sábado, 30 de maio de 2009

A METAMORFOSE DO PORTUGUÊS

Está na “moda” agora discutir sobre as transformações da língua portuguesa no decorrer dos tempos. Recentemente entraram em vigor as novas regras gramaticais de 2009, e somos nós, leitores do século XXI, que vamos sentir bem ou mal os efeitos desta mudança. A intenção de todas as transformações do idioma é sempre facilitar a comunicação oral e escrita de um povo ou de uma nação. Afinal, uma nação unida tende a falar e a escrever a mesma língua.
As medidas adotadas pela Academia Brasileira de Letras para padronizar o idioma datam a partir de 1915, sendo que desde essa época até 1924 várias decisões foram tomadas e depois anuladas. Essa instabilidade acontecia em virtude da diversidade cultural brasileira, ora ficava difícil tornar padrão um idioma em um país inicialmente habitado por índios, colonizados por portugueses e que era também morada de africanos e imigrantes europeus e asiáticos. Imaginem todos estes diferentes povos falando a mesma língua? Difícil não?
Pois é, tão difícil que somente em 1943 foi criado o novo “Formulário Ortográfico” e a língua portuguesa seguiam as regras gramaticais do Vocabulário Oficial. Foi nesta época, que “Raphael” passou a ser “Rafael”, “monarchia” virou “monarquia” e “director” se tornou “diretor”. As consoantes mudas foram eliminadas, já que a tendência é sempre escrever da maneira que se fala. Outro caso também é do pronome “vossa mercê”, que se transformou em “vós micê”, “vossuncê”, “você” e que hoje falamos “cê”.
O nosso jornal “O Sertanejo” de Barretos, 1900, é um exemplo da língua portuguesa bem arcaica, muito parecida com o português de Portugal. Por exemplo, ao ler esta propaganda da “Casa Azul” nos deparamos com sílabas que não mais existem: “Objectos de Escriptorio – papel xadrez em blocks, livros commerciaes e para protocollos”. Às vezes temos a impressão de que se trata de outra língua.
Bem, o fato é que devemos pensar que o estranhamento que estamos sentindo com a ideia (agora sem acento) da nova gramática é semelhante com o choque que os antigos sentiram quando “pharmacia” passou a ser “farmácia”. Eles se acostumaram então provavelmente nós nos acostumaremos também, é uma questão de tempo. Por fim, os homens com o nome de Raphael talvez ficaram triste em perder o “ph”, mas as Karlas, como eu, com certeza ficaram muito felizes com a introdução da letra K (“y” e “w”) no alfabeto brasileiro.

REFERÊNCIA: ALMEIDA, Marcela Pereira de. “Revista Leituras da História” – Português Mutante. 2009.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 29 DE MAIO DE 2009.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O MUSEU EM HARMONIA

“E o futuro não é mais
como era antigamente”.
(Índios – Renato Russo)


O Museu Histórico, Artístico e Folclórico “Ruy Menezes” é abrigo de valiosas peças históricas, que, interligadas umas as outras transmitem sensações incríveis, como se viajássemos no tempo e presenciássemos descobertas e invenções das épocas passadas. Durante a visita, quando as pessoas percebem a ordem do acervo e os contextos relacionados com a história que aprendemos na escola, a viagem no tempo se torna mais nítida e naturalmente mais interessante.
Entre as salas do Museu, a Sala das Máquinas possui um cenário semelhante ao que chamamos hoje de “escritórios de época”. A começar pela própria iluminação sombreada, poucas luzes e, estas, direcionadas especialmente aos objetos. A primeira visão é focada nos telefones, onde o telefone de parede de 1910 (movido à manivela) e a Central Telefônica de 1920 formam uma bela dupla para explicar a maneira de se telefonar no início do século XX e a extinta profissão da telefonista.
Em seguida, são avistados os rádios com materiais desde madeira e pano até baquelite, de cores e tamanhos variados. Ao lado estão as máquinas de escrever, sempre em ordem cronológica. A primeira é a chamada “Gundka-5”, importada da Alemanha em 1910, é uma máquina de escrever de uma tecla só e sempre desperta aquela famosa trilha sonora das crianças “oh...”. Depois, são observadas as máquinas das décadas de 30, 40, e 50, já com os teclados convencionais. Percebemos que a tendência é sempre diminuir o tamanho e o peso destas máquinas.
As televisões são fantásticas! São diferentes as suas formas, a mais antiga, Televisão “General Eletric”, aparenta ser mais que um aparelho, é também um móvel da sala de estar, toda de madeira e tecido trabalhado. A imaginação começa a criar asas, quando voltamos nossos pensamentos na década de 20 ou 30 e imaginamos o choque de um homem adulto no momento em que viu a televisão pela primeira vez, a curiosidade. Alguns homens, nesta época, não entendiam como um mesmo ator aparecia em duas novelas consecutivas, sendo que seu personagem tinha morrido na primeira.
Estes impactos demonstram a chegada das tecnologias em diferentes épocas e revelam que a modernização sempre existiu, ela somente se adapta às novas condições do homem. Portanto, a função do Museu é levar o conhecimento sobre estas tecnologias, para que as pessoas as enxerguem com outros olhos - um olhar histórico. A harmonia e cumplicidade em que estão organizadas as peças, são os motores da nossa imaginação, é algo que nos faz sair dos livros, mergulhar nos sentidos e sentir a história viva!


ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 22 DE MAIO DE 2009.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

BARRETOS E O 13 DE MAIO



Foi em 13 de maio de 1888 que a Abolição da escravatura aconteceu oficialmente, a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel foi o marco da história tradicional deste momento. Mas, sabemos que somente uma assinatura não modifica a mentalidade e nem os costumes de uma cultura do dia para a noite. A escravidão acabava, mas a segregação social continuava em todos os cantos deste Brasil, inclusive em nossa cidade.
Certa vez, um aluno da 8ª série da E. E. “Cel Almeida Pinto” me perguntou se existiu escravidão em Barretos. Foi então que somente comparando as datas de fundação da cidade (1854) e da abolição (1888) a resposta surgiu como um flash, era visível um rosto de espanto e curiosidade. O assunto foi contagiante, os alunos começaram a refletir cada vez mais, pois quando se trata de um tema da História do Brasil que aconteceu na cidade em que vivemos o assunto fica mais próximo da nossa realidade e interessante.
A curiosidade e o espanto não pararam por aí, falei sobre uma carta escrita e assinada pelo patrono da escola, o Cel. Almeida Pinto, onde pode ser provada cientificamente a existência de escravos em Barretos. Eis as inscrições da carta, com a caligrafia da época:
“Compadre Romão, Barretos, 3 de março de 1888 - Pesso lhe o favor de entender se com o Snr. Chiquinho do Rio Velho afim d’elle vir cá p.a levar ou fazer qualquer negocio a respeito do escravisado João, que por ahi andava a cassa de patrão e q. ultimamente eu aceitei-o em casa até que o Chiquinho providencie nesse sentido. Diga a Comadre que eu a espero na festa. Adeus. Disponha do Comp e Amigo - J. C. Almeid.a Pinto”.
Pois bem, o Cel. Almeida Pinto pedia ajuda a seu amigo para identificar quem era o proprietário do escravizado João, já que ele o abrigou em sua propriedade. O mais curioso é a data da carta, quase dois meses antes da assinatura da Lei Áurea. O coronel ainda finaliza a carta com humor lembrando o amigo de uma festa.
Por fim, os alunos identificaram certas características do patrono da escola e sanaram as dúvidas sobre a escravidão em Barretos. Misturar história do Brasil com história da região é sempre produtivo, “historiar” faz bem!

REFERÊNCIAS: Documentos do Museu “Ruy Menezes”.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 15 DE MAIO DE 2009.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

PARA SEMPRE MAMÃES

Para Sempre
Por que Deus permite que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite, é tempo sem hora,
luz que não apaga quando sopra o vento
e chuva desaba... (Fernando Pessoa).


