terça-feira, 21 de abril de 2020

TIRADENTES


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 21 DE ABRIL DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

           
Imagem pictórica de Tiradentes -
pintura de Oscar Pereira da Silva.

Fonte: google.
Me lembro como se fosse hoje a primeira vez que ouvi falar em Tiradentes. Eu estava na antiga 4ª série, na E. E. “Benedito Pereira Cardoso”, quando a querida Tia Ivone pediu que fizéssemos uma atividade. A surpresa com o nome “Tiradentes” foi tamanha que eu mal consegui captar exatamente o que ela pediu que produzíssemos. Fiquei a pensar na profissão de dentista no passado, prestando atenção na professora explicando que antigamente os dentistas trabalhavam arrancando os dentes das pessoas (pelas limitações da época); daí a alcunha dada ao inconfidente Joaquim José da Silva Xavier. Eu, com 10 anos, fiquei reticente em fazer visitas ao dentista; temi, confesso.  
            Depois de passado o susto, me lembro de ter pesquisado sobre a história daquele personagem pela Enciclopédia Barsa, na Biblioteca Municipal; a pedido da Tia Ivone. É claro que não consegui absorver todo o contexto histórico, afinal eu estava na 4ª série. Me lembro, porém, de ter focado nas imagens (provavelmente quadros de Pedro Américo, Oscar P. da Silva ou Francisco Aurélio); em como o rosto de Tiradentes lembrava sofrimento e, ao mesmo tempo, salvação. A impressão foi confirmada pela aula da Tia Ivone, que discorria sobre a história de Tiradentes como um herói nacional.
            Hoje, depois de formada em História e mais de duas décadas depois de ter sido apresentada a Tiradentes, fico a refletir sobre o poder do Estado mediante à censura de liberdade de manifestações (o que aconteceu na Inconfidência durante o Brasil Colônia) e também à manipulação de pensamentos através da heroicização de certos personagens (como fez o governo republicano com a figura de Tiradentes no final do século XIX). É claro que o governo que condenou Tiradentes (português, na Colônia) não é o mesmo que o personificou como salvador (republicano); mas fica a reflexão sobre como o Estado pode agir sobre nossa cultura e pensamento. Em menos de cem anos, Tiradentes passou de “traidor” a “herói”, e ainda hoje é rememorado em feriado nacional. Não é hora de repensarmos sobre quem cria os nossos heróis? Sobre quem.

terça-feira, 14 de abril de 2020

AOS JORNALISTAS, A HISTÓRIA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 14 DE ABRIL DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Edição de "O Sertanejo" de 31/03/1912, ed. 383,
estampando o perfil de seus redatores, jornalistas e
diretores
(Fonte: Arquivo do Museu "Ruy Menezes").
             Dia 7 de abril foi o “dia dos jornalistas”, profissionais necessários e especialmente úteis em todas as épocas. Onde há jornalista, há informação. Aplausos!
            Há, ainda, que considerarmos um outro olhar a estes profissionais (fora do presente); quando os jornalistas se tornam contadores de vivências e produtores de vestígios sobre uma época. Isto é, quando se tem a intenção de estudar um certo período da sociedade no passado, os jornais tornam-se fontes imprescindíveis de informações e detalhes ao historiador. Desta forma, tem o jornalista a capacidade de eternizar os fatos, pelo menos através da sua visão, conceituação e entendimento da realidade. Torna-se, portanto, agente produtivo de vestígios a serem estudados pelos historiadores do futuro. Escultor de uma realidade horizontal.
            No entanto, outra perspectiva também precisa ser apontada. Além de agente, o jornalista é personagem do tempo, visto que é um ser humano, cidadão e profissional dotado de opiniões, circunstâncias e visões particularizadas. Por mais que a imparcialidade seja o objetivo (ao menos em tese), os discursos são montados de acordo com a realidade do presente, a necessidade da redação do jornal e as tratativas da época. Talvez sejam essas individualidades, assim como as intencionalidades do jornalista e do jornal em si, que interessem mais ainda aos historiadores. Afinal, são estes os verdadeiros vestígios humanos que a História sempre tenta captar – mais do que o fato, é o homem que ela quer interpretar, investigar e traduzir no tempo. Ao se debruçar em jornais antigos, os perfis dos jornalistas, inclusive as assinaturas em pseudônimos, são o alvo e, simultaneamente, o primeiro rastro a ser desvendado diante aquela fonte histórica; depois vêm os fatos, as fotos, as informações, os detalhes e todo o resto.
            Portanto, caros jornalistas, contribuam ao futuro da História com suas assinaturas nos textos – os seus perfis são essenciais para a compreensão de quando o hoje virar passado. De agentes da informação, vocês se tornam personagens do tempo.

