terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O RETORNO DO BUSTO E DA COLUNA À PRAÇA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 22 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS    


Coluna e Busto de volta à Praça Francisco Barreto,
com destaque à alegoria feminina da República,
 ao rosto de Tiradentes e ao escravo se libertando
das algemas (Abolição).
Foto: Karla Armani Medeiros

            Quem passa pela Praça Francisco Barreto agora se deparará com dois velhos conhecidos, a Coluna Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil e o Busto da República. A coluna com a herma permaneceu como monumento central à praça, no mesmo local, por 76 anos, de 1922 a 1998; quando foi retirada dali numa “reforma”. O busto ficou mais de 20 anos guardado no museu e agora volta a encenar a praça. Muitas pessoas têm memória afetiva daquela “mulher sem braço”, inclusive, alguns achavam ser a Princesa Isabel. Um equívoco. Seu significado é atemporal.

Livro "De onde cantam as cigarras", de Karla Armani,
com capítulo dedicado ao estudo das comemorações
do Centenário da Independência do Brasil em Barretos.

            A coluna e o busto foram instalados na praça em 7 de setembro de 1922, durante as festividades de comemoração dos 100 anos da Independência do Brasil (1822/1922), as quais foram celebradas por três dias na cidade (6, 7 e 8 de setembro) por órgãos públicos, através do Prefeito Dr. Antônio Olympio, escolas, escoteiros, instituições e o Grêmio. Inclusive, a participação do Grêmio foi essencial, através da leitura da Conferência “Hosanna”, escrita especialmente a Barretos por Coelho Netto, em que falava sobre a Independência do Brasil destacando valores e símbolos também retratados na coluna: a República, a Abolição e Tiradentes. O mesmo monumento foi instalado no salão principal do Paço Municipal, hoje Museu.

            Então, se o monumento era para comemorar os 100 anos da Independência por que os seus símbolos exaltavam a República? Porque os monumentos, mesmo quando se referem ao passado (Independência), tem a intenção de eternizar os valores do presente (a República). Por isso, ao se referir à Independência do Brasil, ao invés de exaltar os feitos monárquicos (figuras de Dom Pedro I e Leopoldina), os intelectuais da época preferiam contar sobre a Independência com olhares republicanos e cívicos, destacando o mártir Tiradentes (que durante a Inconfidência Mineira, 1789, já defendia o Brasil independente); além dos pleitos da Abolição e da República, o que explica a figura do escravo se libertando das algemas e a figura da República na coluna. Portanto, não há disparidade em comemorar a Independência com símbolos visivelmente republicanos, o que existe ali é a intencionalidade de recontar a história do Brasil com olhares novos, com narrativas que valorizassem as ideias daquele presente, 1922.

Destaque à coluna comemorativa e ao busto
no livro "De onde cantam as cigarras",
de Karla Armani.
          Aliás, 1922 foi um ano importante à história do Brasil, pois, justamente por ser o ano do centenário da Independência, a história do país foi revisada, principalmente por grandes instituições como o Museu do Ipiranga. Em setembro de 1922, o país todo comemorou o centenário da Independência com festividades parecidas com essa de Barretos, e colunas e hermas foram instaladas em vários municípios brasileiros. No Rio de Janeiro aconteceu a “Exposição Internacional do Centenário da Independência” com a participação de artistas nacionais e estrangeiros. Inclusive, Luiz Bernardi, dono de relojoaria em Barretos, participou com seus trabalhos artísticos. Barretos, portanto, ao instalar aquele monumento na praça não estava praticando um ato isolado, do prefeito ou do Grêmio, ao contrário, estava se conectando e se reafirmando aos ideais da política e do imaginário republicano. Uma cidade moderna, que aplaudia a República.

            Sobre ela, a República, não era um artigo feminino somente na língua latina, era também representada pela figura de uma mulher. Essa alegoria não é brasileira em si, o Brasil importou da França, assim como outros países. Durante a Revolução Francesa, 1789-1799, a monarquia foi deposta para a instalação da República e para simbolizar este novo regime a imagem usada foi de uma “mulher”. Uma das explicações para tal era que a Monarquia era geralmente representada por reis, homens mais velhos. Para se contrapor, então, a República seria representada pela figura de uma mulher, jovem e sadia, adicionando ainda o barrete frígio vermelho à cabeça; historicamente um símbolo de liberdade. A alegoria da República recebeu o nome de “Marianne”, francês, uma alusão aos nomes populares “Maria” (mãe de Cristo) e “Ana”.

            Assim sendo, a República brasileira, importada à francesa Marianne, tornou-se barretense mais do que nunca em 1922, e, agora, retorna ao seu posto não para valorizar aquela República - que, apesar de simbolizada por uma mulher, excluía as mulheres da cidadania e as reprimia - e sim para nos fazer pensar qual Marianne queremos à nossa política atual. A releitura de Marianne cabe a cada um de nós. A República que queremos, somos nós quem fazemos. Viva Marianne! Agora, ela vive.


Fonte:

MEDEIROS, Karla O. Armani. De onde cantam as cigarras: o Grêmio Literário e Recreativo como sala de visitas de Barretos - 1910/1945. Barretos: Edição da Autora, 2020.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

E SE? (Parte 3)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 15 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS   

            Se eu pudesse voltar no tempo, tagarela como sou, ficaria à sombra das antigas boticas e farmácias escutando as rodas de conversa sobre política. Voltaria, inclusive, a 1910, à farmácia de Ismael e Silvestre para presenciar a tal conversa sobre o nascimento do Grêmio. Da mesma forma, gostaria de ver a cara de “novidade” das pessoas quando ficaram sabendo da primeira cesariana feita na Santa Casa, em 1934, pelo médico baiano, dr. Francolino Galvão de Souza. E, numa boa prosa, perguntaria para ele sobre o que ele pensava a respeito do Cangaço na Bahia, especialmente sobre Lampião.

            Gostaria de ver a inauguração do Recinto de Exposições “Paulo de Lima Correia”, em 1945, e a inauguração do Cine Barretos no ano seguinte. Assistiria às peças de teatro da Sociedade Instrução e Recreio, em 1900, onde os coronéis Raphael Brandão e Antônio Olympio eram os próprios atores. Fico imaginando como era assistir um teatro, à noite, sem energia elétrica, somente com a iluminação a gás acetileno.

            Certamente aplaudiria a conferência da espanhola Bélen de Sárraga, no Grêmio, em 1911; assim como o concerto de Villa Lobos, em 1931, e a conferência de Menotti Del Picchia, em 1943. Aproveitaria para conversar muito com o Cel. Silvestre de Lima, indagando-o sobre o que ele pensava do conceito de República, e o que ele sabia sobre os assassinatos do Barthmann, em 1909, e do Francisco Itagyba, em 1916.

            Retornaria a fevereiro de 1979, só para dar um abraço bem apertado na Profª Lydia Scannavino Sccortecci pelo brilhante ato em ter inaugurado o museu municipal. Igualmente, aplaudiria as professoras Lúcia Lex, Glorinha, Joanna Monte Bastos e Noemi Nogueira pelo trabalho árduo que tiveram levando Educação a uma cidade tão pequena e isolada. Conversaria sobre política com Antônio Narciso Júnior, Lutgardes Bastos, Matinas Suzuki, Nadir Kenan e outros tantos para conhecerem suas visões quanto à cidade. Eu também viveria momentos épicos nas greves operárias dos trabalhadores lituanos que viviam nos arredores do Frigorífico Anglo. [continua].

 

E SE? (Parte 2)

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 8 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS    

            Se eu, historiadora, pudesse voltar no tempo, na cidade, voltaria às semanas anteriores à demolição do 1º Grupo Escolar, em 1972, e me juntaria a nomes como Olivier Heiland e Nidoval Reis para impedir a destruição do prédio. Assim como eu presenciaria a colocação da pedra fundamental no lindo edifício do Paço Municipal, em 1906, só para ter ideia dos bilhetes e jornais que foram depositados na urna. Eu pediria a todos da época que escrevessem com mais clareza, para que eu não sofresse tentando desvendar suas caligrafias no futuro. (Em relação aos vereadores da Câmara, isso nem seria um pedido, seria uma exigência. Só eu sei como sofro com aquelas letras).

            Viajaria para 31 de março de 1900, no lançamento do primeiro jornal da cidade, O Sertanejo, para ver de perto a organização da redação. Conversaria horas e horas com o Cel. Jesuíno de Mello sobre as entrevistas que ele fez com os moradores antigos, quando escreveu a coluna “Tradição de Barretos”. Queria saber exatamente a opinião dele sobre a origem do Chico Barreto e da Ana Rosa. Eu o agradeceria muito!

            Iria para julho de 1932 quando Barretos abriu a lista de voluntários para a guerra paulista. Seriam inúmeras as perguntas aos soldados e às pessoas que viram a cidade se transformar num quartel de guerra. Começaria tentando encontrar o temível pistoleiro Aníbal Vieira, que ficou em Barretos lutando por São Paulo, aquartelado no prédio do Grêmio. Perguntaria a Ruy Menezes como era ser um jovem de pouco mais de 20 anos em uma missão tão violenta como aquela; já aproveitaria para lhe fazer muitas perguntas que me surgem quando leio e releio seu livro “Espiral”. Assim como eu tentaria descobrir as façanhas do livro “Caretas do Zé Menêis” de seu primo, José Eduardo de Oliveira Menezes, jornalista, cuja figura me instiga tanto.

            Adoraria ver a origem do Teatro Éden, nos anos 10, assim como conhecer o seu lendário proprietário, J. J. Martinelli. Eu ficaria triste em contar a ele que, em 1923, o teatro sofreria um incêndio. Aliás, eu descobriria se foi ou não acidente. [continua].

E SE?

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 1 DE DEZEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS   

            “E se você tivesse uma chance de voltar ao passado da cidade, com quem você queria conversar e o que perguntaria?” Essa é uma das perguntas que as pessoas geralmente fazem a mim, uma historiadora curiosa e tagarela. E é uma pergunta difícil, pois a quantidade de entrevistados e de perguntas seria grande. Quase interminável. Afinal, as lacunas da história da cidade são infelizmente expressivas.

            Mas, usemos da imaginação (recurso indispensável ao historiador) para responder a essa questão. De primeira, eu sentaria frente a frente com o curioso Cel. Almeida Pinto e teria uma boa prosa com ele sobre o que pensava quando era mais novo, no século XIX. Sabendo que ele era um grande defensor da República, queria saber sobre suas ideias quanto à escravidão e sobre os caminhos que ele percorreu. Esse personagem me intriga, era praticamente onipresente, popular e querido pela maioria.

            Outro que eu teria uma longa conversa seria Osório Rocha, que além de perguntar sobre assuntos do seu “Barretos de Outrora”, eu discutiria muito sobre política, especialmente sobre as ideias que ele defendia nos anos 30. Conversaria com Francisco Xavier de Almeida Júnior, Marcello Tupynambá e Emílio José Pinto para que eles me descrevessem exatamente como era Barretos no início do século XX e me explicassem por que “raios” vieram morar na “cidade do boi”. Jorge Andrade eu teria até receio de conversar, de tão ilustre que o considero; mas, eu ficaria horas conhecendo de onde veio tanta inspiração para a sua escrita forte e necessária no Brasil.

            Quanto às mulheres, Rita Parnaíba e Inácia Homem seriam minhas primeiras candidatas sobre a origem do vilarejo. Depois, as professoras Noemi Nogueira, Lúcia Lex e as pianistas Haydée Menezes e Adelaide Gallati me contariam sobre como era ser mulher e conseguir produzir tanto quanto fizeram à cidade.

            É, caro leitor, eu precisaria de muito mais linhas para mostrar a vocês as curiosidades e as dúvidas que habitam a fértil mente desta historiadora aprendiz.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

A BARRETENSE THEODOSINA R. RIBEIRO

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 24 DE NOVEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS     

 

Theodosina Rosário Ribeiro
Fonte da imagem: Google.

            Era barretense a primeira mulher negra vereadora na cidade de São Paulo e deputada estadual à Assembleia Legislativa paulista. (Sim, volte os olhos e leia de novo). Chamava-se Theodosina Rosário Ribeiro, nascida em 29 de maio de 1930, em Barretos; mais tarde, formou-se em Letras e Direito. Elegeu-se vereadora em São Paulo, com a 2ª maior votação pelo MDB, no ano de 1968; e, em 1970, foi eleita à ALESP como a primeira deputada estadual negra, a 5ª mais votada, desdobrando-se em três mandatos, sendo deputada de 1971 a 1983. Faleceu em 22 de abril deste ano.

            Em entrevista ao Portal da Câmara Municipal de São Paulo, ela declarou: “Nasci em Barretos, interior do estado de São Paulo. Papai, naquela época era comandante de destacamento e à medida que se terminava naquele local o trabalho dele, era removido para outras cidades. Então muito pequena estive em Barretos, Araraquara, Pirassununga e vim para São Paulo com 8 anos”. Ela contou que seu pai, um homem negro, getulista, comandante de destacamento da Força Pública era respeitado, apesar do problema racial, pois era um autodidata e conseguiu respeito no cargo que ocupava. Lembrou que a irmã, aos 25 anos, tornou-se a primeira professora negra em Pirassununga.

            Em São Paulo, Theodosina formou-se professora e passou em concurso público como diretora de escola; algo que para ela seria um meio de amenizar o racismo. Com apoio de seu marido, foi incentivada pelo deputado federal Adalberto Camargo, o primeiro negro eleito como deputado por SP, a ingressar à política. “Fiz um trabalho muito grande em relação às mulheres, à educação, e juntamente com as mulheres negras”, disse. Seu trabalho e ação frente à educação, às mulheres e à população em situação de vulnerabilidade repercutiu na criação da Medalha “Theodosina Rosário Ribeiro”, em 2013, pela ALESP.

No mês da Consciência Negra, é necessário que conheçamos vidas como a de Theodosina, cuja biografia é linha a linha pelo bem das mulheres negras.


Fonte: 

Entrevista com a Sra. Theodosina Rosário Ribeiro no site da Câmara Municipal de São Paulo.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

BARRETOS E SEUS PREFEITOS

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE OUTUBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

Sede do Paço Municipal de Barretos, inaugurado em 1907.
Atual, Museu "Ruy Menezes"

            É reta final da eleição municipal de 2020, que neste ano ocorrerá na comemoração da República. 15 de novembro parece ser o dia propício ao eleitorado ir às urnas.

            Nossa cidade tem 166 anos de fundação oficial e 130 anos de criação da comarca. Ou seja, somente em 1890, o antigo “arraial dos Barreto” se tornou “comarca”; então instalada pelo Conselho de Intendência. Em 1892, com a origem da Câmara, foi eleito, entre os vereadores, o primeiro Intendente Municipal, o mineiro Raphael da Silva Brandão. Em 1906, o advogado cearense Antônio Olympio Rodrigues Vieira era o primeiro a ganhar a denominação “prefeito”, e criava-se o cargo de vice-prefeito.

            De 1892 até 2020, 41 prefeitos administraram a cidade em cerca de 59 mandatos. Todos homens. Cada qual a seu contexto, demonstrando que Barretos passou por diversos estágios, entre conquistas e rivalidades. À época da República Velha, onde imperava o coronelismo, 13 prefeitos foram eleitos dentro daquele sistema clientelista; entre eles, Antônio Olympio e Silvestre de Lima se destacaram como líderes antagonistas. A partir de 1926, Riolando Prado assume um mandato dissidente que pôs fim à era coronelística. No entanto, a década de 1930, urbanisticamente importante, foi gerida por 10 prefeitos, numa agitação característica do governo interventor de Getúlio Vargas, finalizado por Fábio Junqueira Franco (prefeito por 7 anos seguidos). Muito prefeito para pouco tempo, finalizando com um prefeito para muito tempo. E a Câmara extinta.

            No período democrático de 1945 a 1964, Barretos somou 9 prefeitos. Já no período da ditadura militar, 1964-1985, a cidade contou com 6 prefeitos e vices que, entre alternância e reeleição, administraram Barretos. Desde a Constituição de 1988 e a redemocratização, a partir de Ibraim Martins da Silva, contamos com 6 prefeitos.

            Para 2020, como esperamos a sucessão municipal? Qual o perfil do/a novo/a administrador/a? Qual o sentido do novo governo? Isso só a História responderá, a partir de domingo; dia da nossa República.


Fonte:

Análise cronológica a partir da galeria de Intendentes e Prefeitos da obra: ARMANI, K.; FERNANDES, S.; TINELLI, R.; TRUCULLO, P. Descobrindo Barretos: 1854-2012, 2012.

RAPHAEL BRANDÃO: O PRIMEIRO PREFEITO

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE OUTUBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS             

Raphael da Silva Brandão
Fonte: Galeria de Prefeitos do Museu "Ruy Menezes"

Em época de eleição municipal cresce o interesse pela história política da cidade. O barretense tem na memória a figura de prefeitos mais recentes, mas pouco conhece a respeito dos primeiros chefes do Executivo. Assim é o caso do nosso primeiro Intendente Municipal, Raphael da Silva Brandão, que em Barretos assumiu a Intendência em 1/10/1892 até 9/1/1894, sendo vereador em diversos mandatos. Provavelmente, além de ser nosso primeiro prefeito, foi também o mais jovem. Era mineiro, nascido em 3/2/1864, em São José dos Botelhos, e, aos 2 anos, junto ao seu pai Luiz Brandão e Filomena Tortorela, italianos, foi para Uberaba, onde era mascate e vendia diversos artigos pelos rincões do Triângulo Mineiro.

