terça-feira, 23 de junho de 2020

FAUSTO LEX, UM CIENTISTA (PARTE II)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 23 DE JUNHO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Capa do livro de Fausto Lex
(Acervo particular)

            Reeditada, em 1941, a obra “Vamos pescar... e trazer peixes” de autoria do Profº Fausto Lex, trazia um estudo pormenorizado sobre pesca; destacando os tipos de peixes, habitats e materiais de pescas. Contava com 77 ilustrações feitas pelo autor, com exceção de 13 desenhos retirados do “Atlas da Fauna do Brasil” do zoólogo e biólogo Rodolpho von Ihering; a quem Fausto Lex dedicava sua obra. É este o detalhe que torna seu livro não somente uma contribuição à psicultura brasileira, mas à formação intelectual do professor que tanto contribuiu ao desenvolvimento de Barretos. Buscar a formação intelectual das pessoas que viveram ativamente em Barretos, é um modo de compreender pensamentos, acontecimentos e o próprio destino da cidade.
            Fausto Lex e Rodolpho von Ihering eram amigos há anos; este era considerado o “pai da psicultura no Brasil”. Esta amizade é marcada pela sessão de História Natural do Museu Paulista, onde Fausto Lex trabalhou após formado (1902). O Museu Paulista era dirigido pelo alemão Hermann von Ihering, pai de Rodolpho, que também trabalhava no espaço. Nesta época, o Museu Paulista focava as coleções de História Natural, além de estudos arqueológicos e antropológicos (como alguns polêmicos feitos por Hermann). Certamente, além de seus estudos no Ginásio de São Paulo, seja deste período de trabalho no Museu Paulista a origem da dedicação de Fausto Lex à fauna e flora brasileira; justificando suas expedições nos arredores de Barretos e sua admiração pela língua tupi-guarani. Um cientista e etnógrafo.
Dedicatória do livro a Rodolpho von Ihering
(Acervo particular)
            Após 1920, Fausto Lex é destacado na imprensa por seu trabalho como Diretor Regional da rede de ensino estadual, onde atuou em Tatuí, Casa Branca, Campinas, São Carlos, Araraquara e Piracicaba. Faleceu em São Paulo, aos 71 anos, em 1950. Apesar de uma vida dedicada à educação pública, é necessário o destaque à veia artística e científica deste professor que, vivendo pouco mais de uma década em Barretos, fomentou o que naquela época vislumbrava-se como cultura e intelectualidade.

Fonte:
LEX, Fausto. Vamos pescar... e trazer peixes. São Paulo: Editora Irmãos Clemente, 1941. (Acervo particular).


quarta-feira, 17 de junho de 2020

FAUSTO LEX, UM CIENTISTA (PARTE I)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 16 DE JUNHO DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

           
Profº Fausto Lex.
Fonte da foto: MONTEIRO, Eduardo Carvalho.
Anália Franco: a grande dama da educação brasileira.
São Paulo: Madras, 2004.
Professor, artista, poeta e cientista, Fausto Lex (1878-1950) é um dos personagens da história barretense de maior destaque no início do século XX. Viveu em Barretos aproximadamente entre os anos de 1907 a 1919, junto a sua esposa, a Profª Lúcia Garrido Lex, participando ativamente da vida cultural, social e política do município. Pelas fontes históricas, nota-se que era um apreciador das artes e das ciências; e foi exatamente neste ponto que tanto contribuiu ao desenvolvimento intelectual de Barretos.
            Quando veio para Barretos, lecionava com sua esposa na única escola pública da cidade, porém, inaugurado o 1º Grupo Escolar, em 1912, logo fora nomeado como professor do Estado. Pelas notas jornalísticas, vê-se que era grande incentivador das artes, inclusive chegou a doar dois quadros de sua autoria ao Grêmio Literário e Recreativo (do qual foi fundador), e frequentava exposições de arte na capital (como uma da modernista Anita Malfatti em 1918). Fomentou, ainda, a prática do bascket-ball na cidade. Somando-se a isso, para ensinar Geologia, Botânica e Zoologia a seus alunos, realizava excursões nos ambientes naturais pelos arredores da cidade. Promovia também festas temáticas, como a “Festa das Aves”, realizada no Teatro Aurora em 1913.
            Neste ínterim, a imprensa paulista divulgou notas sobre as experiências quanto as turfas extraídas das jazidas descobertas pelo Profº Fausto Lex na usina da empresa Orion, em Barretos, no ano de 1917. Sua dedicação aos estudos dos recursos naturais misturava-se à veia poética, tanto que Ruy Menezes eternizou, em seu “Espiral”, a poesia “No Maribondo”, de Fausto Lex, sobre a preciosa cachoeira do Marimbondo.
            Não é difícil de se imaginar, portanto, de onde vinha sua paixão pela pesca e à psicultura, visto que, em 1922, lançou a 1ª edição de seu livro “A Pesca”; reeditado em 1941 com o título “Vamos pescar... e trazer peixes”. Um fato curioso sobre esta obra e a biografia de Fausto Lex, porém, é pouco falado. Mas, importante. [continua].

