domingo, 15 de março de 2009

O FUTURO PARA JOÃO DO RIO

A literatura brasileira sempre expressou, de maneira fascinante, a realidade dos tempos presente, passado e futuro e os problemas sociais do país. Seja em prosa ou poesia, a escrita possibilita um diálogo do homem consigo mesmo e com a sua cultura, sua história, seu povo. Dentre os fabulosos escritores brasileiros, o excêntrico João do Rio (1882-1922) proporcionou aos leitores, intencionalmente ou não, uma conversa entre os séculos XX e XXI. Suas observações transformaram aqueles pequenos detalhes da vida cotidiana do homem do início do século XX em circunstâncias maiores, dignas de reflexões e críticas.
No cenário da “Belle Èpoque” carioca, João do Rio escreveu o conto “O dia de um homem em 1920 (Escrito em 1910)”, como o próprio nome diz, é fácil de imaginar como seria o cotidiano do homem nos próximos dez anos. Com os inventos e a constante pressa de lucrar do “homem superior” (de classe alta), a humanidade caminhava para uma neurose coletiva, onde as máquinas ganhavam espaços cada vez maiores.
O mais interessante e curioso é a reação que os leitores do século XXI podem ter deste conto. Chocante. Surpreendente. De maneira geral, as pessoas que se julgam tão modernas, de padrões tecnológicos tão sofisticados e, por outro lado, com tantos problemas sociais; quando lêem as palavras ousadas de João do Rio podem até identificarem-se com a vida social de 1920. Pois, além das ocupações tornarem-se maiores, as distâncias menores e o tempo mais curto, o homem caminhava para o envelhecimento precoce [“É o fim da vida. Tem 30 anos”], e até o sistema de leitura dos jornais era por abreviaturas das palavras, como a nossa internet de hoje.
A linguagem instigante do escritor demonstra a utilidade sofisticada de alguns objetos que hoje são peças de Museus, como por exemplo o cinematógrafo, o despertador elétrico, a navalha, a máquina de contar, a “máquina de escrever o que se fala”, o telégrafo e outros. Estes aparelhos fizeram parte da evolução tecnológica daquele período e facilitaram a vida do homem, entretanto, como os aparelhos de hoje, ameaçavam a tranquilidade humana, causando o sedentarismo e a ânsia por mais e mais máquinas.
O conto de João do Rio abriu um leque de reflexões para demonstrar que as peças históricas dos Museus não são “coisas velhas e sem valor”, são objetos que representaram a vida cotidiana do passado e fizeram parte da tecnologia anterior a nossa, pois a evolução ou modernidade tecnológica não é algo somente da atualidade, ela sempre existiu e se adaptou conforme as necessidades do momento. Afinal, como concluiu João do Rio: “O Homem rebenta de querer tudo de uma vez, querer apenas, sem outro fito senão o de querer, para aproveitar o tempo reduzindo o próximo.”

REFERÊNCIA: SANTOS, Joaquim Ferreira (org.).
As Cem Melhores Crônicas Brasileiras. RJ: Objetiva, 2007.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO" (BARRETOS/SP), EM 13 DE MARÇO DE 2009.

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