terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A CULTURA EM EXERCÍCIO (PARTE I)

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 24 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 
         
"O Pensador" de Auguste Rodin
1904, escultura em bronze.
Museu Rodin, Paris-França.
               Fim de ano é tempo de reflexão. Momento de introspecção sobre nossas atitudes, conquistas, derrotas e aprendizados. As perspectivas que podemos analisar as faces da vida podem ser: ética, relacionamento, profissão, financeiro, família, etc. Mas, pouco se pensa sobre “conhecimento”. Sobre cultura. O quanto você investiu em cultura este ano, a ponto de dizer que aprendeu algo novo, refletiu diante o ponto de vista das pessoas, ouviu os outros, praticou leitura constante, se interessou pela política do país, discorreu opiniões baseadas em bons argumentos? Se a sua resposta foi “não” ou “nem tanto”, talvez seja a hora de colocar a “cultura” como exercício para o ano que se anuncia.
            O conceito “cultura” é amplo e demasiado complexo para se alongar nestas tão curtas linhas. Cultura é tudo aquilo que se possa aprender, o “saber fazer” que atravessa gerações. É o produto da emoção e da informação. Traduzindo para “linguagens”, pode-se sobrepor a Cultura às artes e à ciência: artes plásticas, música, literatura, teatro, cinema, paisagismo, arquitetura, anatomia, meio ambiente, Física, Filosofia, Antropologia e História e tantas outras coisas. Ao se deparar com tais linguagens, talvez a primeira reação seja a emoção, mas, é certo que dali se tire também a “informação”.
            Ao visitar uma exposição, apreciar um concerto musical, ler um romance, refletir uma teoria filosófica, debater política ou conhecer acervos de museus, é visível que a pessoa saia dali aprendendo algo novo, compartilhando com as demais aquele universo de conhecimento absorvido e refletido. Por menor que seja o tempo dedicado à cultura, se for com atenção, todo aprendizado dali originado é sim um “universo”. Deste universo, gera-se cidadania, política, educação, assistência, comunicação e evolução. A cultura é capaz de transformar um ato íntimo num bem coletivo; pensamento em ação.
Este pequeno artigo é um exemplo disso. Vinte e cinco linhas escritas diante o pensamento de uma frase icônica do mestre Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”. Que essa “simplória” frase sirva de reflexão a você. (Sempre é tempo).

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

SOBRE ALPONDRAS (QUE HÁ EM NÓS)


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 17 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

         
Eu com o autor da obra "Tempo Bom em Alpondras",
 Marcos Diamantino, na sede da Academia
Barretense de Cultura.
  
A noite de 10 de dezembro foi especial à Academia Barretense de Cultura por conta do lançamento de mais um romance do acadêmico Marcos Diamantino. Ocupante da cadeira 15, o escritor agrupa funções de jornalista, professor e artista, enobrecendo o celeiro dos imortais. Ser leitor de Diamantino já virou praxe em Barretos.
            No romance “Tempo Bom em Alpondras”, de narrativa sútil, o autor descreve cenários, personagens e situações de fácil imaginação. O ponto crucial, porém, é a reflexão subjetiva a ser construída. O local da trama é a “pacata” cidade de Alpondras, onde o escritor materializa panoramas clássicos como ruas, casas, comércios, clubes, instituições, rios e fazendas. Ali residem as personagens que são descritas em suas personalidades e com nomes um tanto excêntricos. O fato é que cada personagem representa um perfil social interessante, cabível no contexto atual, e, conforme o desenrolar, temas importantes e contemporâneos pululam em nossa mente: internet, redes sociais, fake news, discursos de ódio, intolerância, violência, impunidade, identidade. A leitura nos leva à análise sobre nossos próprios comportamentos. Fato.
            Diante o assassinato de três pessoas, o jornalismo investigativo e a soltura de comentários vazios nas redes sociais, o narrador cria perfeitas condições de reflexão, de realidade. Além da própria escrita te transportar a contextos diferentes, uma vez que o discurso do narrador, com seus diálogos, é essencialmente distinto das novelas narradas por uma das vítimas, o escritor Gualberto Lopes. As novelas e contos discorridos por este personagem são de uma escrita envolvente, sendo talvez os momentos de maior reflexão da obra. Dimas e Ruth, casal central, são os que movimentam a ficção, mostrando que aquela Alpondras não era mais (ou nunca foi) uma estática cidade, que fazia jus a sua denominação (pedras que serviam de ponte em riachos); era na verdade um reflexo da sociedade contemporânea, dos discursos permissivos e da impunidade recoberta. Alpondras poderia ser qualquer cidade, a minha ou a sua.

