terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A CULTURA EM EXERCÍCIO (PARTE I)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 24 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 
         
"O Pensador" de Auguste Rodin
1904, escultura em bronze.
Museu Rodin, Paris-França.
               Fim de ano é tempo de reflexão. Momento de introspecção sobre nossas atitudes, conquistas, derrotas e aprendizados. As perspectivas que podemos analisar as faces da vida podem ser: ética, relacionamento, profissão, financeiro, família, etc. Mas, pouco se pensa sobre “conhecimento”. Sobre cultura. O quanto você investiu em cultura este ano, a ponto de dizer que aprendeu algo novo, refletiu diante o ponto de vista das pessoas, ouviu os outros, praticou leitura constante, se interessou pela política do país, discorreu opiniões baseadas em bons argumentos? Se a sua resposta foi “não” ou “nem tanto”, talvez seja a hora de colocar a “cultura” como exercício para o ano que se anuncia.
            O conceito “cultura” é amplo e demasiado complexo para se alongar nestas tão curtas linhas. Cultura é tudo aquilo que se possa aprender, o “saber fazer” que atravessa gerações. É o produto da emoção e da informação. Traduzindo para “linguagens”, pode-se sobrepor a Cultura às artes e à ciência: artes plásticas, música, literatura, teatro, cinema, paisagismo, arquitetura, anatomia, meio ambiente, Física, Filosofia, Antropologia e História e tantas outras coisas. Ao se deparar com tais linguagens, talvez a primeira reação seja a emoção, mas, é certo que dali se tire também a “informação”.
            Ao visitar uma exposição, apreciar um concerto musical, ler um romance, refletir uma teoria filosófica, debater política ou conhecer acervos de museus, é visível que a pessoa saia dali aprendendo algo novo, compartilhando com as demais aquele universo de conhecimento absorvido e refletido. Por menor que seja o tempo dedicado à cultura, se for com atenção, todo aprendizado dali originado é sim um “universo”. Deste universo, gera-se cidadania, política, educação, assistência, comunicação e evolução. A cultura é capaz de transformar um ato íntimo num bem coletivo; pensamento em ação.
Este pequeno artigo é um exemplo disso. Vinte e cinco linhas escritas diante o pensamento de uma frase icônica do mestre Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”. Que essa “simplória” frase sirva de reflexão a você. (Sempre é tempo).

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

SOBRE ALPONDRAS (QUE HÁ EM NÓS)


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 17 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

         
Eu com o autor da obra "Tempo Bom em Alpondras",
 Marcos Diamantino, na sede da Academia
Barretense de Cultura.
  
A noite de 10 de dezembro foi especial à Academia Barretense de Cultura por conta do lançamento de mais um romance do acadêmico Marcos Diamantino. Ocupante da cadeira 15, o escritor agrupa funções de jornalista, professor e artista, enobrecendo o celeiro dos imortais. Ser leitor de Diamantino já virou praxe em Barretos.
            No romance “Tempo Bom em Alpondras”, de narrativa sútil, o autor descreve cenários, personagens e situações de fácil imaginação. O ponto crucial, porém, é a reflexão subjetiva a ser construída. O local da trama é a “pacata” cidade de Alpondras, onde o escritor materializa panoramas clássicos como ruas, casas, comércios, clubes, instituições, rios e fazendas. Ali residem as personagens que são descritas em suas personalidades e com nomes um tanto excêntricos. O fato é que cada personagem representa um perfil social interessante, cabível no contexto atual, e, conforme o desenrolar, temas importantes e contemporâneos pululam em nossa mente: internet, redes sociais, fake news, discursos de ódio, intolerância, violência, impunidade, identidade. A leitura nos leva à análise sobre nossos próprios comportamentos. Fato.
            Diante o assassinato de três pessoas, o jornalismo investigativo e a soltura de comentários vazios nas redes sociais, o narrador cria perfeitas condições de reflexão, de realidade. Além da própria escrita te transportar a contextos diferentes, uma vez que o discurso do narrador, com seus diálogos, é essencialmente distinto das novelas narradas por uma das vítimas, o escritor Gualberto Lopes. As novelas e contos discorridos por este personagem são de uma escrita envolvente, sendo talvez os momentos de maior reflexão da obra. Dimas e Ruth, casal central, são os que movimentam a ficção, mostrando que aquela Alpondras não era mais (ou nunca foi) uma estática cidade, que fazia jus a sua denominação (pedras que serviam de ponte em riachos); era na verdade um reflexo da sociedade contemporânea, dos discursos permissivos e da impunidade recoberta. Alpondras poderia ser qualquer cidade, a minha ou a sua.

