sexta-feira, 20 de maio de 2011

SOBRE AS RUAS



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 20 DE MAIO DE 2011

            Em tons poéticos ou em análises históricas, as ruas foram ao longo do tempo descritas em livros das mais variadas tipologias. Falar sobre o nascimento de uma rua pode gerar teses acadêmicas no âmbito da história, geografia, biologia, geometria e outras áreas. Por outro lado, a rua descrita nas mãos de um poeta ou literato pode se transformar num lugar mágico onde a fantasia toma conta do espaço físico.
            Na literatura brasileira, precisamente no início do século XX, João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto, descreve as ruas do Rio de Janeiro num momento de transformação da cidade carioca, decorrente das reformas do período republicano. Nesse período, as ruas passavam pelo processo de alargamento e crescente verticalização em conseqüência da intervenção urbanística do prefeito Pereira Passos, que tinha por finalidade elevar a capital federal à categoria de “pequena Paris”. João do Rio, na sua órbita de poeta sensível, usa sua caneta de pena para dar às ruas aquilo que elas pareciam estar perdendo com todas estas transformações: a alma. Para ele: “são assim as ruas de todas as cidades, com vida e destinos iguais aos dos homens. Por que nascem elas? Da necessidade de alargamento das grandes colméias sociais, de interesses comerciais dizem. Mas ninguém o sabe. (...) Nasceu para evoluir, para ensaiar os primeiros passos, para balbuciar, crescer, criar uma individualidade”. 
            Pois bem, enquanto João do Rio efervescia a imprensa carioca com suas crônicas, contemporaneamente, Barretos também passava por transformações nas características de suas ruas. Formadas por quarteirões, sistema adotado desde o Império Romano, as ruas e avenidas de Barretos passaram a ser denominadas por números desde o ano de 1915, no mandato do prefeito João Machado de Barros. Osório Rocha, em seu livro “Barretos de Outrora”, relata que o patrimônio foi dividido em 283 quarteirões, sendo incorporadas ao espaço urbano algumas vilas novas.
            Antes desta reforma, as ruas possuíam nomes ligados aos personagens da história do Brasil no momento da proclamação da República, a fatos históricos do Império e aos coronéis que em Barretos dominavam o poder político. Por exemplo, só sob a denominação “República” existiam duas ruas e duas avenidas. Um dos casos mais interessantes é a Rua 14, antes denominada Rua “Prudente de Morais” ou Rua “Comércio”. Esta rua, no final do século XIX, era conhecida por alguns como “Rua da Lindeza”, por conta de suas belas casas e instalações importantes como o cartório e o Colégio São João.
            Por fim, as ruas de Barretos na atualidade continuam com o sistema adotado por Barros em 1915, mas, novas ruas criadas foram adotadas com denominações de pessoas consideradas “ilustres” à cidade, onde a intenção é perpetuar a memória destes cidadãos. As ruas de Barretos têm muito a refletir sobre a história da cidade, desde o momento em que nascem até o momento em que mudam de nome. Não são simples espaços físicos nos quais o comércio cada vez mais as engole, são fontes de inspiração e de história. Têm alma, como já mostrou João do Rio.

A CULTURA AFRICANA NO “13 DE MAIO”