Fontes:
Jornal "Correio Paulistano", São Paulo/SP, edições: 21/101911 (ed. 17.324); 09/04/1913 (ed. 17.856); 10/05/1917 (ed. 19.336); 04/01/1918 (ed. 19.574) - Arquivo da Biblioteca Nacional.
MENEZES, Ruy. Espiral: história do desenvolvimento cultural de Barretos. Barretos: INTEC, 1985, p. 122.
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1954, p. 229-230.     

AOS JERÔNIMOS

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 9 DE JUNHO DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

           
Fonte: Revista "O Malho", Rio de Janeiro/RJ,
30/3/1912, p. 25, ed. 498 -
Arquivo da Biblioteca Nacional.
Desde a covarde morte do negro americano George Floyd pela polícia, em 25 de maio, ocorrida em Minneapolis (Minnesota), manifestações antirracistas e pacifistas ocorrem pelo mundo inteiro - física ou virtualmente. Posts, vídeos e hashtags como #vidasnegrasimportam e #blackouttuesday manifestaram apoio ao antirracismo dando voz às pessoas negras, para que suas próprias experiências protagonizassem a verdadeira “cara” do racismo, da violência, da segregação e da discriminação.
            Trazendo essa realidade à história da cidade, me lembrei de uma fotografia que há pouco tempo encontrei na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, na revista carioca “O Malho” (edição 498 de 30/3/1912). Resolvi, então, publicá-la em minha página do facebook, onde a repercussão foi muito positiva. Muitos barretenses se encantaram com a imagem do “preto Jerônimo” no bairro “Outro Mundo”.
            É a imagem de um negro, Jerônimo, que vivia em Barretos, e por mais “invisível” que fosse à população da época, bem como à História, foi eternizado na revista por sua generosidade. A legenda da foto dizia: “O preto Jeronymo, que socorreu a população pobre e rica de Barretos [S. Paulo] no largo período da seca completa do manancial que abastecia a cidade. Com grande trabalho lá ia o benemérito Jeronymo arranjar o precioso líquido que distribuía, sempre de cara alegre e cobrando, dos que podiam pagar, apenas o serviço do transporte. À falta de estatua, merece esta consagração o risonho preto. (Original remetido pelo Dr. Raymundo Dias)”.
            Jerônimo é somente um exemplo de personagem negro da história de Barretos. Junto com ele vem a resistência, a produção e todo o horizonte que a população negra ofereceu à cidade. Pela intermediação do médico Mariano Dias, Jerônimo foi celebrizado pela revista “O Malho”, e, mais de cem anos depois, nos serve como ícone para ilustrar este momento tão importante onde as vozes negras precisam ocupar todos os espaços; a começar pela História. Que essa se faça com (e por) mais Jerônimos.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

AYMORÉ DO BRASIL

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 2 DE JUNHO DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Profº  Aymoré do Brasil.
(Fonte: Correio de Barretos, 2-1-1944, p.1,
Arquivo do Museu "Ruy Menezes")

“Barretos, apesar de localizada em pleno sertão brasileiro, tem, [...], o seu Conservatório Musical, devido ao esforço e à boa vontade do consagrado virtuose prof. Aymoré do Brasil” (A Semana, 31/8/1940, p. 3).