       

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

A POESIA DO ARQUIVO – PARTE III


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 10 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

      
Karla (historiadora) e Raquel (museóloga) no arquivo do Museu "Ruy Menezes"
(Foto de 2014)
     
Tem um momento em que o historiador ou pesquisador (sim, tem diferença entre os termos) precisa não se importar tanto com a poesia do arquivo: quando o essencial é a preservação do documento e a acessibilidade a ele. Quanto menos se manuseia um documento, mais condição de durabilidade se oferece a ele. Em um documento raro ou em estado avançado de degradação é necessária sua digitalização, para salvaguardar as informações ali contidas e a sua sobrevida.
            A tela fria do computador, contendo nele os documentos digitalizados, pode não ser tão “poética” quanto o manuseio com as luvas e a proximidade com a textura do papel, mesmo assim, a conservação do material é primordial. Além de que, na maioria dos casos, torna-se até mais confortável a leitura do documento digitalizado, com opções de zoom, recortes e jogos de luzes.
            Os arquivos digitais vieram para ficar. Já são realidade nos grandes centros do Brasil e permitem o acesso à informação de uma forma avassaladora, na velocidade da internet. A Biblioteca Nacional oferta aos navegantes de seu site uma hemeroteca digital que possibilita a leitura de jornais do país inteiro, assim como revistas e diversos tipos de manuscritos. No estado de São Paulo, o Arquivo do Estado de São Paulo dispõe virtualmente de um repositório digital que integra variados tipos de documentos, inclusive temáticos como imigrantes, educação, saúde, etc. A Biblioteca Mário de Andrade, o jornal “O Estado de São Paulo” e o Instituto Brasileiro de Pesquisas também transbordam arquivos preciosos para consulta. São múltiplas as instituições públicas e privadas que democratizaram seus arquivos por meio da internet, mesmo que em alguns casos seja essencial a presença física.
            Pesquisar onlline pode ser menos poético, mas não menos importante. Sem o tato e o olfato, ao menos a visão dá condições perfeitas de diálogo com o passado. A poesia do arquivo encontra-se também na nobreza de sua conservação. [fim].  

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A POESIA DO ARQUIVO – PARTE II

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 03 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


           
O arquivo do Museu "Ruy Menezes" é precioso.
Foto de 2011.
Se o arquivo tem sabor, conforme descreveu Arlette Farge em seu clássico livro, certamente tem outros elementos que o “humaniza”; o naturaliza. O arquivo parece inerte, mas é inquietante, tem cheiro, gosto, som, luz, temperatura. Carrega nas paredes, estantes e envelopes, cores que naturalmente nos conduzem ao passado. É de fato o caminho para ali se chegar, estacionar, mergulhar e conhecer.
            Em Barretos, não há arquivo público, pelo menos não como instituição independente e agregadora. Mas, o Museu “Ruy Menezes” assume esse posto há anos, sustentando na parte subterrânea do prédio, um arquivo de documentos, jornais, fotografias, cartas, folhetins, álbuns, livros, livretos, revistas e outros papéis de imensurável valor. Boa parte deste material encontra-se digitalizada democratizando o acesso e preservando o material. (Louvável isso!). Este setor de pesquisa do Museu é a sua ponte de diálogo com a comunidade acadêmica e a memorialística.
            Antes mesmo de se deparar com os documentos ali arquivados, o historiador ou pesquisador que vai ao Museu encontra um ambiente favorável ao retorno do passado. Não necessariamente uma nostalgia, pois o passado nem sempre reflete saudade, mas uma interlocução entre os tempos. A arquitetura do prédio, o piso de madeira, os azulejos encobrindo o chão em certa parte e as peças são um convite a esse clima. A descida pela escada centenária é, sobretudo, a ponte que nos conduz ao tempo pretérito.
            Na história da cidade, se o passado tem cor, pode ser que seja o amarelo ocre dos envelopes que arquivam os papéis velhos, se tem cheiro pode ser o dos móveis amadeirados do museu e se tem luz pode ser a meia-sombra que se projeta naquele subterrâneo. O som do passado é certo que venha não só das vozes presas nas palavras escritas à caneta de pena nos documentos ou na tipografia dos jornais, mas no desdobrar do papel-manteiga que envolve esses mesmos documentos e no barulho suave das luvas transparentes ao retirá-las das mãos. Pó, poeira e poesia! [continua].

Link da publicação no site do jornal "O Diário":

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A POESIA DO ARQUIVO – PARTE I

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE NOVEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 
           
        O arquivo histórico tem poesia. Poético no sentido subjetivo, de inspiração, abstração, absorção e transposição. A poesia ali captada, por olhos sensíveis, reside na forma física dos documentos amarelados abatidos pelo tempo, bem como nos sons que se fazem ouvir nas linhas e linhas deitadas nas pilhas de papéis. O silêncio característico do arquivo é um convite perfeito à leitura concentrada, e, mais, é o caminho para a entrada ao passado, para se conseguir escutar aquelas vozes horizontalizadas em letras de difícil leitura e grafia ultrapassada. (A cabeça chega a tontear).
            Arlette Farge, historiadora francesa, ao descrever suas pesquisas em documentos policiais do século XVIII, descreve o “sabor do arquivo”, título de seu livro: “Verão ou inverno, é sempre gelado; os dedos se entorpecem ao decifrá-lo ao mesmo tempo em que se tingem de poeira fria no contato com seu papel pergaminho ou chiffon. É pouco legível a olhos mal exercitados ainda que às vezes venha revestido de uma escrita minuciosa e regular. Encontra-se sobre a mesa de leitura, geralmente em pilha, amarrado ou cintado, em suma, em forma de feixe, os cantos carcomidos pelo tempo ou pelos roedores; precioso (infinitamente) e danificado, manipula-se com toda delicadeza por medo de um anódino princípio de deterioração se torne definitivo” (p. 9).
            Seu livro aponta como os documentos dos arquivos são capazes de dar voz à quem a História nem sempre personifica, além de permitir a construção do passado sob fontes que a priori não têm a intenção de descrevê-lo, mas que pelo olhar do historiador se tornam o instrumento para se alcançar os tempos idos. É quase dialético o trabalho do historiador dentro do arquivo: retirar de um documento despretensioso atores anônimos, características despercebidas e apelos incontidos. É prender os olhos naquelas palavras borradas, de tal forma, que se esprema dali a realidade, mas sem forçar, sem inventar – alinhavando no documento a pergunta do tempo presente com a resposta esmiuçada no passado. É ou não é poetizar-se? [continua].

Link da publicação no site do jornal "O Diário":

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

400!

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 19 DE NOVEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Publicação de "O Diário", em 2008,
quando comecei a escrever para o jornal.

            Em desacordo com o costume, escrevo hoje em 1ª pessoa. Não me acostumo em usar o “eu”, talvez pela crença de que o leitor encontre mais verdade no texto dissertativo. Texto que tinha tudo para ser “frio”, porém, na verdade, propõe-se em descongelar o passado. E, cá estou ousando em escrever tão diretamente, na intenção de comemorar meus 400 artigos publicados pelo jornal “O Diário”; desde 2008.
            Há quase 12 anos, carrego comigo o desafio de escrever sobre a história da cidade; de seus recortes. Me debruço sobre jornais antigos, esquadrinho livros memorialistas, escuto com atenção os mais idosos, decoro até os números de envelopes do Museu “Ruy Menezes”, tudo por conta da árdua missão de escrever História. Mas, não qualquer uma. Uma história da cidade que seja mais plural, acessível, que atinja novos temas e grupos sociais; e, que, sobretudo, tenha por base uma gama de citações de referências e fontes. Uma história local que ecoe formas e rostos, sem coroá-los.
            O respeito pelas obras memorialistas precisa existir, afinal os livros de Osório Rocha e Ruy Menezes, assim como os registros de jornais por Jesuíno de Mello, Vírgilio A. Ferreira, Olindo Menezes, José Eduardo O. Menezes, Paulo Bezerra e outros tantos, são as fontes mais fecundas para a produção da história local. São memórias vivas horizontalizadas; as quais contribuem para a práxis da ciência histórica.
            Sem pretensões, o que proponho é uma história local construída por análise de fontes e cruzamento de dados. Que tenha como base um discurso com menos adjetivos, sem exaltação dos tempos idos, muito menos de seus personagens. O que se deve avaliar (e elogiar se for o caso) são as obras das pessoas, não elas em si. É bem verdade que a História se faz pelas pessoas, mas isso não significa que ela precise ser usada como uma plataforma para valorizá-las. A História, principalmente de uma cidade, tão próxima a quem vive e lê, tem de ser um aparelho de questionamento e (auto)conhecimento; - meu eterno desafio. Que venham mais outros 400!

Link da publicação no site do jornal "O Diário":
https://www.odiarioonline.com.br/noticia/89191/400

terça-feira, 12 de novembro de 2019

ANDRADINA, A ESCRITORA DAS MULHERES – PARTE III

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 05 DE NOVEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

           
Capa do livro "Esmeraldas" de Lola de Oliveira,
editado em 1924, em São Paulo.

(Fonte: Arquivo Histórico de Ribeirão Preto-SP)
A gaúcha Andradina América de Andrade e Oliveira publicou cerca de 26 obras entre livros e conferências. Sabe-se que ela e a filha Lola Oliveira, também escritora, se sustentavam pela venda dos livros e das conferências que realizavam. Entre 1915 a 1920, as duas realizaram uma turnê cultural nos países vizinhos Uruguai, Argentina, Paraguai e em Mato Grosso. Sobre isso, o “Estado de S. Paulo”, em 1/4/1924, exclamava que Andradina: “encetou há alguns anos, uma longa excursão pelo interior do Brasil. A pé, atravessou as florestas do Paraná, de Mato Grosso e do Paraguai, colhendo impressões para o seu livro “Através da minha pátria”. Visitou as cataratas de sete quedas e alguns outros dos mais formosos recantos do Brasil, ainda desprovidos de meios regulares de comunicação e, por isso mesmo, pouco conhecidos. Tem, ainda em preparação um livro intitulado “Na terra dos Andradas”. Pelo que se sabe, tais livros não foram publicados como seu desejo, fato que demonstra a grande produção literária da escritora não aliada a suas condições financeiras para publicação.
A partir da década de 1920 ela e a filha mudaram-se para o estado de São Paulo, residindo em Jaú e Ribeirão Preto. Nesta última, Lola publicou diversos livros de poesias com nomes de pedras preciosas, entre eles Ametistas, Esmeraldas e Rubis. Durante os anos 1920, o jornal Correio Paulistano noticiava algumas conferências que Andradina realizava em cidades como Ribeirão Preto, Campinas, Casa Grande e São Paulo. Nestas, os temas das conferências foram “A mulher não é inferior ao homem”, “Pátria de Bilac” e “O dia e os dias”, apresentando-se inclusive no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, renomada instituição cultural.
            Andradina morreu em São Paulo no ano de 1935, parece que estava acometida por insanidade mental, principalmente após da Revolução de 1932, onde participou de maneira efetiva e chegou a ser presa. Sua filha Lola continuou o legado da mãe como escritora, revelando-se talentosa na publicação de diversos livros. [fim].