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 13 DE MAIO DE 2011

            Nesta sexta-feira 13 o enfoque não deve ser nada supersticioso, a história deve prevalecer como a temática do dia.
Treze de maio é o dia de comemoração à abolição da escravatura no Brasil, data em que no ano de 1888 a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea que justificou a desvinculação do negro à condição de escravo. Na escola, esta data é lembrada por muitos professores de história como um marco na história do Brasil e para a cultura afro brasileira e africana.    Datas como estas, na atualidade, são comemoradas com a intenção de valorizar a cultura africana em vez de rememorar a época da escravidão. Por esse e outros motivos, proponho um 13 de maio diferente, no qual possamos vivenciar experiências de africanos que mostraram ao mundo o valor de seu continente e de sua cultura.
            Africanos como a nigeriana Chimamanda Adichie, escritora de romances que comoveu um grande público numa palestra em que prestou depoimento sobre sua vida na África e a cultura na qual foi criada. Esta palestra foi gravada e circula em vídeos na internet com grande sucesso. Chimamanda intitulou a palestra de “o perigo de uma história única”, isto é, como uma única visão da realidade pode a deixar deturpada e carregada de preconceitos. A experiência da nigeriana causa forte impacto a quem ouve, pois é visto como nós podemos ser causadores de preconceitos e ao mesmo tempo sofredores com o mesmo preconceito.
            Chimamanda nasceu e cresceu na Nigéria numa família de classe média, contou que desde muito cedo aprendeu a ler e a escrever. Passou sua infância lendo livros infantis de autores ingleses, de personagens ingleses, ou seja, brancos, de cabelos lisos e loiros, que brincavam na neve e falavam muito sobre o clima. Algo bem diferente da realidade africana. O fato é que de tanto ler e adorar estes livros ela entendia que pessoas como ela, negros e de cabelos crespos, não poderiam fazer parte da literatura. No entanto, quando ela descobriu os autores africanos que escreviam livros sobre os próprios africanos, sua visão de que os livros só poderiam reproduzir a visão de uma história única começou a ser questionada.
            Ainda mais, Chimamanda conta sua experiência de aos 19 anos ter ido para os EUA cursar a faculdade. Neste momento, o choque cultural foi muito grande, já que sua amiga de quarto dizia ter esperado uma africana que falasse línguas tribais e ouvisse músicas também tribais. O espanto foi grande quando a nigeriana explicou que no seu país o inglês era a língua oficial e que suas canções preferidas eram a de Maraya Carey.
            Enfim, o perigo de se sempre contar e ouvir a história única cria esteriótipos a pessoas e a lugares que na verdade nos deixam cegos quanto à verdade. Julgar a realidade do outro de acordo com a sua realidade é algo dessincronizado e nos deixam sujeitos a cair no marasmo do pré-conceito. Que neste 13 de maio, portanto, possamos conhecer melhor a alma da cultura africana, que, assim como nós, em relação ao olhar da história única, precisa ser resgatada e colocada no seu verdadeiro lugar: nos livros.      

DOCUMENTO HISTÓRICO



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 6 DE MAIO DE 2011 

            Leitor amigo, o que é na sua concepção um documento histórico? Quais são os tipos de fontes que um historiador utiliza como trabalho? Trabalhar com uma fonte de estudo que remete a determinado período passado da humanidade sempre foi o ofício do historiador, mas o conceito sobre o que é documento histórico é relativo a cada época e a cada escola histórica. Documento seria somente aquilo que é produzido pela classe política dominante ou tudo aquilo que foi produzido por diversos grupos sociais?
Desde fins do século XVIII e início do XIX, a história se assumiu como acadêmica, isto é, disseminada em pesquisas e em faculdades, e, como tal, seguiu instruções de cada período e contexto histórico. A partir de então, surgiram as escolas históricas, que assumiram características diferenciadas sobre a concepção do que é história e sua fonte de estudo, são elas: a Escola Positivista, a Escola Metódica, a Escola dos Annales e suas diversas gerações e o Pós-Modernismo.
Para os positivistas do século XIX, o documento histórico era tudo aquilo que foi escrito pelos reis, os documentos oficiais, exemplos de escritos sobre mitologia indígena, por exemplo, eram descartados. Tempos depois, com o advento dos metódicos, o documento oficial, aquele produzido pelo Estado, era a fonte de estudo do historiador desde que seguisse uma seleção, classificação e método de estudo. A partir da terceira década do século XX, a Escola dos Annales surge em contraposição aos temas e as noções de documento histórico defendida pelos positivistas e metódicos.
Os historiadores dos Annales, associados à interdisciplinaridade da História, diversificaram completamente seus temas, bem como a tipologia de suas fontes. Para eles, o estudo da história deveria ser pautado em experiências dos vários grupos humanos, e, com isso, tudo aquilo que foi produzido por eles seria passível de análise histórica. É neste momento que surge como documento histórico, não só aquilo que era escrito pelo Estado, e sim a oralidade, a imagem, as séries de documentos de batismos, casamentos e óbitos.
Com as seguintes gerações dos Annales, esses grupos sociais estudados pela história foram se ramificando cada vez mais até se chegar numa história quase que do “sujeito”, do individual. Nesse sentido, houve um alargamento das noções de fontes históricas, como mapas, gravuras, desenhos, cartas, roupas, alimentos e outros. O importante de ressaltar sobre isso, é que alguns historiadores chamam essa fase de “vulgarização da história”, como se qualquer coisa que se remete ao passado fosse passível de análise histórica. Noções como essa deram base para o surgimento do pós-modernismo, movimento que encara a análise e a fonte histórica como relativa ao olhar do historiador do presente. Sendo que, na realidade, as fontes só são consideradas históricas quando são encaixadas no contexto e na estrutura do tempo determinado.        
Enfim quantas faces tiveram um documento ao longo da história da história? Como será encarada uma fonte histórica no futuro? Tudo isso nos leva a crer que “um documento é tudo aquilo que um determinado momento decidir que é um documento”.

