segunda-feira, 31 de maio de 2021

As cigarras precisam cantar

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 11 DE MAIO DE 2021 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

            É outono. Segundo a fábula do escritor La Fontaine, recontada no século XVII depois da versão original do grego Esopo, a cigarra canta no verão, enquanto as disciplinadas formigas trabalham para garantir uma boa passagem no inverno. Essa fábula, imersa na lógica capitalista, eternizou a figura da cigarra como preguiçosa, já que, ao invés de trabalhar como as incansáveis formigas, ela (só) cantava em cima das árvores e quando chegou o inverno ela correu a pedir abrigo às trabalhadoras. Dada a distância do tempo e da mentalidade, essa versão começou a ruir, visto que o canto das cigarras passou a ser considerado uma forma de trabalho, de entretenimento e de arte. Era a cigarra que trazia a alegria ao verão, era de sua natureza cantar e encantar.

            O fato é que cigarra é cigarra, e formiga é formiga. A natureza delas é diferente, e não há de se esperar de ambas uma atitude em comum. O mundo precisa do (en)canto das cigarras e La Fontaine sabia disso. Não só ele. Coelho Netto, escritor maranhense, ao visitar Barretos em 1920, deixou registrado no livro de visitantes do Grêmio que a casa gremista era uma “árvore de sombra amena” onde os homens, depois de um dia de trabalho, podiam recolher-se e lá ouvir o canto das cigarras. Poetizou, ainda mais, dizendo que as cigarras “eram os poetas que cantavam nas folhas dos livros”.

            Exatos cem anos depois, em 2020, nas comemorações dos 110 anos do Grêmio, eu, historiadora, voltei à mensagem de Coelho Netto, despindo dela a fábula do francês La Fontaine, para me inspirar e dali escrever meu livro “De onde cantam as cigarras”. O livro que analisa a origem do Grêmio em 1910 e a maneira como ele se tornou uma instituição de tradição em 1945, se cruza com a história cultural da cidade.

            No ano passado, a pandemia não permitiu o lançamento presencial, e, em 2021, a mesma situação exige medidas restritivas para a noite de autógrafos que acontecerá no dia 12. No entanto, as cigarras precisam cantar, mesmo que seja outono e que seu canto esteja um tanto escondido pela máscara. Afinal, o verão se aproxima.

Nenhum comentário: