quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A POESIA DO ARQUIVO – PARTE I

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 27 DE NOVEMBRO DE 2019 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS 
           
        O arquivo histórico tem poesia. Poético no sentido subjetivo, de inspiração, abstração, absorção e transposição. A poesia ali captada, por olhos sensíveis, reside na forma física dos documentos amarelados abatidos pelo tempo, bem como nos sons que se fazem ouvir nas linhas e linhas deitadas nas pilhas de papéis. O silêncio característico do arquivo é um convite perfeito à leitura concentrada, e, mais, é o caminho para a entrada ao passado, para se conseguir escutar aquelas vozes horizontalizadas em letras de difícil leitura e grafia ultrapassada. (A cabeça chega a tontear).
            Arlette Farge, historiadora francesa, ao descrever suas pesquisas em documentos policiais do século XVIII, descreve o “sabor do arquivo”, título de seu livro: “Verão ou inverno, é sempre gelado; os dedos se entorpecem ao decifrá-lo ao mesmo tempo em que se tingem de poeira fria no contato com seu papel pergaminho ou chiffon. É pouco legível a olhos mal exercitados ainda que às vezes venha revestido de uma escrita minuciosa e regular. Encontra-se sobre a mesa de leitura, geralmente em pilha, amarrado ou cintado, em suma, em forma de feixe, os cantos carcomidos pelo tempo ou pelos roedores; precioso (infinitamente) e danificado, manipula-se com toda delicadeza por medo de um anódino princípio de deterioração se torne definitivo” (p. 9).
            Seu livro aponta como os documentos dos arquivos são capazes de dar voz à quem a História nem sempre personifica, além de permitir a construção do passado sob fontes que a priori não têm a intenção de descrevê-lo, mas que pelo olhar do historiador se tornam o instrumento para se alcançar os tempos idos. É quase dialético o trabalho do historiador dentro do arquivo: retirar de um documento despretensioso atores anônimos, características despercebidas e apelos incontidos. É prender os olhos naquelas palavras borradas, de tal forma, que se esprema dali a realidade, mas sem forçar, sem inventar – alinhavando no documento a pergunta do tempo presente com a resposta esmiuçada no passado. É ou não é poetizar-se? [continua].

Link da publicação no site do jornal "O Diário":

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