quarta-feira, 25 de março de 2020

QUANDO O PRESENTE VIRAR HISTÓRIA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 25 DE MARÇO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

          
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E quando tudo isso passar, o que restará? A História. Os registros. As narrações. As fontes. Hoje, confinados em nossa residência (pelo menos aqueles que assim podem ficar), estamos sentindo na pele os efeitos da pandemia do coronavírus. Afinal, é para poder salvar vidas que permanecemos confinados, o comércio fechado, as autoridades trabalhando, a imprensa informando e os profissionais da saúde se desdobrando. Este é o cenário do presente. Mas, e quando isso virar passado?
            Imagine-se no futuro, sendo identificado como uma testemunha ocular deste momento histórico. Quais pontos você lembraria e narraria sobre este momento? Elencaria “heróis”? Por outro lado, imagine-se lendo um livro de História sobre este período, cuja realidade você testemunhou; será que você se identificaria com o que ali estaria narrado? Certamente, você seria uma importante fonte para complementar este suposto trabalho histórico, visto a potencialidade de uma testemunha oral. As memórias, as vozes, as mãos e as lágrimas dão vida a estas produções. Acredite.
            O que ficará para a História será uma amplitude gigantesca de temas: a recessão econômica, a mobilização da saúde pública, o avanço das pesquisas nas universidades, a visibilidade das autoridades (notadamente os estados e suas autonomias), a posição do chefe de governo e seus ministros, a notoriedade da imprensa, a suspensão do mundo da cultura e do entretenimento, as interferências governamentais nos direitos individuais (o acatamento e o descumprimento delas), o pânico popular frente à uma suposta falta de alimentos, a inflação nos itens básicos, o comportamento solidário com os idosos, o afastamento dos alunos da escola e o desespero do mercado informal; são somente alguns dos temas que agora vislumbramos como futuros estudos. Porém, certamente, dependendo do viés histórico, a História nos analisará a luz de muitas outras gotas desta tempestade que agora vivemos e ainda não enxergamos. Talvez porque o que queremos seja somente que ela passe. E que logo venha o arco-íris.

A PANDEMIA DE 1918


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 17 DE MARÇO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

        
Sede do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos em 1918.
(Fonte: Álbum Comemorativo do 1º Centenário
da Fundação de Barretos).
   
Desde que se tornou pública a pandemia do novo “coronavírus”, causador da Covid-19, a imprensa tem se dedicado em alertar as populações quanto às medidas de prevenção e todo tipo de informação. Diante deste tema, levanta-se a questão a respeito dos outros momentos em que o mundo se viu vítima de históricas pandemias.     
            A Gripe Espanhola, alastrada em 1918, é o caso mais citado de pandemia na história mundial, e constantemente revisitado. Isso porque, na época, os números de infectados (estima-se em 500 milhões de pessoas) e de vítimas foram alarmantes, afinal 3% da população mundial teria sido morta. O contexto histórico dava-se em meio à 1ª Guerra, época de grandes aglomerações internacionais – principalmente nos campos de batalha, contribuindo para a rápida disseminação além-mar. O contato entre as massas urbanas já emergentes neste período, somadas à incipiente estruturação da saúde pública, a falta de profissionais preparados e a inexistência de remédio para a cura, contribuíam ainda mais para a contaminação pelo vírus em todos os continentes.
            No Brasil, os estragos não tardaram a chegar, inclusive com várias mortes de pessoas conhecidas. Em vários cantos do país há registros sobre a chegada dessa doença tão avassaladora. Em nossa cidade, por exemplo, os casos da gripe espanhola se espalhavam dia a dia, atingindo crianças, adultos e idosos e fazendo vítimas a todo instante. O caso foi tão grave que nem o único (e pequeno) hospital existente – a Casa de Caridade que funcionava na Sociedade Espírita “25 de dezembro” – conseguia atender a demanda. Logo, o Grêmio Literário e Recreativo disponibilizou sua sede para se tornar um “hospital provisório” a fim de abrigar os doentes, notadamente os desvalidos, contando com os serviços dos profissionais da saúde e de leigos voluntários.
            Passados mais de cem anos, como a cidade se preparará para uma nova pandemia? Os tempos são outros, o arsenal de remédios e a medicina evoluíram; mas, seria isso o suficiente? Que aprendamos a pensar em saúde pública!