            A história de Raphael Brandão na cidade se assemelha a de outros figurões políticos na transição do século XIX para o XX, os quais vieram de outras localidades, compuseram amizades com líderes locais e tão logo entraram para a política. Assim foi com Raphael Brandão ao atravessar o Rio Grande e praticar comércio nas terras paulistas, onde quis fixar-se de imediato. Era 1885 quando saiu de Uberaba/MG e veio morar em Barretos, lugarejo em que se tornou amigo e companheiro do Cel. João Carlos de Almeida Pinto, a esta altura um forte líder político local.

            Com esta amizade, tornou-se conhecido social e politicamente dos moradores da cidade, casando-se com a filha do maestro Gomide, a sra. Veridiana Gomide Brandão, com a qual teve 5 filhos. Pelo ciclo social e político, firmou-se como membro do diretório do Partido Republicano local e fora nomeado para os cargos de Delegado de Polícia e Juiz Municipal. Não tardou para ser eleito como vereador e, como praxe, Intendente Municipal, o primeiro prefeito após a instalação da Comarca. A qual, foi finalmente instalada também por sua atuação junto ao líder republicano paulista Alfredo Ellis. Como político local, sensibilizou-se com a questão alimentícia dos presos e com a criação do novo cemitério. Foi nomeado como Coronel da Guarda Nacional em 1910 e Coletor Federal em 1914, aposentando-se pouco antes de sua morte, em 26/12/1935.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

“POR TRÁS DA ESTANTE”

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE OUTUBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

Livro "Por trás da estante: Histórias da Meia-Noite
de Machado de Assis", de Vizette Priscila Seidel.

(Autor da capa e imagem: Guilherme Silveira).
    Vizette Priscila Seidel, que por anos foi professora de língua portuguesa e francesa em Barretos, acaba de lançar seu livro: “Por trás da estante: Histórias da Meia-Noite de Machado de Assis”. Obra de origem acadêmica, fruto de intensas pesquisas na Literatura brasileira e na história cultural, revela uma fase inicial de Machado de Assis. 
    A autora analisou a coletânea “Histórias da Meia-Noite” de Machado de Assis, publicada em 1873, pela editora do francês Baptiste-Louis Garnier. Mesmo editor do “Jornal das Famílias”, periódico carioca em que Machado publicou 21 contos de 1870 a 1873, selecionando 6 deles para a coletânea. Mesmo, na “Advertência”, Machado dizendo que as páginas de seu livro eram “desambiciosas”, Vizette produziu um rico estudo provando que, na realidade, ao selecionar 6 contos e excluir outros 15, o autor tinha um projeto de edição do livro. O escritor fluminense ali traçou o início de um projeto estético-literário antirromântico, utilizando, no entanto, temas e diálogos com os escritores românticos do período. Tal projeto foi refinado nos anos seguintes. 
    Neste período do Romantismo no Brasil, desde a fase indianista, os escritores eram pressionados a escrever ressaltando o exotismo, a cor local, a fauna e flora – características que tinham a intenção de ferventar uma identidade nacional; apesar de oriundas das escolas literárias francesas. No entanto, Machado de Assis, (como sempre), enxergava que a literatura brasileira não se limitava a isso, necessitando expor as questões sociais e a diversidade cultural. Para tanto, nos contos de “Histórias da Meia-Noite”, retratou os temas prezados pelos românticos, todavia, em contraponto, usou de forma sútil o recurso da ironia, da galhofa e até da sátira. 
    O mérito da obra de Vizette Priscila está em analisar criteriosamente os contos selecionados, bem como os contos exclusos, nos mostrando que na obra machadiana nada é por acaso. Por trás da estante houve projeto de edição, ambição, critério, ironia, diálogo e, claro, a genialidade de Machado.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

DR. PAMPLONA

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 20 DE OUTUBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

Médicos e enfermeiros da Santa Casa de Barretos
no ano de sua inauguração, 1921.
O dr. Henrique Pamplona de Menezes, 1º diretor clínico,
é o que está sentado ao centro dos demais médicos.

(Fonte da imagem: Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Barretos).

            Dia 18 de outubro foi comemorado o “dia do médico”. Uma categoria profissional que, em Barretos, sempre se destacou pela participação no desenvolvimento da cidade e na vida política e social. E assim foi desde o início.

Barretos no início do século XX, apesar de isolada e pequena, era uma localidade atraente a novos moradores, essencialmente a profissionais liberais que enxergavam na economia pecuária e seu comércio uma oportunidade de viabilizar carreira. Deste modo, desde 1900, médicos recém formados se estabeleceram na cidade; nem sempre atendendo em clínica, e sim em domicílio, hotel ou pensão. Isso porque foi somente em 1912 que a cidade ganhou seu primeiro hospital, a Casa de Caridade, através da Sociedade Espírita “25 de dezembro”. Esse primitivo hospital, comandado pelo dr. Raymundo Mariano Dias, contava com 7 médicos e funcionou até pouco tempo antes da inauguração da Santa Casa de Misericórdia, em 1921. Um dos médicos da Casa de Caridade tornou-se o primeiro diretor clínico da Santa Casa, e por lá atuou durante toda a década de 1920. Chamava-se Henrique Pamplona de Menezes.

Conhecido como “dr. Pamplona”, era formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1884, e quando veio a Barretos, nos anos 1910, já era um médico experiente. Ainda na faculdade, defendeu a tese intitulada “Operação Cesariana” – um assunto novo à época - assim como os trabalhos: “Opio”, “Da febre” e “Parallelo entre a talha e a lithotricia”. Pelas pesquisas, vê-se que, na Santa Casa, ele atuou de forma enérgica na transformação do espaço, que tinha um forte cunho religioso, em um ambiente médico, regido pelos padrões da ciência, higienismo e asseio. Sua atuação foi de fato pela saúde pública. Recebia agentes da saúde pública e privada brasileira na Santa Casa, assim como os diversos visitantes ilustres, e preocupou-se em viabilizar à cidade o hospital que daqui há alguns meses comemorará 100 anos.

