terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O RETORNO DO BUSTO E DA COLUNA À PRAÇA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 22 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS    


Coluna e Busto de volta à Praça Francisco Barreto,
com destaque à alegoria feminina da República,
 ao rosto de Tiradentes e ao escravo se libertando
das algemas (Abolição).
Foto: Karla Armani Medeiros

            Quem passa pela Praça Francisco Barreto agora se deparará com dois velhos conhecidos, a Coluna Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil e o Busto da República. A coluna com a herma permaneceu como monumento central à praça, no mesmo local, por 76 anos, de 1922 a 1998; quando foi retirada dali numa “reforma”. O busto ficou mais de 20 anos guardado no museu e agora volta a encenar a praça. Muitas pessoas têm memória afetiva daquela “mulher sem braço”, inclusive, alguns achavam ser a Princesa Isabel. Um equívoco. Seu significado é atemporal.

Livro "De onde cantam as cigarras", de Karla Armani,
com capítulo dedicado ao estudo das comemorações
do Centenário da Independência do Brasil em Barretos.

            A coluna e o busto foram instalados na praça em 7 de setembro de 1922, durante as festividades de comemoração dos 100 anos da Independência do Brasil (1822/1922), as quais foram celebradas por três dias na cidade (6, 7 e 8 de setembro) por órgãos públicos, através do Prefeito Dr. Antônio Olympio, escolas, escoteiros, instituições e o Grêmio. Inclusive, a participação do Grêmio foi essencial, através da leitura da Conferência “Hosanna”, escrita especialmente a Barretos por Coelho Netto, em que falava sobre a Independência do Brasil destacando valores e símbolos também retratados na coluna: a República, a Abolição e Tiradentes. O mesmo monumento foi instalado no salão principal do Paço Municipal, hoje Museu.

            Então, se o monumento era para comemorar os 100 anos da Independência por que os seus símbolos exaltavam a República? Porque os monumentos, mesmo quando se referem ao passado (Independência), tem a intenção de eternizar os valores do presente (a República). Por isso, ao se referir à Independência do Brasil, ao invés de exaltar os feitos monárquicos (figuras de Dom Pedro I e Leopoldina), os intelectuais da época preferiam contar sobre a Independência com olhares republicanos e cívicos, destacando o mártir Tiradentes (que durante a Inconfidência Mineira, 1789, já defendia o Brasil independente); além dos pleitos da Abolição e da República, o que explica a figura do escravo se libertando das algemas e a figura da República na coluna. Portanto, não há disparidade em comemorar a Independência com símbolos visivelmente republicanos, o que existe ali é a intencionalidade de recontar a história do Brasil com olhares novos, com narrativas que valorizassem as ideias daquele presente, 1922.

Destaque à coluna comemorativa e ao busto
no livro "De onde cantam as cigarras",
de Karla Armani.
          Aliás, 1922 foi um ano importante à história do Brasil, pois, justamente por ser o ano do centenário da Independência, a história do país foi revisada, principalmente por grandes instituições como o Museu do Ipiranga. Em setembro de 1922, o país todo comemorou o centenário da Independência com festividades parecidas com essa de Barretos, e colunas e hermas foram instaladas em vários municípios brasileiros. No Rio de Janeiro aconteceu a “Exposição Internacional do Centenário da Independência” com a participação de artistas nacionais e estrangeiros. Inclusive, Luiz Bernardi, dono de relojoaria em Barretos, participou com seus trabalhos artísticos. Barretos, portanto, ao instalar aquele monumento na praça não estava praticando um ato isolado, do prefeito ou do Grêmio, ao contrário, estava se conectando e se reafirmando aos ideais da política e do imaginário republicano. Uma cidade moderna, que aplaudia a República.