ÀS MULHERES, O QUE REALMENTE IMPORTA


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 10 DE MARÇO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Hoje escrevo como mulher, não no sentido biológico, e sim social – é preciso que essa diferença seja ressaltada. Desde 1949, em “O Segundo Sexo”, Simone de Beauvoir já dizia o óbvio: “Não se nasce mulher, torna-se”. Isto é, por todos os estímulos que recebemos desde a infância, nosso comportamento é determinado. Nosso “xx” biológico é também caracterizado pelo meio em que vivemos. Essa clássica reflexão da filósofa francesa sempre me vem à tona nas comemorações do Dia da Mulher; momento em que a figura feminina é homenageada pela sociedade (o meio).
            Algumas dessas homenagens se manifestam de maneiras diversas, como premiações, palestras, textos e músicas. Porém, sempre me incomodou as homenagens que rotulam as mulheres em certos estereótipos demarcados, como, por exemplo, imagens ligadas exclusivamente à maternidade, beleza, pureza e até sacralidade. São características que podem sim estar presentes à figura feminina, mas não como algo que generalize a essência da “mulher”. Afinal, ser “mulher” é algo que ultrapassa rótulos, visto a diversidade das funções que uma mulher exerce e dos espaços que ocupa.
            Todavia, há alguns anos, as homenagens estão mudando. Este ano, por exemplo, as professoras da escola dos meus filhos homenagearam as mulheres que usam lenço na cabeça por conta de tratamento de saúde – um olhar lindo que desmistifica que a mulher (princesa) não usa necessariamente coroa (e sim lenço). Vi faculdades promovendo palestras para mostrar a realidade dos dados sobre a violência contra a mulher, a insistente desigualdade salarial e todos os direitos que ainda precisam ser conquistados. Observei instituições particulares promovendo premiações para mulheres que se destacaram como empreendedoras dentro de suas áreas profissionais. É isso que querem as mulheres, homenagens traduzidas na vida feminina como ela é! Realidade, estatísticas, direitos, trabalho, força, poder de escolha – são essas as características que precisam agora determinar o que é “tornar-se” mulher. Beauvoir sempre esteve certa.

RETRATISTAS E RETRATADOS (PARTE IV)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 3 DE MARÇO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


            José Monteiro França, o reconhecido pintor paulista, retratista de personalidades políticas e paisagens no estado de São Paulo, estava em Barretos no fim de agosto de 1917. Na conhecida “cidade da pecuária”, Monteiro França hospedou-se no Hotel Martinelli e anunciou sua chegada à imprensa. O jornal “Diário de Barretos” expunha que o artista trazia para a exposição um retrato a óleo do presidente do estado (governador), Altino Arantes; além de estar confeccionando um retrato do dr. Antônio Olympio – líder político local. O retrato de Altino Arantes logo foi adquirido pela Câmara Municipal e, atualmente, encontra-se na coleção do Museu “Ruy Menezes”.
            O jornal evidenciava o artista com uma produção “cujas telas lhe tem merecido os applausos de toda a imprensa, pela perfeição do lavor e pela tonalidade das cores que sabe imprimir às suas pinturas, duma polychromia forte e de efeitos surpreendentes” [sic] (28/08/1917, p.1). Tais palavras foram carregadas de adjetivos pela popularidade e reconhecimento acadêmico do pintor, o qual naquela época contava com cerca de 40 anos, jovem, mas já possuidor de importantes estudos e condecorações.
            José Monteiro França (1876-1944) era paulista de Pindamonhangaba, foi pintor, professor, decorador e jornalista. Formou-se, em 1904, na Escola Nacional de Belas Artes, onde fora aluno dos renomados pintores italianos Henrique Bernardelli e Berárd, mestres que o influenciaram no estudo da arte italiana. Entre 1904 a 1906, Monteiro França recebeu bolsa e estudou na Itália. Suas telas eram elogiadas pela maneira com a qual ele se utilizava das cores, nem tanto pela intensidade do tema retratado.
            Ao retornar para o Brasil, em 1914, Monteiro França participou de novas exposições e fez excursões pelo interior e litoral paulista, produzindo retratos e telas com paisagens para venda. É neste ínterim que ele visitou a cidade de Barretos e deixou o seu legado com o retrato de Altino Arantes; retrato este que por mais de um século permanece no antigo paço municipal - hoje Museu. [fim].