terça-feira, 7 de abril de 2020

SOBRE A QUARENTENA


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 07 DE ABRIL DE 2020 
(página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Imagem ilustrativa da obra "O Diário de Anne Frank" 
(Fonte google)

           
O isolamento social e a consequente quarentena não têm sido fáceis para ninguém. Para quem mora sozinho, a solidão pesa. Aqueles que tem crianças, se desbravam em distraí-las e instruí-las num ambiente fechado, driblando e reconduzindo a energia de dentro delas. O home-office tem sido uma alternativa para certos profissionais, porém, outros se desesperam em não ter essa possibilidade.
            Tivemos, portanto, de nos reinventar e nos apegar à esperança de que tudo isso um dia acabe. O problema é que, mesmo protegidos contra o coronavírus em casa, o isolamento, quando não bem administrado, pode potencializar e gerar outras doenças à mente e ao corpo. O medo e a desesperança causam pânico. Mesmo com mensagens de incentivo vindas das autoridades e de líderes religiosos, muitas pessoas parecem focar no pânico e manifestam sinais claros de ansiedade, depressão, tristeza, dores, etc.
            Nenhuma dor é pouca. Nenhuma dor deve ser desmerecida, descreditada ou invalidada. Porém, talvez exista algo que possa minorar essas sensações, como por exemplo, focar na proteção que o isolamento oferece, nas estatísticas proporcionais de redução de contaminação e na contribuição ao não colapso do sistema de saúde. Ainda mais, pensar em exemplos piores também nos fazem refletir sobre como somos privilegiados em nos manter isolados no aconchego de nossos lares.
            Livros como “O Diário de Anne Frank” são necessários mais do que nunca. Essa obra, publicada após o fim da 2ª Guerra, é a descrição do diário da adolescente Anne, que, junto à sua família e à família Vaan Dan, tiveram de ficar escondidos (não em quarentena, mas escondidos) por 2 anos dentro de um pequeno anexo. O motivo? Simplesmente para não serem mortos, pois eram judeus, e fugiam do genocídio nazista durante o período hitlerista. Não podiam sequer abrir uma fresta da cortina. Dois anos sem ver o sol, comendo mal, se arriscando, para no fim... Enfim. Leiam o livro, e tirem suas próprias conclusões. A nossa quarentena vai parecer um bálsamo.  


quarta-feira, 1 de abril de 2020

A VISÃO DE UM HISTORIADOR

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 31 DE MARÇO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 
Imagem ilustrativa - fonte google.

             É curioso ser historiador e viver num momento evidentemente marcante na história mundial. É fato que a pandemia do coronavírus marcará de sobremaneira a vida humana, graças a extensão econômica, social, política e cultural que ela alcançou a nível mundial. Por isso, é sim um momento histórico. Não é o vírus que virará História, mas sim o comportamento do homem diante dele.
            O historiador lida, claramente, com o passado. Portanto, pouco está acostumado em se sentir como integrante da História, isto é, como personagem. Está apto para tornar certo episódio em histórico, mas não em se ver nele; somente teorizá-lo. Deste modo, viver um momento histórico como este em 2020 sendo historiador é algo inusitado, pois, por mais que se tente imaginar o fim da pandemia e seus resultados, não é fácil enxergar algo concreto. Historiador trabalha com dados, documentos, entrevistas, imagens e vestígios – tudo isso disponível para ser cruzado e analisado. Mas, quando se trata de algo que ainda está ocorrendo e os números e as fontes são incertas, simplesmente não há como se historicizar ainda. É precipitado. Há, no entanto, como se imaginar quais serão os temas tratados, todos pautados nos principais pilares: saúde pública, povo e governo.
            Todavia, quando se é historiador, a veia pulsa. Os dedos parecem coçar para se registrar os cenários atuais, a fim de que tais registros possam se tornar futuras fontes. Um historiador, mesmo sendo testemunha ocular desta pandemia, enxerga nela aspectos que um cidadão comum pouco consegue captar: os discursos se sobrepondo à realidade; a cidadania sendo exercida pelo cumprimento à interferência do Estado; a politicagem se apropriando da comoção popular; a ciência sendo colocada à prova pelo senso comum e a esperança nas políticas públicas da Economia. Todas características presentes em outros tempos da vida humana. Seria, então, um tormento ao historiador enxergar tanta repetição no tempo? Ou um privilégio saber que mudanças estão por vir? Aclamação ou látego, eis o destino do historiador (mesmo quando se é personagem).