            Era o ano de 1940 quando chegava a Barretos o ilustre professor de música Aymoré do Brasil; paulista de Serra Negra, nascido em 1907. Dirigiu o Conservatório Municipal de Barretos, fundado em 1938, e depois tornou-se professor de música de institutos musicais da cidade e de escolas. Na década de 1940 e início dos anos 1950, quando em Barretos viveu, consagrou-se como professor e digno artista, a ponto de ser o compositor da melodia do Hino de Barretos, apresentado à cidade em 1950, junto com o jornalista Osório Rocha (autor da letra).
            Antes de vir a Barretos, é notado na imprensa paulista como músico concertista em recitais em cidades interioranas, como Bauru, Campinas e outras. Era reconhecido como exímio violinista e músico do canto orfeônico. Formou-se no Conservatório Carlos Gomes de Campinas e no Conservatório Paulista de Canto Orfeônico.
            Em Barretos, mediou a visita de importantes artistas da música erudita nacional e estrangeira, servindo-se como interposição entre os barretenses e a cultura musical. Tenores, maestros, pianistas e musicistas vinham a Barretos por sua intermediação, assim como de suas colegas pianistas, Adelaide Galati e Haydée Menezes. Juntos, estampavam os jornais da época, “A Semana” e “Correio de Barretos”, com reportagens que elencavam a cultura como uma característica da vida barretense.
            O Profº Aymoré contribuiu à cidade como um elemento de integração de cultura e arte, pois tinha a intenção de estabelecer em Barretos não uma escola restrita à técnica musical, mas sim produtora de conhecimento, de regozijo do espírito, de apreciação às ideias abstratas. Atuava como um aglutinador de cultura. Isso, há 80 anos.

Fontes:
Jornal "A Semana", Barretos-SP, 31/08/1940, p. 3 - Arquivo do Museu "Ruy Menezes".
Jornal "Correio Paulistano", São Paulo-SP, edições diversas de 1927 e 1936, 1937 e 1938.
MENEZES, Ruy. Espiral: história do desenvolvimento cultural de Barretos. Barretos: Intec, 1985, p. 320.

HISTORIADORES E SEUS LEITORES

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE MAIO DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Giovanni Levi, célebre historiador italiano, certa vez dissertou sobre a atividade do historiador nos tempos de hoje. Com uma narrativa simples e prática, atentou para as três fases do trabalho do historiador: pesquisar, resumir e comunicar. De todas, a “comunicação” tem sido o grande desafio dos historiadores nos últimos tempos; a difícil arte de sintetizar longas pesquisas em uma linguagem atraente, que seduza os olhos curiosos das pessoas, mas sem perder a essência da produção científica.
            A História em si, enquanto assunto, é algo extremamente atraente. As pessoas, no geral, gostam de ler e ouvir sobre o passado, guerras, personagens, comportamentos, cultura, revoluções e assim por diante. No entanto, o público pouco se atenta ao fato da História ser uma ciência, e por isso ser construída com base em dados, fontes e conceitos longamente descritos e analisados. No geral, historiadores escrevem livros enormes, dotados de notas de pé e citações fartas. A História não é produzida para agradar, é uma ferramenta de reflexão e crítica. Mas, isso não significa que ela precisa ser restrita, desfrutada somente por acadêmicos. Historiadores escreveriam para eles mesmos? Uma corporação? É preciso pensar melhor no leitor. Formar leitores.
            Atualmente, alguns dos livros vendidos sobre “História” são aqueles escritos por jornalistas, pesquisadores ou curiosos. Geralmente, são obras com assuntos interessantes, mas sem os rigores científicos dos historiadores – aqueles necessários para se discutir certos conceitos, e que sem isso corre-se o risco de anacronismos e generalizações. Desta forma, o historiador contemporâneo encara o desafio de manter-se firme em suas produções científicas, mas ousar-se em pegar emprestado da Literatura uma narrativa sensível (até apetecível), apesar de fiel.
            E isso não é impossível. Haja vista a “pena” leve (e certeira) com que escreve o historiador italiano Carlo Ginzburg, um exemplo de narrador da micro-história. Alguém fiel à ciência e ao leitor. Uma inspiração. (Fica a dica).

Fonte:
LEVI, Giovanni. O trabalho do historiador: pesquisar, resumir e comunicar. Revista Tempo, 2014. Disponível em scielo.