ARQUIVOS, FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FLORES, Hilda A. H. (org.). Divórcio? (de autoria original de Andradina A. Andrade e Oliveira – 1912). Porto Alegre: Editora Mulheres, 2007.
CORREIO PAULISTANO, jornal de São Paulo: edições diversas da década de 1920.
O ESTADO DE S. PAULO, jornal de São Paulo: edições diversas da década de 1920.
A VIOLETTA: Orgam do Gremio Litterario Julia Lopes; Revista de Cuiabá (MT), edições de 1918.

Link do artigo publicado no site do jornal "O Diário:

ANDRADINA OLIVEIRA EM BARRETOS – PARTE II

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 05 DE NOVEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


Capa original do livro "Divórcio", de 1912.
(Fonte: FLORES, H., 2007).
Ainda no RS, a escritora e conferencista Andradina de Oliveira fundou o jornal “Escrínio”, onde manteve publicações literárias com estilo transitório entre o romantismo e realismo, além de textos sobre o heroísmo feminino e a luta por direitos da mulher. A marca feminina em seu jornal também era notada pela colaboração de escritoras excelsas como a carioca Júlia Lopes de Almeida e a mineira Presciliana Duarte de Almeida. Neste jornal, Andradina era a redatora e sua filha Lola a secretária, atuante também como exímia pintora e desenhista. Ao longo de suas carreiras, Andradina e Lola colaboraram em outros periódicos, como a Revista “A Violeta”, do Mato Grosso, na qual constam diversos de seus poemas e notas sobre a trajetória das duas pelo Brasil.
O livro mais emblemático da carreira de Andradina foi “Divórcio?”, publicado em 1912, pela Livraria Universal em Porto Alegre (RS). Nesta obra, composta por uma introdução seguida de 25 cartas, a autora em uma linguagem comovente, real e direta, retrata os males e as consequências do casamento arranjado, a sina das viúvas, a negação da vida profissional, a falta de independência e dos direitos femininos. Em consequência, a escritora revela o divórcio pleno como solução à maioria dos problemas gerados pelos casamentos infelizes. Defendia as mulheres e homens que desejassem desfazer o enlace matrimonial de maneira plena, com a possibilidade de ambos refazerem suas vidas sem qualquer tipo de prejuízo legal ou moral, inclusive se casando novamente se assim desejassem. À época, as principais correntes e instituições no Brasil que encobriam o divórcio pleno era o positivismo republicano; o catolicismo ultramontano e a maçonaria. Instituições presentes nas esferas políticas que não aprovavam o divórcio pleno na forma legal. A todos estes grupos, Andradina se dirigia diretamente em seu livro, lançando argumentos simples, cujo maior endereço era a felicidade das pessoas. Dizia que ninguém precisava se divorciar se não quisesse, mas que não negasse a outrem que assim almejasse. Suplicava o que para nós, do presente, parece o óbvio. [continua].

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FLORES, Hilda A. H. (org.). Divórcio? (de autoria original de Andradina A. Andrade e Oliveira – 1912). Porto Alegre: Editora Mulheres, 2007.


Link do artigo publicado no site do jornal "O Diário:

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

ANDRADINA, A ESCRITORA DAS MULHERES – PARTE I


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 29 DE OUTUBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Andradina América de Andrade e Oliveira.
(Fonte: FLORES, Hilda A. H. (org.). Divórcio?
(de autoria original de Andradina A.
Andrade e Oliveira – 1912), 2007, p.20)
            Em 17 de dezembro de 1921, veio a Barretos uma importante escritora brasileira desde o tempo oitocentista, a gaúcha Andradina América de Andrada e Oliveira (1864-1935). Visitou a Santa Casa de Misericórdia, único registro detectado até então, e ali deixou no livro de visitantes, na primeira página, suas impressões em forma de erudita e sentimental literatura: “E já que não é possível conservar-se vazia que se misture os infelizes a piedade imensa dos corações dulcidos dos meus patrícios, Dr Xavier de Almeida Júnior, Sr João Machado de Barros”.
            Francisco Xavier de Almeida Júnior era médico do hospital, goiano, residente em Barretos há mais de uma década e personagem da política citadina. Da mesma maneira, o limeirense João Machado de Barros, político e filantropo, pertencente à mesa diretora da Santa Casa. Ambos, personalidades atuantes como mediadores entre a escritora e a cidade de Barretos, também se dedicavam à produção literária em jornais locais. Ao citar os dois figurões na mensagem de seu próprio punho, torna-se fácil compreender como uma cidade isolada e conservadora naqueles anos 20, recebia uma mulher tão inovadora, feminista e autora de textos insignes sobre os direitos femininos.
            Quando veio a Barretos, Andradina era uma senhora de 57 anos, vindo a falecer em 1935. Já tinha publicado boa parte de suas 26 obras (livros e conferências). Era uma conferencista respeitada, escritora reconhecida e visitante de vários lugares no Brasil, junto a sua filha Lola de Oliveira. Andradina nasceu em Porto Alegre (RS) em 1864, sendo pertencente à família dos descendentes paulistas de José Bonifácio de Andrada. Segundo sua biógrafa, a historiadora Hilda Hübner Flores, da Academia Literária Feminina do RS, Andradina se tornou viúva muito jovem, e viveu de seu trabalho como professora, escritora e conferencista para sustentar seus dois filhos, Lola e Adalberon, falecido aos 20 anos. É após a morte prematura de seu filho, que Andradina se dedica ainda mais à escrita de seus livros e do jornal que havia fundado no sul. [continua].

