aos anos 2000.
Do século XX ao XXI, a figura do provedor sempre foi o destaque das reportagens de jornais, campanhas e homenagens, isso acontece pela sua representatividade diante à sociedade, já que é nele que se concentra a tomada de decisões do hospital. Em trabalho acadêmico da historiadora Laima Mesgravis sobre a Santa Casa de São Paulo, ela ressalta um artigo do Estatuto do hospital ainda no século XIX, que destacava como deveria ser a personalidade de um provedor: “Sempre uma pessoa de prudência, virtude e reputação para que os outros irmãos o possam reconhecer por cabeça e lhe obedeçam com mais facilidade”. As palavras, mesmo vindas do século XIX e refletirem certa preeminência da época, se encaixam no momento de fundação do nosso hospital e até mesmo nos dias de hoje. É certo que a figura do provedor deve ser prudente e popular perante a comunidade que o cerca e o regimento que lhe será atribuído. A própria terminologia “provedor” reflete a seriedade de seu cargo, é aquele que “provê” pelo hospital e toma as devidas providências.
A Santa Casa de Misericórdia de Barretos foi sede do trabalho de vinte e seis Provedores oficiais que regeram o nosocômio apoiados por uma significativa comunidade de funcionários e habitantes da cidade. Estes provedores possuíram diferentes profissões e certamente o brilho destas garantiram-lhes a aprovação da sociedade na Ordem da Santa Casa. Predominantemente eram políticos, advogados, médicos, jornalistas, proprietários de tradicionais casas comerciais, industriais, pecuaristas e contabilistas.  São profissões liberais que, em sua maioria, são acompanhadas de experiências na administração de gestões, investimentos, geração de recursos e apoios políticos.  Sendo que, deste total de vinte e seis provedores, três foram prefeitos em Barretos, dois deles simultaneamente no hospital e na Prefeitura.
                O primeiro provedor da Santa Casa de Barretos foi o bacharel em Direito, Pedro Paulo de Souza Nogueira, que em fins do século XIX saiu do Estado do Rio de Janeiro e veio para Barretos, onde, pouco tempo mais tarde, tornou-se o terceiro Intendente Municipal de Barretos. Tratava-se de uma figura interessante às vistas da política barretense, deixou onze filhos e parte de seus descendentes ainda perpetua pela cidade. Como provedor, nenhuma atividade de sua gestão ainda foi revelada por falta de documentos, porém, sabe-se que os provedores dos anos 20 tinham muito costume de realizar campanhas, de cunho simplório, que fornecessem fundos para contemplar serviços implantados no prédio novo da Santa Casa. Um hospital recente que ainda não tinha sua construção finalizada e já se encontrava em funcionamento, apresentando também dificuldades financeiras.
                Nos anos 30, um provedor se destacou por trazer significativos benefícios ao hospital e ser o primeiro a repetir o mandato por quatro anos seguidos; trata-se do sr. José Pereira Soares, proprietário de casa comercial, provedor de 1929 a 1932. Em 1931, quando a Santa Casa de Barretos vivia seus dez anos de fundação, fatos inéditos aconteceram, tais como: a construção de uma farmácia, a doação feita por Francisco Conde da escadaria de mármore que enfeitava a entrada do hospital, o portão monumental doado pelo sr. Augusto Sasdelli Cardoso, novos móveis de madeira em doação do sr. Eugênio Scannavino e o serviço de arborização completo fornecido pelo Serviço Florestal do Estado de São Paulo.
Além disso, em 1932, especificamente no dia 1º de maio, a ideia de começar a construir uma Capela no hospital se realizou com a cerimônia de colocação da primeira pedra da Capela de Santa Izabel. Foi uma grande festa e um marco na administração do provedor José Pereira Soares. Os anos que se seguiram à década de 30 também tiveram provedores preocupados com novas instalações do hospital, como bem mostra o projeto de construir o pavilhão “Titinha Franco” na gestão do provedor João Baroni. Esta ideia atravessou as administrações dos demais gestores vindo a se concretizar tempos depois.
Quando chegaram os anos 40, os nomes dos provedores eleitos são reflexos da atuação positiva que os mesmos tiveram nos anos 30. Por exemplo, o sr. João Rodrigues da Cunha que muito esteve presente na gestão do sr. José Pereira Soares e o sr. Severiano Rodrigues Borges que forneceu a quantia de vinte contos de réis para o término das obras do hospital e sua completa reforma em 1931. A partir de 1946, nas administrações dos senhores José Tedesco e o médico Astolfo Araujo, surgia o projeto de construção da Maternidade, uma necessidade que há tempos se discutia na Santa Casa.