REFERÊNCIA: Texto de Leandro Karnal e Flávia Gali Tatshc (2009).    

UM CASAMENTO EXTRA-CONTINENTAL



ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 29 DE ABRIL DE 2011

            Hoje é um dia importante para a família real britânica, “o dia do casamento do Príncipe Willians e a “plebéia” Kate Middleton”. É assim que a mídia televisiva tem anunciado suas últimas noticias há pelo menos duas ou mais semanas. Por tamanha repercussão, esta não é uma data marcante somente para a realeza e para seu povo, bem como para a imensa quantidade de jornalistas que ficarão falando sobre este assunto pelas próximas semanas. Graças às tecnologias cada vez mais “sem-fronteiras” da era atual, todos os detalhes deste casamento poderão ser revelados. Se no passado, o casamento de um rei causava impacto na região que ele vivia, hoje este impacto perpassa espaços continentais.
            Até mesmo nas escolas este assunto é transmitido pelos alunos constantemente, a curiosidade sobre os Windsors cresce a cada dia. Os alunos param para entender como pode no mundo de hoje existir ainda uma monarquia, mesmo que parlamentarista, e atribuem a este fato um caráter medieval. A rainha Elizabeth II, nos últimos tempos, tem atuado como uma figura tradicional da coroa britânica, porque na realidade o país e seus territórios anexos são comandados pelo primeiro-ministro. É claro que a figura da rainha não agrada a “gregos e troianos” na Inglaterra, para uns ela é considerada uma tradição respeitável, e para outros é tida como algo anacrônico, em principal aos jovens.
            Outro fato que repercutiu muito sobre a vida da coroa britânica foi o lançamento do filme “O Discurso do Rei”, que ganhou o prêmio de melhor filme, ator, diretor e roteiro original do Oscar 2011. O filme fazia menção às dificuldades do rei George VI (pai da atual rainha Elizabeth) em discursar perante o povo, porque era gago e tímido. A história é focada na relação do rei com seu “médico” que tanto o ajudou na superação em discursar em público, tratam-se, pois, de fatos reais. As gravações também mostram os escândalos causados pelo herdeiro do trono antes de George VI, seu irmão Edward VIII, que abdicou do trono por não poder se casar com a mulher que amava, a americana divorciada Wallis Simpson (algo inadmissível na época).
            Depois deste, outros episódios abalaram a fama da família real britânica, como o divórcio da Lady Diana e do Príncipe Charles. A popular princesa divorciou-se do herdeiro do trono ao ficar exposto na mídia a traição do marido com sua amante Camilla Parker-Bowles, hoje sua esposa. Lady Diana acabou por falecer em 1997 num trágico acidente de carro, sendo que em seu funeral a Rainha Elizabeth II tratou o cerimonial com muita frieza e isso fez cair mais ainda sua popularidade no país.
            Enfim, depois de tantas cenas que mais parecem fazer parte de uma novela, mais um casamento é concretizado na família real Windsor. Seja como símbolo de tradição, alvo de comentários, estandarte de críticas ou simplesmente mais uma união de pessoas que aparentam estar apaixonadas, o casamento do Príncipe William com Kate Middleton ganhou dimensões extra-continentais. Um casamento que está imbuído de fortes expectativas populares, carregado de um passado tão “dramático” da família real e conhecido pelo mundo inteiro.