ARQUIVOS, FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FLORES, Hilda A. H. (org.). Divórcio? (de autoria original de Andradina A. Andrade e Oliveira – 1912). Porto Alegre: Editora Mulheres, 2007.
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. São Paulo: Revista dos Tribuinais editora. 1954.
LIVRO DE VISITANTES DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS, Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Barretos; folha 1.

Link do artigo publicado no site do jornal "O Diário:

http://www.odiarioonline.com.br/noticia/88236/ANDRADINA-A-ESCRITORA-DAS-MULHERES--PARTE-I

O TEATRO AURORA – PARTE III

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 22 DE OUTUBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

            Foram diversas as companhias que se apresentaram no Teatro Aurora, na esquina da Rua 20 com a avenida 17, desde sua inauguração em 1912. Algumas delas foram noticiadas pela imprensa barretense, assim como pelos jornais paulistas, incluindo o “Correio Paulistano”. Neste jornal, é visível o quanto o teatro era usado para finalidades distintas, como espaço para circo (em seu terreno aos fundos), bailes de carnaval, quermesses, reuniões políticas e institucionais, sessões cívicas e conferências; sem contar os recitais, concertos e apresentações teatrais e cinematográficas.
            Quanto ao cinema, dizia uma nota jornalística de 1914, que os empresários do teatro estavam exibindo: “esplendidos programas cinematográficos naquela casa de diversões. Isso tem feito crescer, dia a dia, o número de frequentadores daquele bem montado estabelecimento, com ótimo serviço de buffet”. Em 1912 e 1916, ocorreram animados bailes de carnaval, promovidos por uma sociedade carnavalesca criada no próprio teatro. Mas, parecia ser tradição na cidade, desde os primeiros anos de 1900, a montagem de circos de cavalinhos. Entre tantas companhias de circo, se apresentaram no Aurora: Temperani, François, Guarany, Martinelli, Clementino e Chileno. Notáveis sobrenomes estrangeiros, o que só reforça a característica imigrante em nosso país, especialmente nas atividades de cultura como o circo, teatro, música e cinema.
            Por outro lado, o teatro também foi espaço de episódios trágicos, em seu saguão, no interior e em seus arredores. Tiroteios que terminaram em assassinatos ocorreram envolvendo vítimas em 1914 e em 1919 - como o conhecido tiroteio de motivo político eleitoral tão narrado no memorialismo de Barretos.
            A partir de 1917, a imprensa paulista já solta notas com a denominação “Teatro Santo Antônio” ao antigo Aurora, demonstrando nova fase ao teatro que tanto produziu e propagou cultura ao povo de Barretos, numa época sinalizada por violência, mas que insistia em modernidade, arte e instrução. [fim].

Fontes:
CORREIO PAULISTANO, jornal de SP. Arquivo da Biblioteca Nacional. Edições 17.856; 17865; 17874; 17877; 17886; 17950; 18067; 18128; 18151; 18192; 18253; 18311; 18317; 18414; 18887; 18913; 19018; 19272; 19719. Edições dos anos 1913, 1914, 1915, 1916 e 1917. Acervo da Biblioteca Nacional.
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. São Paulo: Revista dos Tribuinais editora. 1954.

Link da publicação no site do jornal "O Diário":
http://www.odiarioonline.com.br/noticia/88119/O-TEATRO-AURORA--PARTE-III

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O TEATRO AURORA – PARTE II

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 15 DE OUTUBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Césare Gravina, ator de cinema e empresário do
Teatro Aurora em Barretos no ano de 1913.