Todo segundo domingo de maio é comemorado o Dia das Mães, elas são presenteadas e lembradas de diversas maneiras, certamente é um dia de fortes emoções. Este feriado foi instituído no Brasil em 1932 pelo presidente Getúlio Vargas, mas já era comemorado nos Estados Unidos desde o começo do século XX, por reivindicação da jovem Anna Jarvis em honra a sua mãe.
Sabemos que ser mãe é antes de tudo ser mulher, e as próprias mulheres sofreram transformações em suas mentalidades, seus costumes, suas vivências, suas relações, seus modos de vestir, comer, falar, suas posturas diante das novas condições de trabalho. Enfim, as alterações da vida e do cotidiano feminino foram, são e ainda serão muitas. Conseqüentemente, as mamães também passaram por transformações e as famílias atuais são bastante diferentes das famílias de tempos atrás.
Não é por acaso que a música diz “Ai que saudade da Amélia”, a Amélia não dizia respeito somente à mulher dona-de-casa que satisfazia todas as vontades do marido. Podemos situá-la como a mamãe que outrora trabalhava somente em sua casa, disponibilizava de maior tempo para cuidar dos filhos, educá-los e até mesmo vigiá-los. Não vigiar no sentido negativo, mas o “vigiar” daquela mãe que fazia parte das reuniões de escola, que colocavam horários para o retorno quando os filhos saíam de casa para algum passeio.
Os tempos são outros e as Amélias estão escassas. As mamães dos dias de hoje são consideradas as “super-mães”, são aquelas que acordam cedo para ir trabalhar, levam os filhos na escola, fazem o almoço, chegam do trabalho e ajudam os filhos fazerem a tarefa, cuidam do marido e ainda se mantêm com os cabelos arrumados e unhas bem feitas! Todos os dias! Não é fácil, entretanto, o que será que as movem em tamanha energia?
Sem dúvidas, o motor de toda essa aventura é o famoso “amor de mãe”, aquele sentimento que mesmo com as mudanças das gerações, é presente em todo coração de quem é mãe e de quem é filho. Por tudo isso, parabéns a todas as mamães hoje e sempre, e a todas as vovós (mães duas vezes)!
Parabéns em especial a minha mamãe, Norma, linda e única! Amo ser sua filha!

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 08 DE MAIO DE 2009.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

ÚNICOS ONTEM, ANÔNIMOS HOJE...




“Aquilo que a fotografia reproduz até o infinito só aconteceu uma vez:
ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”.
(Roland Barthes)


Hoje, sexta-feira, 1º de maio é comemorado o Dia do Trabalho, um feriado que além de descansarmos, podemos refletir um pouco sobre os trabalhadores que já contribuíram com seus serviços, ajudaram no desenvolvimento da tecnologia atual e que infelizmente estão esquecidos pelo tempo. Podemos chamá-los hoje de anônimos. Saudosos anônimos, que foram extintos pela facilidade tecnológica e pela incessante pressa de velocidades. Um destes anônimos é o fotógrafo “lambe-lambe”. Lembram-se deles? Alguns sim, a maioria não.
Este curioso nome é referente ao seu revolucionário instrumento de trabalho em fins do século XIX e início do século XX, a “máquina fotográfica lambe-lambe” - com sua grande estrutura e a caixa preta coberta por um pano. Era assim denominada, por conta do teste que o fotógrafo fazia para saber de que lado estava a emulsão de uma chapa. Costumava molhar com saliva a ponta dos dedos indicador e polegar, fazer pressão sobre a superfície do material sensível num dos cantos para evitar manchas, até que se produzisse uma impressão de colagem nos dedos do lado em que estaria a emulsão.
A paisagem de suas fotografias eram as mais belas praças e jardins públicos, outros tinham estúdios com fundos decorativos. Famílias inteiras iam até o local escolhido para tirar fotografias, sempre no padrão patriarcal, o pai sentado ao centro com a mão da esposa sob seu ombro e os filhos nas laterais. Um dos fotógrafos lambe-lambe mais antigos que atuaram em Barretos, foi José da Silva Mattos. O jornal “O Sertanejo”, em 1901, era cenário de suas propagandas: “Photographia Mattos – Trabalha-se com perfeição em retratos, grupos, etc. – Largo da República”, atual Praça Francisco Barreto.
Com o passar dos anos, as máquinas fotográficas tornaram-se portáteis e os fotógrafos gradativamente tornaram-se mais escassos. Estas máquinas portáteis permitiram a popularização do ofício, muitas famílias eram proprietárias de máquinas fotográficas e montavam seus próprios álbuns. Nos dias atuais, essa situação tende a crescer cada vez mais com o advento das máquinas digitais. Mas, há quem diga que nenhuma revelação se compara ao resultado das máquinas lambe-lambe, inclusive as máquinas digitais de hoje.
Por tudo isso, ficamos a pensar... o que seria da história da nossa cidade se não fossem os fotógrafos lambe-lambe que por aqui passaram e registraram boa parte dos acontecimentos passados? Ou até mesmo os fotógrafos das décadas de 50, 60 e 70, como o famoso “Maurício”, autor de muitas fotografias do Museu “Ruy Menezes”. Afinal, que neste feriado lembremos de todos aqueles que trabalharam por eles mesmos e consequentemente por nós, pela nossa história!

OBS: O Museu “Ruy Menezes” possui em seu acervo uma histórica máquina fotográfica “lambe-lambe”. Vale a pena conferir!

REFERÊNCIA: FERNANDES, Rubens Jr. Desconhecidos íntimos – o imaginário do fotógrafo lambe-lambe.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 01 DE MAIO DE 2009.