quinta-feira, 25 de agosto de 2011

AO DIA DO HISTORIADOR



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 19 DE AGOSTO DE 2011

            Hoje, 19 de agosto, é comemorado o dia do historiador. A data institucionalizada pela lei nº 12.130 do dia 17 de dezembro de 2009, possui um significado muito especial mediante à valorização da figura do profissional que resgata o passado, insistindo em lembrar aquilo que as pessoas tem o costume de esquecer. O dia 19 de agosto é em si um dia especial, pois trata-se do nascimento de um dos grandes escritores da História do Brasil, o pernambucano Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araujo. Este, por sua vez, viveu no Brasil do século XIX e dedicou-se à política nacional, bem como à intelectualidade das ciências humanas.
            O fato do dia 19 de agosto ser reservado a homenagens à figura do historiador revela por si só o quão valorizada encontra-se esta categoria no Brasil dos últimos tempos. Nos recentes decênios, o historiador tem ganhado espaço de trabalho dentro das escolas, rádios, televisões (tele-jornais e novelas), imprensa e das mais diversificadas instituições. Busca-se o profissional do passado para desvendar os processos políticos, econômicos, as tradições familiares, o nascimento de instituições públicas e privadas; tudo com o objetivo de encontrar a origem das coisas e criar identidades.
            A profissionalização do historiador tem crescido tanto que, no primeiro trimestre deste ano, foi aprovada uma lei que regulamenta esta profissão. Fato que além de profissionalizar esta categoria, especifica quem de fato é historiador, isto é, os indivíduos graduados ou com especialização e titulação em mestrado e doutorado em História. Essa regulamentação é muito importante nos dias de hoje, pois valoriza o estudo dos cursos de graduação e pós-graduação em História, já que o profissional formado possui melhores orientações quanto a sua área de atuação.
            Mas, nem tudo é tão fácil quanto parece. Muitos historiadores de hoje, mesmo com os avanços dos últimos tempos, ainda enfrentam dificuldades principalmente no que diz respeito à remuneração. Historiadores brasileiros, principalmente os que não são vinculados a órgãos públicos patrocinadores de pesquisas, precisam encarar suas pesquisas mais como hobby do que como salário. O que de fato sustenta o historiador brasileiro hoje em dia ainda é a sala de aula, isto é, sua atuação como professor pesquisador. Talvez um motivo deste problema esteja vinculado ao fato de que no passado parte dos historiadores, ou pelo menos aqueles que escreviam sobre história mesmo não sendo formados, não era regulamentada e quando escrevia determinada obra não cobrava pela pesquisa e pelo texto escrito.
            Mesmo assim, as vantagens são maioria nos rumos que a profissão do historiador tem tomado. Sua imagem é cada vez mais requisitada na sociedade, inclusive na sala de aula, onde os alunos estão sempre dispostos a saber qual historiador buscou determinada informação e quais métodos de pesquisas ele utilizou para criar suas teorias. Afinal, como disse o poeta alemão Heinrich Heine: “o historiador é o profeta que olha para trás”.

A MICRO-HISTÓRIA



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 5 DE AGOSTO DE 2011


            Leitor amigo, você já ouviu falar em micro-história? A própria palavra “micro” já induz ao pensamento de que se trata de uma história mais voltada ao específico, ao local, ao particular. Pois bem, a micro-história é um novo ramo da historiografia que tem ganhado espaço nos trabalhos acadêmicos de vários países. Ela tem reativado os ânimos de muitos historiadores, pois permite o contato direto destes com as fontes históricas, além de proporcionar uma escrita prazerosa a qualquer tipo de leitor. Nesse sentido, ao escrever com um olhar recortado em determinado tempo e espaço, o historiador ganha mais proximidade com seu objeto de estudo e propicia à comunidade o resgate de partes de sua memória e de sua identidade.
            Ao voltar os pensamentos para o modo com que as pessoas estudaram e ainda estudam História, verifica-se que a macro-história, ou seja, o estudo da história pela ótica do global e nacional, ainda predomina na sala de aula; talvez por ser o modo mais didático então conhecido. O problema desse método é que ele pode criar generalizações, que, por sua vez, podem nublar a realidade de um dado momento histórico.
            Por exemplo, se aprendemos que a principal riqueza que impulsionava a economia brasileira no final do século XIX era o café, como explicar que no mesmo período o que movimentava a economia em Barretos era a pecuária? Ao escolher um determinado assunto, o historiador passa a trabalhar com fontes primárias e secundárias, fato que lhe permite encontrar resultados que, na maioria das vezes, fogem daquilo que acontecia no contexto histórico da época. O estudo do local e do particular revela acontecimentos então desconhecidos pelas generalizações e modelos explicativos.
            Os estudos sobre a micro-história surgiram na Itália, país que valoriza muito a cultura local, pois foi o berço do Império Romano e da Renascença. Historiadores italianos como Carlo Ginzburg, Giovani Levi e Edoardo Grendi, a partir dos anos 60 se aventuraram em estudos particulares sobre “comunidades”, “indivíduo”, “família” e resgataram na história personagens e temas que há tempos eram apagados da escrita, tais como os hereges, feiticeiras e camponeses. O exemplo mais citado entre os micro-historiadores é a obra de Ginzburg, “O queijo e os vermes”, que narra a vida de um moleiro italiano do século XVI que é condenado pela inquisição por ter criado uma teoria sobre a origem da vida que se desviava dos preceitos católicos. No livro de Ginzburg, é perceptível todo o contexto sobre a mentalidade religiosa do período medieval e o poder do clero, mas o interessante é que o leitor nota estas realidades a partir da vida do moleiro, que na verdade fugia à maioria dos camponeses da época que eram analfabetos.
            Enfim, o olhar micro enxerga a história não como uma massa homogênea do passado que se encaixa a todos os tempos e lugares, mas como uma realidade composta de múltiplas experiências e representações que são passíveis de análises minuciosas. Afinal, a micro-história demora muito tempo para ser elaborada pelo historiador e por isso não pode ser confundida com a história local ou regional. Por mais difícil que seja escrever como micro-historiador, pois essa tendência exige certa maturidade na escrita, a micro-história tem demonstrado que é o modo mais refinado de se produzir uma boa escrita e conquistar o público leitor em geral.

DE GUTEMBERG À ERA DIGITAL



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 5 DE AGOSTO DE 2011


            Nas reflexões sobre os tempos atuais podemos perceber que está acontecendo a nossa volta uma verdadeira revolução cultural na prática da leitura. Afinal, por mais que a maioria da produção literária seja feita sob a forma de livros, cresce demasiadamente o índice de obras digitalizadas na internet e disponíveis à leitura. Mas, será que a imaterialidade do livro é mesmo algo positivo ao nosso relacionamento com a leitura e a escrita? Vejamos um breve histórico do livro...
            A origem do livro está diretamente relacionada à invenção da prensa na Europa do século XV, uma época de transição entre o pensamento medieval e o mundo moderno. A prensa era um instrumento mecânico utilizado para imprimir livros, seu funcionamento dependia dos “tipos”, que eram pequenas letras do alfabeto esculpidas em madeira, nas quais eram passadas tintas em sua superfície e depois eram comprimidas contra o papel. Foi desta maneira que o alemão Johann Gutemberg (1397-1468) criou prensa de livros no ano de 1440.
            Antes do surgimento da imprensa, os textos além de serem produzidos à mão tinham o formato de rolos, o que impedia uma pessoa de ler e escrever ao mesmo tempo, visto que as duas mãos estariam ocupadas. Com a invenção da prensa por Gutemberg, uma verdadeira revolução cultural aterrissou na Europa, pois além dos livros serem impressos em formato de códex (cadernos em capítulos), era também garantida a publicação rápida dos mesmos, fato que facilitou a acessibilidade da leitura por parte da população. Segundo um texto de Monteiro Lobato da década de 70, na época em que os livros eram manuscritos pelos monges medievais “uma bíblia, por exemplo, custava tanto quanto uma casa. Por esse motivo, existiam exemplares nas igrejas para quem os quisesse ler, mas eram presos a argolas por meio de correntes de ferro, para que ninguém os roubasse”. Coincidência ou não, o primeiro livro impresso por Gutemberg foi a Bíblia.
            Paralelo a isso, nos tempos atuais uma nova revolução cultural orbita a prática da leitura, trata-se de um momento em que os textos estão sendo produzidos, transmitidos e recebidos pelo formato eletrônico. De acordo com os estudos do célebre historiador frânces Roger Chartier, o mundo de hoje se afasta cada vez mais do formato tradicional do livro impresso afim de se aproximar dos textos digitalizados disponíveis na internet. Chartier ainda afirma: “Os textos eletrônicos não tem materialidade, constituem-se em fragmentos não necessariamente dispostos em sequência. Não se tem noção do tamanho final do texto como se tem ao pegar um livro nas mãos”.
            Para determinadas pessoas os textos digitalizados na internet são a melhor forma de se pesquisar, visto que, de certa maneira, podem ser mais fáceis de serem encontrados. Por outro lado, a leitura na internet pode prejudicar o autor do livro, pois ele corre o risco de sua obra em vez de ser comprada, ser na verdade copiada. Entretanto, o que é válido ressaltar, é a nova maneira de leitura e relacionamento com a escrita que o formato eletrônico está trazendo à tona na sociedade, uma leitura fragmentada e talvez nem tão processada pelo leitor. Por fim, ainda existe a opção de se escolher entre o tradicional impresso ou o moderno digital, mas é interessante que pensemos na importância de nossas bibliotecas e livrarias, além do restrito acesso às obras digitalizadas que as pessoas de classes desfavoráveis terão de enfrentar.      

O TEMOR À HISTÓRIA



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 29 DE JULHO DE 2011

            Conforme os anos se passam neste século XXI, a história torna-se mais presente na realidade das pessoas, visto que as cidades dos dias de hoje aproximam-se cada vez mais de suas memórias na busca por uma identidade e pela compreensão de sua origem. Nesse sentido, a figura do historiador também se enaltece na sociedade, uma vez que ele é o responsável por traduzir as confusas fontes em textos escritos à comunidade. Mas, no que diz respeito à busca pelas fontes, os caminhos nem sempre são tão retilíneos ao historiador, são na verdade rodeados de curvas tortuosas e dificuldades.
            Ser um historiador nos dias de hoje não é de fato algo fácil. O motivo talvez seja a recente regulamentação da profissão, onde os estudos relativos ao passado estão aos poucos adentrando a nossa cultura. Para que o historiador consiga desvendar e resgatar certos acontecimentos pretéritos ele depende, sobretudo, das fontes (documentos, jornais, fotografias, entrevistas e outros), porém, estas nem sempre “caem do céu” direto em suas mãos. Antes existem duas principais dificuldades: uma que está ligada à desvalorização de documentos antigos, que acabam sendo esquecidos ou jogados no lixo, e outra vinculada à excessiva valorização dos arquivos familiares ou de instituições, em que o medo de perdê-los ou de serem mal interpretados resulta na guarda burocrática de tais documentos, que de tão escondidos também tornam-se omissos.
            Assim sendo, essas atitudes nos levam a refletir... por que a história pode incomodar tanto? Muitas podem ser as respostas para esta indagação, mas talvez a principal esteja ligada ao fato de que a história possui, simultaneamente, o poder de legitimar e diluir poderes e tradições. A história conforme é orientada pode criar símbolos, dissolver crenças ou mitificar um herói. O fato é que, hoje, os textos que a história produz estão seguindo uma tendência diferente e é isso que as pessoas precisam entender e se acostumar.
            A preocupação que envolve o historiador atual, seja qual linha teórica ele segue, e principalmente aqueles que estudam a história local, é a de resgatar o passado se comprometendo o máximo possível com a análise crítica daquilo que as fontes dizem. O respeito pela verdade é sim uma fixação do historiador, entretanto, o profissional sábio é aquele que enxerga que não há como construir uma história fechada, com um passado retamente escrito. A história é uma construção cultural, os fatos que nela são dissertados seguem uma determinada linha de pesquisa e orientação, e sempre é baseada na visão do historiador do presente. A história deve ser respeitada como uma ciência que busca o descongelar o passado, dinamizando-o, e não imitá-lo.
             Desta feita, não há o que temer. Na atualidade, escrever história é demonstrar mais como os homens pensavam no passado do que como agiam. Hoje, procura-se entender as práticas, os simbolismos das sociedades, as experiências individuais e coletivas; não existe mais a necessidade de escrever uma história de grandes nomes e feitos. A história não é mais a mestra da vida. Não há mais espaço para uma história que divulga uma visão unilateral, agora, o passado quando revisto pelas lentes nem sempre tão claras do historiador investiga o que há por dentro dos homens e que como eles expuseram para fora.
(Esse artigo foi um desabafo de uma historiadora, do presente).