(Fonte da imagem: google).
            Depois de inaugurado em 1912, o Teatro Aurora, prédio imponente edificado à rua 20, passou a ser palco de companhias teatrais, cinematográficas e artísticas ao longo da década de 1910. Neste ínterim, o teatro ficou sob a responsabilidade de diferentes empresários, os quais mantinham em funcionamento apresentações constantes ao público barretense, mesmo na época existindo o Teatro Éden à rua 18.
            Depois de Antônio Witzel, o criador do teatro, outros empresários assumiram sua administração, incluindo o artista italiano Césare Gravina (1858-1954). Conta o memorialista Osório Rocha, que ele teria vindo a Barretos junto a Companhia Carrara para se apresentar no Teatro Aurora. No entanto, os artistas foram embora e Césare permaneceu com sua esposa, Emma Gravina, em Barretos. Pelos registros da imprensa paulista, é visto que em 1913, Césare Gravina tornou-se o empresário responsável pelo teatro, até meados de junho. Depois disso, saiu de Barretos, foi proprietário de outros cinemas e anos mais tarde já estava nos EUA com carreira sólida como ator de cinema. Em pesquisas pela internet, são vistas várias fotografias dele e listagens das dezenas de filmes em que ele atuou entre 1915 a 1929 naquele país.
            Durante a administração de Gravina e sua esposa Emma, em maio de 1913, veio a Barretos uma companhia de artistas anões para se apresentar no Aurora. Chamava-se “Companhia Liliputiana”, evidente denominação inspirada na obra do inglês J. Swift, “Viagens de Guliver”. Sobre essa companhia, a imprensa paulista relatou que ela: “deixou agradabilíssima impressão. Nos poucos dias que trabalharam no Teatro Aurora, os anões deixaram sinceras simpatias, não só por se mostrarem verdadeiros artistas, como pelo trato afável e cavalheiresco que dispensavam a todos com quem privavam” (Correio Paulistano, 9/5/1913, p4). Anterior a esta companhia, já tinham se apresentado no Aurora outras tantas, como “Irmãos Freire”, “Companhia de Operetas Camerata” e “Companhia de comédias e operetas Rodrigues e Lima”, etc. [continua].

Fontes:
CORREIO PAULISTANO, jornal de SP. Arquivo da Biblioteca Nacional. Edições 17.856, 17.865, 17.874, 17.877, 17.886, 17.924 e 17.934 do ano de 1913.
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. São Paulo: Revista dos Tribuinais editora. 1954.

Link da publicação no site do jornal "O Diário":
http://www.odiarioonline.com.br/noticia/88019/O-TEATRO-AURORA--PARTE-II

Artigo original publicado no jornal "O Diário", 15/10/2019, página 2:

terça-feira, 8 de outubro de 2019

O TEATRO AURORA – PARTE I

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 08 DE OUTUBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

Teatro Aurora, posteriormente denominado Santo Antônio,
à Rua 20, esquina da avenida 17.

(Fonte: acervo do Museu "Ruy Menezes").

            Ainda com o nome de “Rua Alfredo Ellis”, a atual Rua 20, adjacente à avenida 17, ostentava o imponente prédio do “Teatro Aurora”. Edifício que além de modernizar a paisagem urbana com sua pomposa arquitetura numa cidade que ainda ensaiava ares modernos, era também lócus de propagação de cultura e arte. O prédio do teatro ainda se mantém firme, mesmo com aparentes intervenções e divisões comerciais; ali ele resiste em silêncio, mas, para quem tem olhos sensíveis ao passado da cidade, enxerga em seus paredões possíveis passagens que marcaram a história local.
            O prédio foi construído em 1911, era de propriedade de Antônio Witzel – empreendedor na cidade anos antes com a central telefônica e a Empresa Orion. Depois de ter participado de sua inauguração em 1912 e suas primeiras contratações, em junho, Witzel fora assassinado a tiros em Barretos. Não viu seu teatro prosperar.
            E prosperou. Sua inauguração ocorreu em 27/1/1912, com suntuoso baile e oradores, cujas impressões foram transmitidas à imprensa paulista, tanto que “O Estado de S. Paulo” anunciava que no baile seguiram: “dançando sessenta pares no vasto salão, até as 4 horas da manhã. A iluminação e o serviço de buffets foram irrepreensíveis”. Mas, dois dias antes de sua inauguração, o Teatro Aurora já havia sido palco do recital da cantora italiana Clotilde Morosini. Após a inauguração, seguiu seu curso com contratações de companhias artísticas, que se apresentavam por dias, semanas ou meses na cidade. A primeira delas foi a Companhia Carrara, que, em 1912, já possuía 41 anos de atividades no Brasil. Seu proprietário era o ator Luiz Carrara, o qual fechou contrato para 8 apresentações naquele teatro, sendo elogiado pela imprensa. Inclusive, o jornal “O Sertanejo” enalteceu uma de suas atrizes, Justina Laverone, como “uma das de mais talento natural que temos visto pisar o palco da língua portuguesa”.
            Depois da Companhia Carrara, outras vieram abrilhantar o palco do Aurora; que não só de aplauso e pompa se sustentou. [continua].

Fontes:
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1954, p. 9, 276-7.
ROCHA, Osório. Reminiscências, volume I. Ribeirão Preto, Editora Cori, s/d, p. 186, 188.
O SERTANEJO, jornal hebdomadário de Barretos. Ed. 380, ano 1912. Acervo do Museu "Ruy Menezes".
O ESTADO DE S. PAULO, jornal de São Paulo. Ed. 12099, ano 1912. Acervo da Biblioteca Nacional.