            Sobre ela, a República, não era um artigo feminino somente na língua latina, era também representada pela figura de uma mulher. Essa alegoria não é brasileira em si, o Brasil importou da França, assim como outros países. Durante a Revolução Francesa, 1789-1799, a monarquia foi deposta para a instalação da República e para simbolizar este novo regime a imagem usada foi de uma “mulher”. Uma das explicações para tal era que a Monarquia era geralmente representada por reis, homens mais velhos. Para se contrapor, então, a República seria representada pela figura de uma mulher, jovem e sadia, adicionando ainda o barrete frígio vermelho à cabeça; historicamente um símbolo de liberdade. A alegoria da República recebeu o nome de “Marianne”, francês, uma alusão aos nomes populares “Maria” (mãe de Cristo) e “Ana”.

            Assim sendo, a República brasileira, importada à francesa Marianne, tornou-se barretense mais do que nunca em 1922, e, agora, retorna ao seu posto não para valorizar aquela República - que, apesar de simbolizada por uma mulher, excluía as mulheres da cidadania e as reprimia - e sim para nos fazer pensar qual Marianne queremos à nossa política atual. A releitura de Marianne cabe a cada um de nós. A República que queremos, somos nós quem fazemos. Viva Marianne! Agora, ela vive.


Fonte:

MEDEIROS, Karla O. Armani. De onde cantam as cigarras: o Grêmio Literário e Recreativo como sala de visitas de Barretos - 1910/1945. Barretos: Edição da Autora, 2020.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

E SE? (Parte 3)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 15 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS   

            Se eu pudesse voltar no tempo, tagarela como sou, ficaria à sombra das antigas boticas e farmácias escutando as rodas de conversa sobre política. Voltaria, inclusive, a 1910, à farmácia de Ismael e Silvestre para presenciar a tal conversa sobre o nascimento do Grêmio. Da mesma forma, gostaria de ver a cara de “novidade” das pessoas quando ficaram sabendo da primeira cesariana feita na Santa Casa, em 1934, pelo médico baiano, dr. Francolino Galvão de Souza. E, numa boa prosa, perguntaria para ele sobre o que ele pensava a respeito do Cangaço na Bahia, especialmente sobre Lampião.

            Gostaria de ver a inauguração do Recinto de Exposições “Paulo de Lima Correia”, em 1945, e a inauguração do Cine Barretos no ano seguinte. Assistiria às peças de teatro da Sociedade Instrução e Recreio, em 1900, onde os coronéis Raphael Brandão e Antônio Olympio eram os próprios atores. Fico imaginando como era assistir um teatro, à noite, sem energia elétrica, somente com a iluminação a gás acetileno.

            Certamente aplaudiria a conferência da espanhola Bélen de Sárraga, no Grêmio, em 1911; assim como o concerto de Villa Lobos, em 1931, e a conferência de Menotti Del Picchia, em 1943. Aproveitaria para conversar muito com o Cel. Silvestre de Lima, indagando-o sobre o que ele pensava do conceito de República, e o que ele sabia sobre os assassinatos do Barthmann, em 1909, e do Francisco Itagyba, em 1916.

            Retornaria a fevereiro de 1979, só para dar um abraço bem apertado na Profª Lydia Scannavino Sccortecci pelo brilhante ato em ter inaugurado o museu municipal. Igualmente, aplaudiria as professoras Lúcia Lex, Glorinha, Joanna Monte Bastos e Noemi Nogueira pelo trabalho árduo que tiveram levando Educação a uma cidade tão pequena e isolada. Conversaria sobre política com Antônio Narciso Júnior, Lutgardes Bastos, Matinas Suzuki, Nadir Kenan e outros tantos para conhecerem suas visões quanto à cidade. Eu também viveria momentos épicos nas greves operárias dos trabalhadores lituanos que viviam nos arredores do Frigorífico Anglo. [continua].

 

E SE? (Parte 2)

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 8 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS    

            Se eu, historiadora, pudesse voltar no tempo, na cidade, voltaria às semanas anteriores à demolição do 1º Grupo Escolar, em 1972, e me juntaria a nomes como Olivier Heiland e Nidoval Reis para impedir a destruição do prédio. Assim como eu presenciaria a colocação da pedra fundamental no lindo edifício do Paço Municipal, em 1906, só para ter ideia dos bilhetes e jornais que foram depositados na urna. Eu pediria a todos da época que escrevessem com mais clareza, para que eu não sofresse tentando desvendar suas caligrafias no futuro. (Em relação aos vereadores da Câmara, isso nem seria um pedido, seria uma exigência. Só eu sei como sofro com aquelas letras).