Ao dr. Pamplona, uma homenagem pelo Dia do Médico.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ARMANI, Karla O. Caridade e Ciência: sociabilidade e poder na Santa Casa de Misericórdia de Barretos. Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação em História, Cultura e Sociedade. Ribeirão Preto: Centro Universitário Barão de Mauá, 2012.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A PERSISTÊNCIA DOS PROFESSORES

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 14 DE OUTUBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

          

Escola Municipal em Barretos no ano de 1909,
antes de existir o ensino primário obrigatório e gratuito.

Fonte: Arquivo do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos.


  Na semana do “dia do professor”, as mais belas homenagens são rendidas a esta classe primordial no desenvolvimento do país. E talvez a justificativa para tanto não esteja somente na memória afetiva dos alunos, mas na capacidade dos professores em acreditar na Educação e lutar pelas melhorias do ensino, independente da época e lugar.

            Quando um historiador entrevista pessoas mais velhas, geralmente, encontra-se um ponto em comum entre as falas (independente do gênero e da localidade): o estudo restrito à alfabetização inicial e ao ensino primário. São poucas as pessoas que até os anos 1940 e 1950 conseguiam avançar para o ginasial e concluir as etapas da escola.

No entanto, imaginem como era o trabalho dos professores quando nem ensino primário existia? No caso de Barretos, o ensino primário obrigatório e gratuito ocorreu a partir de 1912 com a inauguração do 1º Grupo Escolar. Antes disso, existiam as “escolas isoladas”, que, além de não atenderem a todas as crianças, enfrentavam uma série de dificuldades estruturais e a falta de apoio dos pais e de autoridades locais. Um exemplo disso é a carta da Profª Laurinda Escobar de 1890, em Barretos, analisada na tese de doutorado do Profº Humberto Perinelli Neto, que assim exclamava: “Esta escola até ao presente nenhum auxilio mereceu, não obstante o vivo interesse que por ella tenho tomado; [...]. Lutando com a falta de cômodos e condições pedagógicas apropriados ao emprego dos mettodos modernos, [...] , lamento que ate o presente não tenha baixado um luminoso decreto, tornando o ensino primário obrigatório. Este palpitante melhoramento ansiosamente almejado pelo Professorado todo, ávido por ver coroado seus árduos esforços do mais feliz êxito, alem de arrancar a nossa sociedade deste estado enervado em que se acha, vem rodear de prestigio aquella infeliz classe, que actualmente só tem deveres a cumprir sem o mínimo direito a alegar”.

Interessante como no distante século XIX, a figura do professor já era presente e persistente nos desígnios da Educação. Viva essa persistência!


Fonte:

PERINELLI NETO, Humberto. Nos quintais do Brasil: homens, pecuária, complexo cafeeiro e modernidade - Barretos (1854-1931). -Franca: UNESP, 2009 (tese de Doutoramento em História).

terça-feira, 6 de outubro de 2020

CONCURSOS DE ROBUSTEZ INFANTIL

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 6 DE OUTUBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS

          

Crianças se apresentando em concurso de
 robustez infantil em Barretos - ano de 1937.

Fonte: Arquivo iconográfico do Museu "Ruy Menezes".

  O Dia das Crianças, 12/10, se aproxima e é interessante voltar no tempo para conhecer um evento recorrente: os antigos concursos de “robustez infantil”.

            Era 1902, quando surgiu o primeiro concurso de “robustez infantil” no Brasil, organizado pelo médico Arthur Moncorvo Filho, com o objetivo de incentivar o aleitamento materno. De lá até metade do século XX, os concursos foram realizados por instituições de diversas naturezas, considerando a saúde e o vigor das crianças. Para tal, eram avaliados a idade, peso, altura, dentição, higiene e desenvolvimento, a fim de se estimular os cuidados e asseios com os pequenos e a relação com os pais. Inclusive, os concursos eram patrocinados por empresas das cidades e ofertavam prêmios às mães das crianças vencedoras. Embora fosse este o discurso principal, principalmente nas instituições médicas e de puericultura, é claro que tais concursos eram alinhados às políticas de governo em certas épocas, uma vez que a criação de indivíduos saudáveis repercutia num excelente cenário nacional.

            Em Barretos, especialmente durante o período do “Estado-Novo” do presidente Vargas, no início dos anos 1940, foram organizados anuais concursos de robustez infantil em datas como o “dia da criança” e “Natal”. As instituições que mais aparecem na imprensa da época organizando tais concursos foram o “Rotary Clube de Barretos”, a “Legião Brasileira de Assistência” e a “Associação de Assistência à Maternidade e à Infância”. Esta, criada em 1942, promovia concursos de robustez infantil voltados às crianças matriculadas em seu lactário; um público carente, cujas mães também recebiam orientações no Posto de Puericultura da mesma instituição. Os concursos tanto do Rotary quanto da AAMI dividiam-se entre categorias de idades e tinham a participação de médicos da cidade como selecionadores. A premiação acontecia nos salões do Grêmio Literário com entrega de brinquedos a todas as crianças.

            O olhar sobre as crianças é também objeto de estudo da História.

Fontes:

FREIRE, Maria Martha de Luna; LEONY, Vinícius da Silva. A caridade científica: Moncorvo Filho e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (1899-1930). Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 18, supl. 1, p. 199-225,  Dec.  2011 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000500011&lng=en&nrm=iso>. access on  05  Oct.  2020.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000500011.

- Texto do Arquivo Nacional (2019).

