terça-feira, 29 de setembro de 2020

MULHERES NA CAMPANHA ELEITORAL

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 29 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS

          

Maria Ignez de Ávila Jacintho no primeiro ano de seu mandato como
 vereadora à Câmara de Barretos.

(Fonte: Jornal O Diário, 7/6/1973, p. 1 - Arquivo do Museu "Ruy Menezes").

  A campanha eleitoral se iniciou nesta semana e uma enxurrada de discursos irá movimentar a imprensa, as redes sociais e as conversas dos eleitores. Propostas e posicionamentos dos candidatos serão visíveis até aonde o eleitor nem imagina. Isso porque a política rastreia as pessoas, busca dialogar e se apresentar enquanto plataforma. Os candidatos apresentam discursos de acordo com ideologias de seus partidos, mas também chamam a atenção para questões pessoais, da própria cidade.

            Neste contexto, chama a atenção a quantidade notável de mulheres pleiteando vagas no Executivo e Legislativo. Esse é um quadro de grande avanço na política, que precisa ser ainda ampliado nas eleições futuras. Será uma efetivação da democracia. O interessante é o discurso empolgante de determinadas candidatas, especialmente as aspirantes à edilidade. Discursos que enquadram a participação feminina nos diversos segmentos da sociedade. As candidatas se comprometem em usar a política a favor da igualdade e de ações efetivas em seus campos específicos de atuação. Certamente, a eleição de mulheres como vereadoras proporcionará olhares edificantes a políticas públicas essenciais quanto a trabalho, legislação, proteção, renda, independência, direitos, saúde, maternidade, amamentação, cuidados, instrução, etc.

            Pela movimentação já sentida nas redes sociais, as mulheres estão à frente com olhares certeiros e discursos decisivos. As cadeiras da Câmara provavelmente serão ocupadas por boa parte delas, afinal o Brasil cada vez mais se movimenta neste sentido. Em Barretos, a primeira vereadora eleita foi Maria Ignêz de Ávila Jacintho; atuante em duas legislaturas: 1973-1976 e 1977-1983. Apesar do voto feminino ter sido aprovado em 1932, precisou mais de 40 anos para a cidade ter uma representante mulher na política. E muito bem posicionada, inclusive. Depois dela, a Câmara contou com somente 7 mulheres vereadoras até o momento. É visível que a hora dessa representatividade de fato acontecer, chegou. É agora.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

BARRETOS, AS MULHERES E A HISTÓRIA

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 22 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS     

Operárias do Frigorífico Anglo, em Barretos, sem data.
Fonte: Arquivo do Museu "Ruy Menezes"


            O título enuncia três substantivos diferentes, separados por vírgula. Mas, a ideia é juntá-los na realidade, de modo que nenhuma vírgula os separe. Há tempos, as obras sobre a história da cidade citam pouco (na verdade, quase nada) sobre mulheres. Numa mentalidade conservadora, talvez nem se repare esta omissão; porém, no presente, é demasiado estranho escrever e ler sobre o passado da cidade e nada encontrar sobre as mulheres. Este cenário, portanto, precisa ser impulsionado.

            Por isso, esta é uma missão que tenho assumido. Apresentar, em sérias pesquisas, os perfis de mulheres que viveram em Barretos e, cada qual à sua maneira, fizeram parte do desenvolvimento local. O passado não era um tempo “bonito” às mulheres - verdade seja dita – mas, dentro de suas possibilidades (muitas vezes rompendo barreiras), há interessantes surpresas a serem desvendadas sobre elas.

            Desta feita, meu texto no livro “Barretos em 3ª pessoa”, lançado mês passado pela Prefeitura de Barretos e a ABC, abordou tal questão, apresentando diversas trajetórias de mulheres que, desde o século XIX até os idos dos anos 1970, contribuíram à cidade e mereciam estar na História. Da mesma maneira, na recém lançada Coletânea “Elas nas Letras”, organizada pela confreira Sada Ali em parceria com a Pastoral da Mulher Marginalizada, publiquei um artigo sobre a vida e obra da pianista barretense Haydée Oliveira Menezes. Em outra coletânea, contei sobre a trajetória da Profª Noemi Nogueira, e, até o final do ano, outra personagem ainda será apresentada.