            Viajaria para 31 de março de 1900, no lançamento do primeiro jornal da cidade, O Sertanejo, para ver de perto a organização da redação. Conversaria horas e horas com o Cel. Jesuíno de Mello sobre as entrevistas que ele fez com os moradores antigos, quando escreveu a coluna “Tradição de Barretos”. Queria saber exatamente a opinião dele sobre a origem do Chico Barreto e da Ana Rosa. Eu o agradeceria muito!

            Iria para julho de 1932 quando Barretos abriu a lista de voluntários para a guerra paulista. Seriam inúmeras as perguntas aos soldados e às pessoas que viram a cidade se transformar num quartel de guerra. Começaria tentando encontrar o temível pistoleiro Aníbal Vieira, que ficou em Barretos lutando por São Paulo, aquartelado no prédio do Grêmio. Perguntaria a Ruy Menezes como era ser um jovem de pouco mais de 20 anos em uma missão tão violenta como aquela; já aproveitaria para lhe fazer muitas perguntas que me surgem quando leio e releio seu livro “Espiral”. Assim como eu tentaria descobrir as façanhas do livro “Caretas do Zé Menêis” de seu primo, José Eduardo de Oliveira Menezes, jornalista, cuja figura me instiga tanto.

            Adoraria ver a origem do Teatro Éden, nos anos 10, assim como conhecer o seu lendário proprietário, J. J. Martinelli. Eu ficaria triste em contar a ele que, em 1923, o teatro sofreria um incêndio. Aliás, eu descobriria se foi ou não acidente. [continua].

E SE?

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 1 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS   

            “E se você tivesse uma chance de voltar ao passado da cidade, com quem você queria conversar e o que perguntaria?” Essa é uma das perguntas que as pessoas geralmente fazem a mim, uma historiadora curiosa e tagarela. E é uma pergunta difícil, pois a quantidade de entrevistados e de perguntas seria grande. Quase interminável. Afinal, as lacunas da história da cidade são infelizmente expressivas.

            Mas, usemos da imaginação (recurso indispensável ao historiador) para responder a essa questão. De primeira, eu sentaria frente a frente com o curioso Cel. Almeida Pinto e teria uma boa prosa com ele sobre o que pensava quando era mais novo, no século XIX. Sabendo que ele era um grande defensor da República, queria saber sobre suas ideias quanto à escravidão e sobre os caminhos que ele percorreu. Esse personagem me intriga, era praticamente onipresente, popular e querido pela maioria.

            Outro que eu teria uma longa conversa seria Osório Rocha, que além de perguntar sobre assuntos do seu “Barretos de Outrora”, eu discutiria muito sobre política, especialmente sobre as ideias que ele defendia nos anos 30. Conversaria com Francisco Xavier de Almeida Júnior, Marcello Tupynambá e Emílio José Pinto para que eles me descrevessem exatamente como era Barretos no início do século XX e me explicassem por que “raios” vieram morar na “cidade do boi”. Jorge Andrade eu teria até receio de conversar, de tão ilustre que o considero; mas, eu ficaria horas conhecendo de onde veio tanta inspiração para a sua escrita forte e necessária no Brasil.

            Quanto às mulheres, Rita Parnaíba e Inácia Homem seriam minhas primeiras candidatas sobre a origem do vilarejo. Depois, as professoras Noemi Nogueira, Lúcia Lex e as pianistas Haydée Menezes e Adelaide Gallati me contariam sobre como era ser mulher e conseguir produzir tanto quanto fizeram à cidade.

            É, caro leitor, eu precisaria de muito mais linhas para mostrar a vocês as curiosidades e as dúvidas que habitam a fértil mente desta historiadora aprendiz.