- Jornal "Correio de Barretos", edições de 31/12/1942, 25/12/1943 e 17/9/1944. Acervo: hemeroteca do Museu Histórico, Artístico e Folclórico "Ruy Menezes".

terça-feira, 29 de setembro de 2020

MULHERES NA CAMPANHA ELEITORAL

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 29 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS

          

Maria Ignez de Ávila Jacintho no primeiro ano de seu mandato como
 vereadora à Câmara de Barretos.

(Fonte: Jornal O Diário, 7/6/1973, p. 1 - Arquivo do Museu "Ruy Menezes").

  A campanha eleitoral se iniciou nesta semana e uma enxurrada de discursos irá movimentar a imprensa, as redes sociais e as conversas dos eleitores. Propostas e posicionamentos dos candidatos serão visíveis até aonde o eleitor nem imagina. Isso porque a política rastreia as pessoas, busca dialogar e se apresentar enquanto plataforma. Os candidatos apresentam discursos de acordo com ideologias de seus partidos, mas também chamam a atenção para questões pessoais, da própria cidade.

            Neste contexto, chama a atenção a quantidade notável de mulheres pleiteando vagas no Executivo e Legislativo. Esse é um quadro de grande avanço na política, que precisa ser ainda ampliado nas eleições futuras. Será uma efetivação da democracia. O interessante é o discurso empolgante de determinadas candidatas, especialmente as aspirantes à edilidade. Discursos que enquadram a participação feminina nos diversos segmentos da sociedade. As candidatas se comprometem em usar a política a favor da igualdade e de ações efetivas em seus campos específicos de atuação. Certamente, a eleição de mulheres como vereadoras proporcionará olhares edificantes a políticas públicas essenciais quanto a trabalho, legislação, proteção, renda, independência, direitos, saúde, maternidade, amamentação, cuidados, instrução, etc.

            Pela movimentação já sentida nas redes sociais, as mulheres estão à frente com olhares certeiros e discursos decisivos. As cadeiras da Câmara provavelmente serão ocupadas por boa parte delas, afinal o Brasil cada vez mais se movimenta neste sentido. Em Barretos, a primeira vereadora eleita foi Maria Ignêz de Ávila Jacintho; atuante em duas legislaturas: 1973-1976 e 1977-1983. Apesar do voto feminino ter sido aprovado em 1932, precisou mais de 40 anos para a cidade ter uma representante mulher na política. E muito bem posicionada, inclusive. Depois dela, a Câmara contou com somente 7 mulheres vereadoras até o momento. É visível que a hora dessa representatividade de fato acontecer, chegou. É agora.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

BARRETOS, AS MULHERES E A HISTÓRIA

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 22 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS     

Operárias do Frigorífico Anglo, em Barretos, sem data.
Fonte: Arquivo do Museu "Ruy Menezes"


            O título enuncia três substantivos diferentes, separados por vírgula. Mas, a ideia é juntá-los na realidade, de modo que nenhuma vírgula os separe. Há tempos, as obras sobre a história da cidade citam pouco (na verdade, quase nada) sobre mulheres. Numa mentalidade conservadora, talvez nem se repare esta omissão; porém, no presente, é demasiado estranho escrever e ler sobre o passado da cidade e nada encontrar sobre as mulheres. Este cenário, portanto, precisa ser impulsionado.

            Por isso, esta é uma missão que tenho assumido. Apresentar, em sérias pesquisas, os perfis de mulheres que viveram em Barretos e, cada qual à sua maneira, fizeram parte do desenvolvimento local. O passado não era um tempo “bonito” às mulheres - verdade seja dita – mas, dentro de suas possibilidades (muitas vezes rompendo barreiras), há interessantes surpresas a serem desvendadas sobre elas.

            Desta feita, meu texto no livro “Barretos em 3ª pessoa”, lançado mês passado pela Prefeitura de Barretos e a ABC, abordou tal questão, apresentando diversas trajetórias de mulheres que, desde o século XIX até os idos dos anos 1970, contribuíram à cidade e mereciam estar na História. Da mesma maneira, na recém lançada Coletânea “Elas nas Letras”, organizada pela confreira Sada Ali em parceria com a Pastoral da Mulher Marginalizada, publiquei um artigo sobre a vida e obra da pianista barretense Haydée Oliveira Menezes. Em outra coletânea, contei sobre a trajetória da Profª Noemi Nogueira, e, até o final do ano, outra personagem ainda será apresentada.

            Acredite leitor, você se surpreenderá com a história da pianista Haydée Menezes, o quanto ela foi brilhante nos anos 30, viajando não somente no teclado de marfim, mas por todo o país, e levando o nome de Barretos. É quase inacreditável que uma jovem como ela, naquele tempo, possuísse tantos contatos e rica bagagem cultural. Mais inacreditável é o fato de poucos barretenses saberem disso. Haydée, Noemi, Nilda, Paulina, Glorinha, Fiúca, Adelaide e tantas outras precisam ser conhecidas por nós.

Coletânea "Elas nas Letras", organizada pela escritora Sada Ali, em benefício da Pastoral
da Mulher Marginalizada de Barretos, e apoio da Prefeitura de Barretos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A NEVE NEGRA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 16 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS              

Foto ilustrativa do site da Prefeitura de Barretos (s/id).

É fim de inverno, os ipês floridos no último dia de agosto prenunciaram a entrada da primavera, tornando as ruas da cidade verdadeiros tapetes coloridos. Paisagem inversa ao que nesta semana se propaga, uma vez que não há verde pelas árvores, nem umidade e nem clima ameno. O que nossos olhos veem é um céu cinzento, os galhos secos e um ar que cheira à fuligem. A neve de inverno, que nunca existiu no Brasil, é metaforicamente associada ao elemento mais presente nas casas brasileiras: as queimadas – a neve negra. Fuligens devolvidas pela natureza em ventos quentes.