A Maternidade se tornou o primeiro passo para a construção do “novo hospital”, expressão que tanto perpetuou na administração dos cinco provedores da década de 50. O nome que ainda é lembrado por muitos no hospital é o do industrial e provedor Teófilo Benabem do Valle, pois foi na gestão dele que se iniciou a construção da Maternidade em 1951 e sua inauguração em 1955. A administração desta obra foi um divisor de águas na história da Santa Casa de Barretos, uma vez que sua extensão alterou a forma do hospital, que teve a parte do prédio da Rua 30 derrubada para emergir um novo pavilhão. Para solidificar esta obra muitas campanhas foram realizadas, principalmente quermesses na Praça Francisco Barreto com sorteios de prêmios como geladeiras, carros e outros. Desta feita, o provedor Teófilo Benabem do Valle era destaque na imprensa da época.
Continuamente à obra da Maternidade, em função do projeto de construção do “novo hospital”, na administração do sr. Husseim Gemnha outro pavilhão também foi construído, agora do lado da Rua 28 para fazer união àquele da gestão do sr. Teófilo. A união destes dois pavilhões forma o que hoje os funcionários da Santa Casa chamam popularmente de “prédio velho”. Para arrecadar fundos que tornasse real a construção do novo pavilhão, os provedores dos anos 50 muito trabalharam e pediram apoio de governantes, que, como Jânio Quadros, governador do Estado de São Paulo em 1957, contribuiu com a causa doando três milhões de cruzeiros para a obra em questão.  A construção foi na mesma proporção grandiosa e gradual, como bem mostra a perpetuação do sr. Husseim Gemnha na Provedoria nos períodos de 1958 a 1965, quando em 06 de junho de 1965 ele falece.
Como de praxe, assumiu a Provedoria na Santa Casa o vice-provedor, que, na ocasião era prefeito de Barretos, o sr. João Batista da Rocha. Mais do que vice-provedor e provedor, João Rocha já era nome destacado na Mesa Administrativa da Santa Casa desde os anos 50, quando foi muito elogiado em atas por ir às próprias custas a São Paulo estudar preços melhores para compras de alto custo do hospital. Sua administração se revelou positiva, pois, iniciou o processo de instalação da lavanderia da Santa Casa, que é até hoje lembrada pelos funcionários mais antigos.
Os anos 70 foram administrados pelos senhores Pedro Falco, Lourival Ribeiro de Mendonça e Althair Rios, três provedores que remetem a muitas lembranças de instalações de novos serviços no hospital e que proporcionaram experiência ao futuro provedor dos anos 80, sr. Ibraim Martins da Silva. Este, por sua vez, também administrou uma grande obra que foi a construção do pavilhão chamado hoje pelos funcionários de “prédio novo”, custeado com os recursos próprios da Santa Casa e inaugurado em 1988.
A década de 90 atravessou um caminho relativamente obscurecido pelos problemas econômicos de cunho inflacionário, ainda mais com o número crescente de pessoas que procuravam a Santa Casa, não só de Barretos como de toda região. Sendo válido ressaltar, que esta procura da região pela Santa Casa é comum desde o ano de sua fundação, que já nesta época atendia mais de vinte cidades.
Os anos 2000 se iniciou com a volta do provedor Ibraim Martins da Silva e finaliza a primeira década com o contabilista Décio Maruco Júnior. Este, atual provedor, apresenta-se como uma figura que perpetua a tradição de alguns ex-provedores da Santa Casa de Barretos em aproximar as necessidades do hospital ao conhecimento da comunidade. A isto se aplica a série de campanhas populares que o atual provedor promove desde o início de suas atividades em 2007; como por exemplo, a campanha de pintura do prédio do hospital feita em 2008, onde a população doou as tintas. Também em 2008, a administração de Décio Maruco Júnior inaugurou o Complexo Materno-Infantil Santa Isabel e por intermédio de verbas parlamentares adquiriu novos equipamentos hospitalares para os serviços de Cardiologia e Litotripsia; sendo o Departamento de Litotripsia inaugurado em janeiro de 2009.
Há de se ressaltar também a renegociação da dívida da Santa Casa com a Receita Federal para a obtenção da CND (Certidão Negativa de Débito), pois somente com a expedição deste documento que o hospital pode receber maior fluxo de verbas parlamentares. Nestes últimos anos, a Santa Casa de Barretos se destacou entre os hospitais do Estado de São Paulo pois foi a pioneira em implantar a área psiquiátrica nas dependências da instituição hospitalar.
Enfim, o que pensar destes noventa anos de Santa Casa?
Que noventa anos ininterruptos de saúde pública é o resultado do trabalho vinte e seis gestões e de toda uma comunidade abrigada por um mesmo ideal: o crescimento estrutural e social do hospital. Que venha mais noventa anos, pois os barretenses estarão prontos a trabalhar junto com os futuros provedores pelo hospital da vida.