            Acredite leitor, você se surpreenderá com a história da pianista Haydée Menezes, o quanto ela foi brilhante nos anos 30, viajando não somente no teclado de marfim, mas por todo o país, e levando o nome de Barretos. É quase inacreditável que uma jovem como ela, naquele tempo, possuísse tantos contatos e rica bagagem cultural. Mais inacreditável é o fato de poucos barretenses saberem disso. Haydée, Noemi, Nilda, Paulina, Glorinha, Fiúca, Adelaide e tantas outras precisam ser conhecidas por nós.

Coletânea "Elas nas Letras", organizada pela escritora Sada Ali, em benefício da Pastoral
da Mulher Marginalizada de Barretos, e apoio da Prefeitura de Barretos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A NEVE NEGRA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 16 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS              

Foto ilustrativa do site da Prefeitura de Barretos (s/id).

É fim de inverno, os ipês floridos no último dia de agosto prenunciaram a entrada da primavera, tornando as ruas da cidade verdadeiros tapetes coloridos. Paisagem inversa ao que nesta semana se propaga, uma vez que não há verde pelas árvores, nem umidade e nem clima ameno. O que nossos olhos veem é um céu cinzento, os galhos secos e um ar que cheira à fuligem. A neve de inverno, que nunca existiu no Brasil, é metaforicamente associada ao elemento mais presente nas casas brasileiras: as queimadas – a neve negra. Fuligens devolvidas pela natureza em ventos quentes.

            Parece roteiro de filme de terror, mas Barretos atingiu o maior índice de falta de umidade da região, associado a clima desértico, somando-se ao racionamento de água (devido ao baixo nível dos reservatórios e à falta de chuva) e às intempestivas nuvens de queimadas que assolam diariamente as áreas urbanas e rurais. E o pior: esse cenário não é só local e sim do estado inteiro, assim como outras regiões do país.

            Nesta semana, este assunto veio à tona porque o grave problema da “neve negra” repercutiu diretamente na vida, no trabalho e na saúde das pessoas. Refletimos sobre: a culpa do homem nos incêndios, o desbravamento das áreas florestais e ciliares, a matança de animais silvestres, o perigo das rodovias com as nuvens de fumaça, a falta de fiscalização e penalizações, a insegurança quanto à presença do governo do estado com medidas eficazes, além do típico negacionismo da esfera federal.

            Impressionante como a “neve negra” incomodou este ano. Nós que parecíamos tão acostumados com ela, precisamos agora enfrentá-la em meio a uma pandemia! Diziam os memorialistas que, em 1870, o “fogo bravo” devastou a paisagem florestal da região, e que disso resultaram as pastagens e o posterior desenvolvimento da cidade. Um nítido mito de origem, pois é impossível qualquer lugar, independente da época, conseguir desenvolver-se às custas da morte da natureza, dos rios e dos animais. Nós, do presente, somos a prova viva que o “fogo bravo” é um regresso ao futuro.                                                                      

domingo, 13 de setembro de 2020

COELHO NETTO HÁ 100 ANOS

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 9 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS      


Era 12 de setembro de 1920, quando chegava a Barretos, pelos trilhos da velha estaçãozinha da Paulista, o escritor maranhense Coelho Netto. Já famoso na carreira literária como escritor, Coelho Netto veio a Barretos há exatos 100 anos pela primeira vez, ocasião em que estabeleceu laços de amizade. A feliz receptividade ressoou em carta ao amigo Emílio José Pinto, jornalista na cidade: “Não acho palavras que exprimam, com a intensidade com que vibra em minha’alma, a gratidão que devo a toda essa gente boa e forte de Barretos” (19/9/1920).