            Parece roteiro de filme de terror, mas Barretos atingiu o maior índice de falta de umidade da região, associado a clima desértico, somando-se ao racionamento de água (devido ao baixo nível dos reservatórios e à falta de chuva) e às intempestivas nuvens de queimadas que assolam diariamente as áreas urbanas e rurais. E o pior: esse cenário não é só local e sim do estado inteiro, assim como outras regiões do país.

            Nesta semana, este assunto veio à tona porque o grave problema da “neve negra” repercutiu diretamente na vida, no trabalho e na saúde das pessoas. Refletimos sobre: a culpa do homem nos incêndios, o desbravamento das áreas florestais e ciliares, a matança de animais silvestres, o perigo das rodovias com as nuvens de fumaça, a falta de fiscalização e penalizações, a insegurança quanto à presença do governo do estado com medidas eficazes, além do típico negacionismo da esfera federal.

            Impressionante como a “neve negra” incomodou este ano. Nós que parecíamos tão acostumados com ela, precisamos agora enfrentá-la em meio a uma pandemia! Diziam os memorialistas que, em 1870, o “fogo bravo” devastou a paisagem florestal da região, e que disso resultaram as pastagens e o posterior desenvolvimento da cidade. Um nítido mito de origem, pois é impossível qualquer lugar, independente da época, conseguir desenvolver-se às custas da morte da natureza, dos rios e dos animais. Nós, do presente, somos a prova viva que o “fogo bravo” é um regresso ao futuro.                                                                      

domingo, 13 de setembro de 2020

COELHO NETTO HÁ 100 ANOS

 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 9 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS      


Era 12 de setembro de 1920, quando chegava a Barretos, pelos trilhos da velha estaçãozinha da Paulista, o escritor maranhense Coelho Netto. Já famoso na carreira literária como escritor, Coelho Netto veio a Barretos há exatos 100 anos pela primeira vez, ocasião em que estabeleceu laços de amizade. A feliz receptividade ressoou em carta ao amigo Emílio José Pinto, jornalista na cidade: “Não acho palavras que exprimam, com a intensidade com que vibra em minha’alma, a gratidão que devo a toda essa gente boa e forte de Barretos” (19/9/1920).

Entre os dias 12 e 13 de setembro, Coelho Netto, acompanhado do escritor e historiador Arthur de Cerqueira Mendes, ficou hospedado na casa do prefeito, dr. Antônio Olympio, proferiu a conferência “A Floresta” na União dos Empregados no Comércio, visitou o frigorífico, conheceu a Cachoeira do Marimbondo e recebeu solenes homenagens no Grêmio Literário e Recreativo; onde tornou-se sócio honorário. Essa relação com o Grêmio se solidificou, uma vez que ele enviava seus livros para a Biblioteca do Grêmio (onde era exibido um retrato dele), além de ter retornado outras duas vezes ao clube em 1921. Mas, a notabilidade maior ocorreu em 1922, ano da comemoração do Centenário da Independência, em que, Coelho Netto escreveu a conferência “Hosanna” exclusivamente ao Grêmio, e esta foi lida pelo seu amigo Emílio Pinto durante as festividades do Centenário – mesma ocasião em que foi inaugurado o Busto da República na Praça Francisco Barreto.

Mais detalhes sobre a relação de Coelho Netto com a elite letrada de Barretos, podem ser lidos no livro “De onde cantam as cigarras”. Porém, a exatidão dos 100 anos da vinda do escritor à cidade não poderia passar despercebida, por isso, a autora deste artigo, junto ao professor de Literatura André Lourenço Ribeiro, farão uma live, em seus perfis do Instagram, sobre este tema, dia 12, às 18h. Coelho Netto, possivelmente, não imaginaria que passados 100 anos, ainda cá estaria.

Referência:

MEDEIROS, Karla de O. Armani. De onde cantam as cigarras: o Grêmio Literário e Recreativo como sala de visitas de Barretos - 1910/1945. Barretos: edição da autora, 2020.

Barretos em 3ª pessoa

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 1 DE SETEMBRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS            


O título do livro é uma “brincadeira” com a Língua Portuguesa e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de reflexão sobre os diversos olhares para a nossa cidade. No livro “Barretos em 3ª pessoa”, lançado em 28 de agosto virtualmente pela ABC e Prefeitura, Barretos deixa de ser exclusivamente substantivo próprio, passando a ser a referência, o assunto dos 34 autores; a 3ª pessoa, “ela”. De substantivo a pronome pessoal. Mais do que a cidade em si, o foco do livro é o olhar que se tem sobre ela.

Essa nova roupagem gramatical mostra que a cidade pode ser plural em tudo, inclusive na sua própria História. Escrever sobre o passado de Barretos é um ato permitido a todo tipo de público, basta que a proposta seja antecipadamente explicada ao leitor. O livro “Barretos em 3ª pessoa” foi pensado desta maneira, pois seus autores tinham o passado de Barretos como assunto em comum, porém, a temática e o estilo de narrativa são diversificados.

Ali, o passado de Barretos foi traduzido de duas principais formas: pela memória (lembranças) ou pela História (pesquisa). E a diversidade do livro não para por aí, não se contenta ao significado de seu título ou dos estilos dos autores, ela também é vislumbrada nas épocas e temas escolhidos. Barretos é uma cidade centenária, e, nesta obra, o século XIX está tão presente quanto os anos 80 do século XX, assim como as fotografias são de origem preto e branco ou coloridas. Nas páginas do livro são apresentados personagens icônicos, a contribuição dos imigrantes e dos grupos sociais étnicos e trabalhadores, lugares de sociabilidade, instituições, episódios e interessantes visões sobre o passado da pecuária, dos corredores boiadeiros e dos peões.

A pluralidade de assunto foi tão importante, a ponto de, sem querer, alguns textos se conectarem; um leitor atento consegue identificar esse presente do destino. Esses diálogos inesperados aparecerem justamente porque, apesar da diversidade temática e estilística, todos tinham como único objetivo: ela – a cidade de Barretos.