       

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

A POESIA DO ARQUIVO – PARTE III


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 10 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 

      
Karla (historiadora) e Raquel (museóloga) no arquivo do Museu "Ruy Menezes"
(Foto de 2014)
     
Tem um momento em que o historiador ou pesquisador (sim, tem diferença entre os termos) precisa não se importar tanto com a poesia do arquivo: quando o essencial é a preservação do documento e a acessibilidade a ele. Quanto menos se manuseia um documento, mais condição de durabilidade se oferece a ele. Em um documento raro ou em estado avançado de degradação é necessária sua digitalização, para salvaguardar as informações ali contidas e a sua sobrevida.
            A tela fria do computador, contendo nele os documentos digitalizados, pode não ser tão “poética” quanto o manuseio com as luvas e a proximidade com a textura do papel, mesmo assim, a conservação do material é primordial. Além de que, na maioria dos casos, torna-se até mais confortável a leitura do documento digitalizado, com opções de zoom, recortes e jogos de luzes.
            Os arquivos digitais vieram para ficar. Já são realidade nos grandes centros do Brasil e permitem o acesso à informação de uma forma avassaladora, na velocidade da internet. A Biblioteca Nacional oferta aos navegantes de seu site uma hemeroteca digital que possibilita a leitura de jornais do país inteiro, assim como revistas e diversos tipos de manuscritos. No estado de São Paulo, o Arquivo do Estado de São Paulo dispõe virtualmente de um repositório digital que integra variados tipos de documentos, inclusive temáticos como imigrantes, educação, saúde, etc. A Biblioteca Mário de Andrade, o jornal “O Estado de São Paulo” e o Instituto Brasileiro de Pesquisas também transbordam arquivos preciosos para consulta. São múltiplas as instituições públicas e privadas que democratizaram seus arquivos por meio da internet, mesmo que em alguns casos seja essencial a presença física.
            Pesquisar onlline pode ser menos poético, mas não menos importante. Sem o tato e o olfato, ao menos a visão dá condições perfeitas de diálogo com o passado. A poesia do arquivo encontra-se também na nobreza de sua conservação. [fim].  

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A POESIA DO ARQUIVO – PARTE II

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 03 DE DEZEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 


           
O arquivo do Museu "Ruy Menezes" é precioso.
Foto de 2011.
Se o arquivo tem sabor, conforme descreveu Arlette Farge em seu clássico livro, certamente tem outros elementos que o “humaniza”; o naturaliza. O arquivo parece inerte, mas é inquietante, tem cheiro, gosto, som, luz, temperatura. Carrega nas paredes, estantes e envelopes, cores que naturalmente nos conduzem ao passado. É de fato o caminho para ali se chegar, estacionar, mergulhar e conhecer.
            Em Barretos, não há arquivo público, pelo menos não como instituição independente e agregadora. Mas, o Museu “Ruy Menezes” assume esse posto há anos, sustentando na parte subterrânea do prédio, um arquivo de documentos, jornais, fotografias, cartas, folhetins, álbuns, livros, livretos, revistas e outros papéis de imensurável valor. Boa parte deste material encontra-se digitalizada democratizando o acesso e preservando o material. (Louvável isso!). Este setor de pesquisa do Museu é a sua ponte de diálogo com a comunidade acadêmica e a memorialística.
            Antes mesmo de se deparar com os documentos ali arquivados, o historiador ou pesquisador que vai ao Museu encontra um ambiente favorável ao retorno do passado. Não necessariamente uma nostalgia, pois o passado nem sempre reflete saudade, mas uma interlocução entre os tempos. A arquitetura do prédio, o piso de madeira, os azulejos encobrindo o chão em certa parte e as peças são um convite a esse clima. A descida pela escada centenária é, sobretudo, a ponte que nos conduz ao tempo pretérito.
            Na história da cidade, se o passado tem cor, pode ser que seja o amarelo ocre dos envelopes que arquivam os papéis velhos, se tem cheiro pode ser o dos móveis amadeirados do museu e se tem luz pode ser a meia-sombra que se projeta naquele subterrâneo. O som do passado é certo que venha não só das vozes presas nas palavras escritas à caneta de pena nos documentos ou na tipografia dos jornais, mas no desdobrar do papel-manteiga que envolve esses mesmos documentos e no barulho suave das luvas transparentes ao retirá-las das mãos. Pó, poeira e poesia! [continua].

Link da publicação no site do jornal "O Diário":