Entre os dias 12 e 13 de setembro, Coelho Netto, acompanhado do escritor e historiador Arthur de Cerqueira Mendes, ficou hospedado na casa do prefeito, dr. Antônio Olympio, proferiu a conferência “A Floresta” na União dos Empregados no Comércio, visitou o frigorífico, conheceu a Cachoeira do Marimbondo e recebeu solenes homenagens no Grêmio Literário e Recreativo; onde tornou-se sócio honorário. Essa relação com o Grêmio se solidificou, uma vez que ele enviava seus livros para a Biblioteca do Grêmio (onde era exibido um retrato dele), além de ter retornado outras duas vezes ao clube em 1921. Mas, a notabilidade maior ocorreu em 1922, ano da comemoração do Centenário da Independência, em que, Coelho Netto escreveu a conferência “Hosanna” exclusivamente ao Grêmio, e esta foi lida pelo seu amigo Emílio Pinto durante as festividades do Centenário – mesma ocasião em que foi inaugurado o Busto da República na Praça Francisco Barreto.

Mais detalhes sobre a relação de Coelho Netto com a elite letrada de Barretos, podem ser lidos no livro “De onde cantam as cigarras”. Porém, a exatidão dos 100 anos da vinda do escritor à cidade não poderia passar despercebida, por isso, a autora deste artigo, junto ao professor de Literatura André Lourenço Ribeiro, farão uma live, em seus perfis do Instagram, sobre este tema, dia 12, às 18h. Coelho Netto, possivelmente, não imaginaria que passados 100 anos, ainda cá estaria.

Referência:

MEDEIROS, Karla de O. Armani. De onde cantam as cigarras: o Grêmio Literário e Recreativo como sala de visitas de Barretos - 1910/1945. Barretos: edição da autora, 2020.

Barretos em 3ª pessoa

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 1 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS            


O título do livro é uma “brincadeira” com a Língua Portuguesa e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de reflexão sobre os diversos olhares para a nossa cidade. No livro “Barretos em 3ª pessoa”, lançado em 28 de agosto virtualmente pela ABC e Prefeitura, Barretos deixa de ser exclusivamente substantivo próprio, passando a ser a referência, o assunto dos 34 autores; a 3ª pessoa, “ela”. De substantivo a pronome pessoal. Mais do que a cidade em si, o foco do livro é o olhar que se tem sobre ela.

Essa nova roupagem gramatical mostra que a cidade pode ser plural em tudo, inclusive na sua própria História. Escrever sobre o passado de Barretos é um ato permitido a todo tipo de público, basta que a proposta seja antecipadamente explicada ao leitor. O livro “Barretos em 3ª pessoa” foi pensado desta maneira, pois seus autores tinham o passado de Barretos como assunto em comum, porém, a temática e o estilo de narrativa são diversificados.

Ali, o passado de Barretos foi traduzido de duas principais formas: pela memória (lembranças) ou pela História (pesquisa). E a diversidade do livro não para por aí, não se contenta ao significado de seu título ou dos estilos dos autores, ela também é vislumbrada nas épocas e temas escolhidos. Barretos é uma cidade centenária, e, nesta obra, o século XIX está tão presente quanto os anos 80 do século XX, assim como as fotografias são de origem preto e branco ou coloridas. Nas páginas do livro são apresentados personagens icônicos, a contribuição dos imigrantes e dos grupos sociais étnicos e trabalhadores, lugares de sociabilidade, instituições, episódios e interessantes visões sobre o passado da pecuária, dos corredores boiadeiros e dos peões.

A pluralidade de assunto foi tão importante, a ponto de, sem querer, alguns textos se conectarem; um leitor atento consegue identificar esse presente do destino. Esses diálogos inesperados aparecerem justamente porque, apesar da diversidade temática e estilística, todos tinham como único objetivo: ela – a cidade de Barretos.

BARRETOS: UM MOISACO DE GENTE

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE AGOSTO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

            Zé de Ávila, trovador e poeta, disse em seu “Ode a Barretos”, de 1989: “Não só peões e boiadeiros, / de outros naipes gente havia / por recantos costumeiros / transitando noite e dia”. Uma trova que, pequenina, retrata a amplitude que foi Barretos no passado. Referia-se ele à cidade no início de sua formação urbana, um lugarejo que surgiu de um arraial sertanejo e décadas depois já chamava a atenção nacional frente seu potencial econômico da pecuária. Fator este que justifica a pluralidade da sua gente.