BARRETOS: UM MOISACO DE GENTE

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE AGOSTO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

            Zé de Ávila, trovador e poeta, disse em seu “Ode a Barretos”, de 1989: “Não só peões e boiadeiros, / de outros naipes gente havia / por recantos costumeiros / transitando noite e dia”. Uma trova que, pequenina, retrata a amplitude que foi Barretos no passado. Referia-se ele à cidade no início de sua formação urbana, um lugarejo que surgiu de um arraial sertanejo e décadas depois já chamava a atenção nacional frente seu potencial econômico da pecuária. Fator este que justifica a pluralidade da sua gente.

            Barretos é resultado de uma integração de povos, cuja migração aconteceu em fases diferentes. Em 1830, o povoado inicial formou-se pela migração de entrantes mineiros, haja vista a procedência dos Barretos e dos Librina. Mineiros que, transpondo o Rio Grande, abriram picadas de matas virgens dessa ponta nordeste de São Paulo, e fixaram moradia no vale dos ribeirões que hoje cortam os asfaltos do centro. A relação com Minas Gerais ainda se reafirmava no final do século XIX, quando a pecuária já era uma atividade expressiva na recente comarca e as transações com o Triângulo Mineiro estavam veementes. O velho jornal “O Sertanejo” noticiava as idas e vindas de personagens de cá para lá (Frutal, Uberaba, Santa Rita de Sapucaí).

            A mesma pecuária foi fator para atração de outros grupos, vindos de diferentes estados e cidades paulistas, rumo à “Chicago brasileira”. Muitos destes personagens, no início do século XX, eram graduados em universidades e possuíam profissões liberais. Aos poucos, Barretos dotava-se de tipografias de jornais, escritórios de advogados, escolas particulares, consultórios médicos e dentários, ateliês fotográficos e casas comerciais. Não tardou para que esse grupo, alinhado com o republicanismo, tomasse as rédeas da política local, ocupando as cadeiras da Câmara, da Prefeitura e participando das instituições que surgiam. Ao olhar as assinaturas dos artigos de jornais, das atas das entidades e as fotografias amareladas deste tempo, encontram-se sempre os mesmos nomes e rostos. Hoje, estampados como nome de escolas e ruas.

Por outro lado, o frigorífico, de 1913, trouxe para a cidade os imigrantes, servindo-se, principalmente, como classe operária de suas máquinas industriais. Italianos, portugueses, espanhóis, lituanos e romenos, diversificavam ainda mais a mistura social que era Barretos, habitando especialmente o bairro “Outro Mundo”. Os imigrantes também estavam presentes nas atividades liberais, como professores, engenheiros e arquitetos. Aliás, a arquitetura de estilos estrangeiros vigente nos casarões e palacetes centrais era o que modernizava o ar daquela cidade de origem caipira, que tentava marcar sua posição avançada no mapa do estado e do país.

Junto a esta miscelânea de gente, trilhava as ruas de terra seca os peões de boiadeiro, os quais, vindos das comitivas, em seus cavalos e mulas, de chapéus, botas e largas vestimentas, circulavam na cidade, reafirmando o sertanismo local. A figura do peão era constante em qualquer década daquele passado, era o que marcava a identidade da cidade. Tanto que se tornou inspiração para músicas e personagem icônico da primeira festa popular organizada pela Prefeitura para caracterizar a cidade.

            Naquela transição de séculos, Barretos era um local isolado, distante da capital, almejando uma estação de trem, mas já atraente para novos moradores – nossos antepassados. O fato é que, nestes 166 anos, outros tantos momentos serviram como fases de impulso para “novos barretenses”. Barretos sempre será um mosaico de gente, é terra de gente diversa, como já disse o mesmo poeta: “És o lugar bom e lindo / com que eu vivia sonhando / e ao que um dia acabei vindo / e por ter vindo ficando”.

O IMPORTUNO


 ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 19 DE AGOSTO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Neste 19 de agosto comemora-se o Dia do Historiador no Brasil, desde 2009. Mesmo ano em que foi iniciada a tramitação do projeto de lei que regulamenta a profissão de “historiador” no Brasil. Lei que perpassou 11 anos até ser aprovada no Senado, com algumas alterações na redação, mas foi vetada pela atual presidência da República. Utilizando da democracia e das instituições republicanas, a sociedade e as associações de História, representadas pela ANPUH, se mobilizaram e conseguiram a derrubada do veto pelo Congresso Nacional. Câmara e Senado fizeram valer a democracia aprovando o projeto, que a partir de então segue à sanção presidencial; a qual, agora, espera-se maior seriedade à voz da classe de trabalhadores da História.

            A lei basicamente regulamenta a profissão de historiador àqueles formados em História, assim como aos titulares de Mestrado e Doutorado na área, e para os profissionais de setores correspondentes que trabalhem como historiadores há 5 anos. Essa última condição amplia o perfil do profissional, o que não direciona corporativismos, nem “reserva de mercado”, não restringindo o ofício aos que já trabalham na área, mesmo não formados. A intenção da regulamentação é criar um perfil ao historiador de modo que ele tenha suas funções de trabalho conhecidas e ampliadas (em pesquisas ou no campo da cultura), atraindo novos profissionais na escolha desta profissão, assim como permitir as aprovações em concursos.

            A utilidade do historiador é incontestável, pela condução de pesquisas sobre a história do país e suas relações com o mundo, e pelas reflexões que promove sobre política, memória, identidade e cultura. Como disse, Carlos Drummond de Andrade em seu poema “O historiador”: “É importuno, sabe-se importuno e insiste, rancoroso, fiel”. Trata-se de um importuno que reage contra o esquecimento, e talvez seja esse o motivo que, por vezes, é temido.  Que este 19 de agosto marque a luta deste “importuno” tão oportuno aos dias de hoje. Um paradoxo fácil de entender.