RETRATISTAS E RETRATADOS (PARTE III)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 25 DE FEVEREIRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


Agnello Corrêa, quando chegou a Barretos, em 1905, tão logo recebeu a encomenda de retratar os políticos Jorge Tibiriça (governador de SP) e Rodrigues Alves (presidente da República). Fato que revela como os políticos republicanos eram idealizados como líderes, inserindo-se à criação do imaginário republicano.
A mesma realidade se aplicava às lideranças locais, no caso dos prefeitos, presidentes do legislativo e juízes. Eram personalidades retratadas por artistas reconhecidos, cujas assinaturas promoveriam relevância e operosidade. O artista Agnello Corrêa, por exemplo, veio à cidade, produziu obras, vendeu-as, recebeu mais encomendas e depois retornou. Assim, “O Sertanejo” já o anunciava com preponderância: “Tão conhecido e sympathisado como é no nosso meio, onde enriqueceu diversos lares e a galeria da sala da municipalidade” (01/10/1905, p.1).
            A cada obra produzida por Agnello (cerca de 7), o jornal narrava a forma pela qual o retrato era recebido. Inicialmente, destacava-se o fato de a encomenda ter sido feita como um presente de certos amigos para homenagear o retratado; depois, a entrega do quadro era feita por festejos – incluindo banda de música, fogos, discursos e até bailes na residência do homenageado. Exemplo disso vê-se na entrega do quadro a Olavo de Carvalho, onde: “A noticia circulou de bocca em boca com uma velocidade electrica, de sorte que aquillo que deveria ter um caracter nimiamente particular, assumiu às proporções dum acontecimento [sic] (O Sertanejo, 07/05/1905, p. 2).
            Já a entrega do quadro do juiz João Baptista Martins de Menezes ocorreu-se de maneira solene, utilizando-se do espaço público da Câmara como um local de mistura do “público-privado”: “Apenas terminando este discurso rompeu o hymno nacional e o Presidente da Camara correu a cortina que encobrira o retrato que se inaugurava sob ruidosa salva de palmas, sendo o manifestado coberto de flores que lhes atiraram – gentis senhoritas que o rodeavam [sic] (O Sertanejo, 14/05/1905). [continua].






RETRATISTAS E RETRATADOS (PARTE II)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 18 DE FEVEREIRO DE 2020 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS

  
            Agnello Corrêa, vindo de Campinas, foi o primeiro pintor de retratos a óleo que o jornal “O Sertanejo” anunciava como visitante em Barretos no ano de 1905. Artista reconhecido em Campinas, viajava entre várias cidades do interior paulista apresentando obras de retratos individuais de governantes políticos, além de produzir retratos por encomendas de pessoas das localidades por onde visitava.
Esses retratos – do tipo pintura – desde o século XVI no Brasil tentavam enfocar personagens “importantes”, vistos como “históricos e políticos”. Mas, a partir do século XIX, tornaram-se mais intimistas, passando a simbolizar ascensão social (como no caso dos fazendeiros de café). Mesmo com os recursos da reprografia e da fotografia, os retratos a óleo ainda eram benquistos pela “elite social e letrada”, por permitirem o uso de cores (diferente do preto e branco da foto), a dedicação nos traçados na face do retratado, além da assinatura do pintor. Muitos destes quadros eram encomendados como presentes ao retratado homenageado, para serem pendurados em suas residências ou nos edifícios públicos (no caso daqueles que ali ocupavam cargos).
Assim, ocorreu em Barretos, onde, no ano de 1905, Agnello Corrêa retratou personalidades conhecidas como o dr. Antônio Olympio Rodrigues Vieira (prefeito), João Baptista Martins de Menezes (Juiz de Direito), Olavo de Carvalho (serventuário do cartório e maestro), Raphael da Silva Brandão (presidente da Câmara), Francisco de Almeida Silvares (tabelião); além de ter vendido à Câmara Municipal retratos do presidente da República, sr. Rodrigues Alves, e do presidente do estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá.
A Câmara Municipal foi o principal destino destes quadros, e, depois de inaugurado, o Paço Municipal se reservou a isso. Tanto que, o prédio da antiga prefeitura hoje abriga o Museu “Ruy Menezes”, e, ali encontram-se arquivadas algumas das telas de Agnello Correa; especialmente a do governador Jorge Tibiriça, do prefeito Antônio Olympio e do Cel. Raphael Brandão. [continua].