Link da publicação no site do jornal "O Diário":

Artigo original publicado no jornal "O Diário", 8/10/2019, página 2:

terça-feira, 1 de outubro de 2019

OS TEMPOS DE RITA E INÁCIA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 01 DE OUTUBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


            Entre tantos integrantes das duas famílias fundadoras da cidade, Barreto e Marques, chama a atenção duas mulheres que ficaram registradas nas narrativas memorialistas como figuras de exceção, diferentes “de seu tempo”. Ficaram apelidadas popularmente como “Rita Parnaíba” (filha caçula de Chico Barreto e Ana Rosa) e “Inácia Homem” (filha de Simão Antônio Marques e Joaquina Cândida de Jesus).  
            Rita Maria de Jesus, a caçula do casal Barreto, ganhou a alcunha de “Rita Parnaíba” por certa vez ter atravessado o Rio Paranaíba (MG/GO) em uma jangada improvisada em direção à Goiás. Tal travessia teria sido uma fuga, já que foi perseguida pela polícia e condenada à prisão por Juri em Araraquara por conta de assassinato. Crime que também teria cometido em terras goianas, por questões de terra e honra de família. Existem episódios icônicos de Rita defendendo as mulheres da família. Nas palavras do jornalista José Eduardo de Oliveira Menezes, transcritas por Osório Rocha, Rita foi “a mulher mais valente e desabusada que já pisou nestas paragens”. Era conhecida por dançar o cateretê, cantar, festejar e ser fazendeira.
            Já Inácia, filha dos Librina, era notada com certo jeito “masculinizado” na aparência e nas atividades – comparando-se à maioria das mulheres da época. Era capacitada em dirigir os serviços da roça, correr os pastos, caçava, era dona de casa e administrava fazenda. Era reconhecida em toda a região por seu trabalho em tecer e tingir tecidos. Inclusive, tecia e tingia suas próprias roupas, tendo o costume de usar calças azuis e um “robe” por cima, causando estranhamento à gente da época. Consta-se também que foi casada, mas por sofrer violência do marido, separou-se dele.
            Em Rita e Inácia são sinalizadas duas características interessantes para mulheres sertanistas como elas: a independência e o reconhecimento dessa independência. Afinal, os relatos mostram-nas como mulheres que enfrentavam os rótulos da época, bem como os preconceitos velados e revelados, eram articuladas no trabalho e valentes.          

Fonte:
ROCHA, Osório. Barretos de Outrora. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1954, p. 24 e 33.

Link da publicação no site do jornal "O Diário":


Artigo original publicado no jornal "O Diário", 1/10/2019, página 2:



quinta-feira, 26 de setembro de 2019

115 ANOS DE ZÉ DE ÁVILA (PARTE III)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 24 DE SETEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 
José de Ávila ainda jovem.
(Fonte: acervo original pertencente à família)

            Já amarelados pelo tempo, os livretos de Zé de Ávila revelam prefácios notáveis assinados por amigos escritores do poeta - a maioria do universo literário das trovas. São prefácios que destacavam a capacidade do trovador em ligar-se diretamente ao leitor, não só pelo diminuto tamanho das trovas (de fácil leitura e estética atraente), mas pelas palavras simples e temáticas humanísticas.
            A começar pelo livro “Chuva de Flores” (1974), cujo prefácio foi assinado pela poetisa, escritora, professora e musicista Carolina Ramos, de Santos, e presidente da União Brasileira de Trovadores à época. Para sintetizar a competência do trovador, Carolina poetizava: “Zé de Ávila, também ‘contraiu’ a trova. Sim, porque o trovar é febre. Febre por vezes, intermitente, mas sempre difícil, ou impossível de ser curada”.
            Outro vulto de trovadores no Brasil era o crítico literário e escritor nordestino Aparício Fernandes (1934-1996), que prefaciou o livro “Prata de Casa” descrevendo Zé de Ávila de forma sútil e literária: “Zé de Ávila é um homem sereno, que sabe explorar os ricos filões do seu mundo interior mas que lá não permanece como um avarento guardado de tesouros. Pelo contrário, retorna, com as mãos cheias de pérolas e flores, e com eles adorna e enriquece este mundo tão carente das belezas do espírito. É verdade que em seus olhos nota-se às vezes a melancolia dos que se habituaram a filosofar e seus lábios nem sempre conseguem esconder um traço de ironia por saber que algumas de suas pérolas vão para os porcos. Mas – seria ele capaz de dizer – os porquinhos também não são criaturas de Deus?”.
            Além deste, o jornalista e contista Waldir de Luna Carneiro (1921-2019), no prefácio de “Loucura em Flor” (1983) foi feliz em dizer - (palavras nas quais finalizo esta série): “Zé de Ávila é para ler, reler e guardar, caro leitor, mas se um dia por descuido ou azar perder este volume, não se aflija, consulte sua inteligência e seu coração, os versos e as trovas de Zé de Ávila estão lá”. [fim].