            Barretos é resultado de uma integração de povos, cuja migração aconteceu em fases diferentes. Em 1830, o povoado inicial formou-se pela migração de entrantes mineiros, haja vista a procedência dos Barretos e dos Librina. Mineiros que, transpondo o Rio Grande, abriram picadas de matas virgens dessa ponta nordeste de São Paulo, e fixaram moradia no vale dos ribeirões que hoje cortam os asfaltos do centro. A relação com Minas Gerais ainda se reafirmava no final do século XIX, quando a pecuária já era uma atividade expressiva na recente comarca e as transações com o Triângulo Mineiro estavam veementes. O velho jornal “O Sertanejo” noticiava as idas e vindas de personagens de cá para lá (Frutal, Uberaba, Santa Rita de Sapucaí).

            A mesma pecuária foi fator para atração de outros grupos, vindos de diferentes estados e cidades paulistas, rumo à “Chicago brasileira”. Muitos destes personagens, no início do século XX, eram graduados em universidades e possuíam profissões liberais. Aos poucos, Barretos dotava-se de tipografias de jornais, escritórios de advogados, escolas particulares, consultórios médicos e dentários, ateliês fotográficos e casas comerciais. Não tardou para que esse grupo, alinhado com o republicanismo, tomasse as rédeas da política local, ocupando as cadeiras da Câmara, da Prefeitura e participando das instituições que surgiam. Ao olhar as assinaturas dos artigos de jornais, das atas das entidades e as fotografias amareladas deste tempo, encontram-se sempre os mesmos nomes e rostos. Hoje, estampados como nome de escolas e ruas.

Por outro lado, o frigorífico, de 1913, trouxe para a cidade os imigrantes, servindo-se, principalmente, como classe operária de suas máquinas industriais. Italianos, portugueses, espanhóis, lituanos e romenos, diversificavam ainda mais a mistura social que era Barretos, habitando especialmente o bairro “Outro Mundo”. Os imigrantes também estavam presentes nas atividades liberais, como professores, engenheiros e arquitetos. Aliás, a arquitetura de estilos estrangeiros vigente nos casarões e palacetes centrais era o que modernizava o ar daquela cidade de origem caipira, que tentava marcar sua posição avançada no mapa do estado e do país.

Junto a esta miscelânea de gente, trilhava as ruas de terra seca os peões de boiadeiro, os quais, vindos das comitivas, em seus cavalos e mulas, de chapéus, botas e largas vestimentas, circulavam na cidade, reafirmando o sertanismo local. A figura do peão era constante em qualquer década daquele passado, era o que marcava a identidade da cidade. Tanto que se tornou inspiração para músicas e personagem icônico da primeira festa popular organizada pela Prefeitura para caracterizar a cidade.

            Naquela transição de séculos, Barretos era um local isolado, distante da capital, almejando uma estação de trem, mas já atraente para novos moradores – nossos antepassados. O fato é que, nestes 166 anos, outros tantos momentos serviram como fases de impulso para “novos barretenses”. Barretos sempre será um mosaico de gente, é terra de gente diversa, como já disse o mesmo poeta: “És o lugar bom e lindo / com que eu vivia sonhando / e ao que um dia acabei vindo / e por ter vindo ficando”.

O IMPORTUNO


 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 19 DE AGOSTO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Neste 19 de agosto comemora-se o Dia do Historiador no Brasil, desde 2009. Mesmo ano em que foi iniciada a tramitação do projeto de lei que regulamenta a profissão de “historiador” no Brasil. Lei que perpassou 11 anos até ser aprovada no Senado, com algumas alterações na redação, mas foi vetada pela atual presidência da República. Utilizando da democracia e das instituições republicanas, a sociedade e as associações de História, representadas pela ANPUH, se mobilizaram e conseguiram a derrubada do veto pelo Congresso Nacional. Câmara e Senado fizeram valer a democracia aprovando o projeto, que a partir de então segue à sanção presidencial; a qual, agora, espera-se maior seriedade à voz da classe de trabalhadores da História.

            A lei basicamente regulamenta a profissão de historiador àqueles formados em História, assim como aos titulares de Mestrado e Doutorado na área, e para os profissionais de setores correspondentes que trabalhem como historiadores há 5 anos. Essa última condição amplia o perfil do profissional, o que não direciona corporativismos, nem “reserva de mercado”, não restringindo o ofício aos que já trabalham na área, mesmo não formados. A intenção da regulamentação é criar um perfil ao historiador de modo que ele tenha suas funções de trabalho conhecidas e ampliadas (em pesquisas ou no campo da cultura), atraindo novos profissionais na escolha desta profissão, assim como permitir as aprovações em concursos.

            A utilidade do historiador é incontestável, pela condução de pesquisas sobre a história do país e suas relações com o mundo, e pelas reflexões que promove sobre política, memória, identidade e cultura. Como disse, Carlos Drummond de Andrade em seu poema “O historiador”: “É importuno, sabe-se importuno e insiste, rancoroso, fiel”. Trata-se de um importuno que reage contra o esquecimento, e talvez seja esse o motivo que, por vezes, é temido.  Que este 19 de agosto marque a luta deste “importuno” tão oportuno aos dias de hoje. Um paradoxo fácil de entender.

HISTÓRIA LOCAL NÃO É SAUDOSISMO

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 11 DE AGOSTO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Escrever e falar sobre o passado da cidade pode sim mexer com sentimentos, principalmente quando o leitor possui memórias sobre paisagens, pessoas ou acontecimentos. Mas, é necessário deixar claro que quando um historiador estuda a “história da cidade”, a intenção não é diretamente despertar emoções, menos ainda tornar aquele passado algo glorificado. Romantizar o passado não é o caminho.

            Ao estudar os tempos idos de uma cidade, o historiador evidencia temas, personagens e grupos sociais que promovam alguma crítica e reflexão. O resultado alcançado pode ser um diálogo com a história do Brasil ou mundial, a propaganda de um patrimônio material ou imaterial, o despertar para a cidadania, a descoberta da origem de um problema ainda existente, as particularidades culturais, as influências externas que trouxeram novos ares, os fatos inusitados e as mudanças das épocas.

            A questão é que muitas pessoas ainda se apegam à história da cidade contada pelo memorialismo – por memórias narradas sem o rigor científico. Isso acaba por apresentar, na maioria das vezes, uma história adjetivada, com personagens heroicos e um passado reconfortante. O resultado disso? Saudosismo. Como se à história fosse dada a missão de reviver o passado, e não o questionar. Como se tudo do passado (o civismo, as ruas, os uniformes, os comícios, o bucolismo, o trem) fosse melhor.

            Se a história da cidade fosse produzida para despertar esse “saudosismo”, ela estaria a serviço somente dos mais idosos – personagens que já viveram épocas passadas. Então, jovens não poderiam conhecê-la já que não viveram tais épocas? Não é assim, a História não pode ser apropriada pelo passado. A história da cidade deve ser uma ponte que nos leva ao passado, mas que é edificada pelas indagações do presente. Quem constrói o que é histórico são os agentes do presente. O passado não é para ser revivido, não é necessariamente mais leve e nem mais instruído; na História ele é objeto de estudo. O flerte ao passado é literário. O estudo do passado é História.

FOTOGRAFIAS E SEUS USOS - PARTE II

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 4 DE AGOSTO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

As fotografias de acervo familiar são de suma importância para a revitalização e construção do trabalho histórico. Várias famílias guardam em gavetas, umas com mais afeto e outras menos, fotografias amareladas de seus antepassados; muitas vezes sem nem imaginar o valor que aquelas imagens possuem à história da cidade, da região e do país. Nos tempos atuais, com os processos rápidos de digitalização, inclusive por celulares, facilmente pode se salvar uma relíquia histórica digitalizando-a, promovendo acesso e a possibilidade de estudo de certos períodos do passado da cidade. Para isso, basta um pouco de consciência de cidadania, ao permitir que arquivos públicos e históricos dos municípios tenham acesso a estes ricos materiais. Na História, fotografias de família não se resumem a personificar mitos e heróis, ao contrário, permitem construir o coletivo de uma comunidade a partir de experiências individuais.

            Assim aconteceu, por exemplo, com algumas fotografias que consegui captar para a produção da minha obra “De onde cantam as cigarras”. Através de contato de familiares, consegui encontrar fotografias da única mulher fundadora do Grêmio Literário e Recreativo, Maria Isoleta Carneiro Vieira. Na verdade, o Grêmio possuía sua imagem, mas somente sua bisneta pôde fazer o reconhecimento da personagem (de São Paulo, em conversa por celular). Com a mesma pessoa, consegui imagem de duas icônicas personalidades femininas da cidade, a poetisa Carmelitana d’Arantes (colaboradora de “O Sertanejo” e tia de Isoleta) e de Maria Olympia Vieira Marcondes, filha do dr. Antônio Olympio – personagem a qual recebeu como homenagem o nome da vizinha cidade de Olímpia. Além destas, estampa o último capítulo fotografias encantadoras das pianistas barretenses Haydée Oliveira Menezes e Adelaide Galatti nos anos 1930 e 1940, também originadas de suas tão queridas sobrinhas.    

Desta forma, fica o exemplo de como as fotografias da sua gaveta podem descongelar rostos e vozes, além de promover algo maior: a História. [fim].

FOTOGRAFIAS E SEUS USOS – PARTE I

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 28 DE JULHO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Fotografias são apaixonantes, é claro. Eternizam momentos, cenários e rostos, como se fossem capazes de viajar por uma máquina do tempo trazendo à tona pessoas e paisagens. Pelo olhar do fotógrafo, repleto de intencionalidades, uma fotografia antiga é parceira fiel numa pesquisa de História. Isso porque ela não só evidencia informações visíveis sobre como era um local ou as características das pessoas, mas também torna-se fonte para se entender a mentalidade de certa época a partir do objetivo de seu autor, do local onde foi publicada, por quem foi comprada, onde foi exposta e assim por diante.

            Na História, uma fotografia não é somente uma fotografia. É uma fonte. E fecunda. Naturaliza e desnaturaliza ideias.

            Isso é bem visível em meu livro recém lançado, “De onde cantam as cigarras”, pois, durante as pesquisas, encontrei fotografias de personalidades e paisagens de Barretos no início do século XX em jornais e revistas de expressiva circulação nas capitais do Brasil e do estado de São Paulo. Como exemplo, a fotografia da quermesse realizada em 1911 em benefício da criação da biblioteca do Grêmio Literário e Recreativo, que acontecia no Jardim Público da cidade, publicada na revista carioca “O Malho” do Rio de Janeiro. Na imagem, além de aparecer personagens conhecidos da imprensa local (inclusive, Almeida Pinto) e professoras, a legenda enaltecia os feitos culturais da tão distante Barretos. Algo semelhante do ocorrido em 1920 com a publicação de fotografias na revista paulista “A Cigarra”, as quais estamparam a visita do escritor Coelho Netto ao Grêmio e às residências de seus amigos em Barretos; cujo teor destacava a cidade como destino de interlocuções literárias. As imagens e suas redações, enviadas pelos próprios barretenses aos seus mediadores da grande imprensa, serviam como suporte de evidência de modernidade à “cidade do boi”, que precisava mostrar beleza e erudição, em contrapartida de sua fama de violenta, isolada e boca do sertão. [continua].

E as cigarras ainda cantam...

  ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 21 DE JULHO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Eis o nome do Posfácio do meu livro, que será lançado virtualmente daqui dois dias - dia 23/7. Posfácio escrito competentemente pelo professor de Literatura André Luís Lourenço Ribeiro, que colaborou com seu vasto conhecimento humanístico. Isso porque o livro retrata partes da literatura nacional, tanto pela produção intelectual dos gremistas (a elite letrada), quanto pelas performances literárias dos visitantes do Grêmio. O Posfácio aprofunda a reflexão e destaca certos personagens. Revive-os.

            Já o Prefácio, entendendo-se como um convite para o leitor virar as próximas páginas bem orientado, é assinado pelo jornalista e acadêmico Luiz Antônio Monteiro de Barros. Jornalista que conhece a história da cidade e sabe escrever de forma simplista temas profundos como os da História, Literatura e Sociologia, abordados na obra. Com suas frases curtas e claras, Luiz Antônio indica os cenários e os caminhos do livro. É alguém que certamente se entendeu bem com as cigarras. Mergulhou na metáfora.

            A contracapa do livro apresenta o texto da historiadora barretense Priscila Ventura Trucullo, professora estudiosa da história de Barretos. Sua assinatura sela a historicidade da obra, descrevendo os métodos e as fontes utilizadas num texto conciso e bem escrito. Um primor cada uma de suas palavras. Assim como o texto de apresentação do dr. Marco Antonio Corrêa, diretor cultural do Grêmio, que, de uma maneira tranquila e convidativa, conta a trajetória do projeto e a integração do livro às comemorações dos 110 anos do clube. Palavras de verdade. Ainda mais, o livro conta com o trabalho excepcional do design gráfico Daniel Ramos Pacheco, que diagramou o estilo, as fontes, as imagens e a forma do livro, pensando na minha personalidade como escritora e, sobretudo, no conforto do leitor. Ele deu vida às cigarras.

            A todos estes colaboradores do livro eu serei eternamente grata, cada qual com seu perfil, fizeram das minhas linhas uma realidade visível, reflexiva e bonita – como o canto daquelas cigarras.

De onde cantam as cigarras

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 14 DE JULHO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

           


Eis o título do meu livro. Confesso, eu queria um título instigante; e acredito que consegui. Afinal, muitas pessoas me perguntam a relação do título com o assunto principal do livro: o Grêmio Literário e Recreativo de Barretos. E é justamente por se tratar do Grêmio, que eu precisava escolher algo relacionado à literatura e à cultura; uma metáfora. Enfim, só lendo o livro para compreender. (Sim, é um convite).

            Procurada pelo Diretor Cultural do Grêmio, o dr. Marco Antonio Corrêa, com a intenção de se comemorar os 110 anos do clube, ousei em propor a escrita deste livro, que tinha menos de um ano para ser produzido e publicado. Foram 5 meses de intensa pesquisa, desvendando assinaturas ilegíveis, lendo milhares de atas à caneta de pena e descobrindo fotografias inéditas. Sobrou pouco tempo para escrever, mas me debrucei sobre o projeto; mergulhei. Era para ser lançado em abril, porém, veio a pandemia. E com ela, o desafio do Grêmio em ter que sobreviver mais uma vez a um vírus avassalador como aquele da Gripe Espanhola, em 1918. (Eu, meses atrás, pesquisando sobre a Gripe Espanhola no Grêmio, jamais imaginaria que viveria algo tão parecido).

            No entanto, quando tudo parecia ser frio e distante, veio a diretoria do clube abraçando mais uma vez o projeto, e juntos decidimos promover um lançamento virtual, iniciar as primeiras vendas e, quando possível, fazer o evento físico (quando muitos já terão lido a obra!). O Presidente, dr. José Eberle Martins Filho, acolheu o livro com entusiasmo e disponibilizou as redes sociais do clube para a divulgação, além de um ponto de venda física na sede do clube. É imensa a minha gratidão.

            Deste modo, o lançamento online será dia 23 de julho, às 19h, no perfil do Grêmio, no Instagram; a partir de então as vendas se iniciam. Neste dia, apresentarei informações sobre esta obra que, interessada no potencial histórico do Grêmio, apresenta a cultura e o pensamento intelectual de Barretos através do clube entre 1910 a 1945. Desejo que a leitura do livro seja tão inquietante quanto são as cigarras!