Link da publicação no site do jornal "O Diário":

115 ANOS DE ZÉ DE ÁVILA (PARTE II)

Pintura produzida pelo artista WILSON CASSI.
(Fonte: acervo pertencente à Pinacoteca Poética
 da Academia Barretense de Cultura - ABC)
ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 17 DE SETEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


            No último dia 12 de setembro, a Academia Barretense de Cultura expôs em ricas obras de arte as trovas do poeta José de Ávila (acadêmico in memoriam da cadeira 13), cumprindo honrosamente seu papel em imortalizar a obra de seus acadêmicos.
            À um literato como Zé de Ávila cabe leituras, releituras e interpretações diversas. Tudo isso por ele ter sido um leitor assíduo e escritor dedicado, acumulando grande repertório literário, o qual multiplicava trovas e sonetos de temáticas líricas, filosóficas e humorísticas em seus livretos. Mas, não resguardava a si todo esse conhecimento, visto ter sido integrante de importantes academias nos estados de SP, MG, GO e RJ, tais como: Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, a Arcádia de Letras de Alfenas, a União Brasileira de Trovadores, a Academia de Ciências, Filosofia e Letras de Anápolis – Goiás, a Academia Eldoradense de Letras, a Academia de Poesia Raul de Leone – Petrópolis (RJ) e a Academia Barretense de Cultura.
            Não só as trovas revelam a personalidade do autor, mas os prefácios de seus livros prestam este serviço de maneira crítica e histórica. São mais de 20 livros, alguns prefaciados por barretenses, já que Zé de Ávila por aqui viveu por muitos anos. Matinas Suzuki, Ruy Menezes, Henrique Prata, Sebastião Misiara, os irmãos Luiz Antônio e João Monteiro de Barretos Neto são alguns deles; além do artista Wilson Cassi cuja assinatura registra preciosas ilustrações de capa de alguns dos livros do trovador.
            Algo em comum norteiam os prefácios: a captação do lirismo do autor em suas trovas que versam sobre amor, natureza, filosofia e humor. Em todos os livros, encontram-se pensamentos sobre o amor romântico, a mulher, a vida no campo, o peão de boiadeiro, os animais (como ele amava cigarras e pássaros!), as flores, delírios e dramas sobre a vida. São impressões de trovas lidas rapidamente, mas que despertam em quem prefaciava os livros e em nós, meros leitores, inquietação, sorrisos, emoções e calor humano. Confortável, muito da vida coube naquelas pequenas trovas. [continua].

Link da publicação no site do jornal O Diário:

terça-feira, 10 de setembro de 2019

115 ANOS DE ZÉ DE ÁVILA (PARTE I)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 10 DE SETEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  


José de Ávila
(Fonte: Acervo da Academia
Barretense de Cultura - ABC)
            Era 11 de setembro de 1904 quando, nas terras mineiras de Alfenas, nasceu José de Ávila – há 115 anos. Na vida, foi pecuarista, comerciante, artesão, mas, sobretudo, poeta. Trovador e sonetista! Lembrado como um senhor alto, de mãos igualmente enormes e voz forte, é também citado como um homem simples, de palavras e gestos leves. Talvez seja este o contraponto que nos instiga a conhecê-lo melhor.
            Homenageado pela Academia Barretense de Cultura – ABC – no próximo dia 12 de setembro por meio de uma exposição artística que conta com a participação de 32 pintores barretenses, José de Ávila tem sido fonte de leitura e inspiração destes artistas nos últimos meses. A ABC teve a dignidade de imortalizar a obra de seu acadêmico in memoriam nas cores e pinceladas de pintores que se inundaram nas trovas de Zé de Ávila, enobrecendo – ainda mais - o seu lirismo.
            José de Ávila foi um dos fundadores da ABC, titular da cadeira 13, onde foi membro até sua morte, em 26/9/1991. Naquele tempo, ele residia no bairro América, junto a sua esposa Zilda Fernandes e a filha deles, Elizabeth. Ficou em Barretos por mais de 20 anos, o suficiente para poetizar a cidade e sua cultura sertaneja em suas trovas e poemas. Antes de 1970, nosso trovador já havia morado em Alfenas e São Paulo, era viúvo e pai de 5 filhos: Orpheu, Odisseia, Geraldo, Maria Expedita e Alfenus.
            Quando veio residir em Barretos, ele já ERA o “Zé de Ávila”, conhecido trovador e colecionador de amizades sinceras no meio literário. FOI também escultor e artesão em peças em madeira, ricamente trabalhadas em detalhes e guardadas por alguns barretenses que ainda as têm como acervo raro. FOI autor de mais de 20 livros entre trovas, sonetos e romance, editados em Minas Gerais, na cidade de Pouso Alegre, e em Barretos pela Intec e outras editoras. Depois de ter sido tanto, É agora eternizado não só pelas rimas de suas trovas, mas, sobretudo, pela alma que brotaram delas.
            O poeta morre, a poesia não. É insistente. Reluz e conduz. [continua].

Referência Bibliográfica:
ÁVILA, Zé de. Galo Músico, 2ª edição. Barretos: INTEC, 1989.

Link da publicação no site do jornal "O Diário":

Artigo original publicado no jornal "O Diário", 10/9/2019, página 2: