terça-feira, 5 de abril de 2011

LUIZ BRANDÃO: UM DENTISTA, UM PERSONAGEM

ARTIGO PUBLICADO POR KARLA O. ARMANI NA REVISTA "AÇÃO E VIDA DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BARRETOS" EM 3 DE ABRIL DE 2011.


A saga de um personagem da história barretense, que atravessou longos anos do século XX, e até hoje é dono de suas próprias histórias. Trata-se de um ex-dentista, também envolvido em atividades socioculturais na cidade, que mesmo tendo ficado pouco tempo na Santa Casa de Barretos, possui lembranças preciosas sobre a vida do hospital nos anos 40. Apresentamos-lhes os curiosos casos de Luiz Brandão...

            O que é ter noventa e três anos? Certamente é ter vivido quase um século, acompanhado os mais diferentes momentos da história e ter a oportunidade de contar todos os “casos” que lhe vem à cabeça. Talvez seja assim que o velho moço Luiz Agostinho da Silva Brandão se sinta, alguém capaz de viver e reviver momentos que só ele pode tornar real. E é neste clima de recordação e contação de histórias que esperamos que a entrevista concedida por Luiz Brandão torne-se sólida na construção dos noventa anos da Santa Casa de Barretos, que, na verdade, são paralelos aos seus noventa e três anos de idade.
            Para começar, Luiz Brandão é filho do primeiro prefeito de Barretos, Cel. Raphael da Silva Brandão, nomeado prefeito em 1891, numa época em que o cargo se chamava “intendente municipal”. O Cel. Raphael Brandão estava presente nos anos iniciais da fundação da Santa Casa, fosse como um representante da política local ou como coletor federal, deste modo, o coronel assinava as primeiras atas do hospital.
            Luiz Agostinho da Silva Brandão, assim se chama em homenagem a Santo Agostinho, nasceu em Barretos no dia 28 de agosto de 1917. É filho do Cel. Raphael Brandão e de Dona Verdiana Gomide Brandão, sendo também o caçula de quatro irmãs. Estudou inicialmente no Externato São José em Barretos, depois fez o exame de admissão no 1º Grupo Escolar e terminou a escola no Ginásio em Bebedouro. Quando indagado sobre a escolha de sua profissão ele diz: “Na época que eu terminei o ginásio, os pais queriam que os filhos se tornassem advogados ou médicos, principalmente que seguissem a carreira da medicina. E como meu preparo no ginásio, modestamente, foi bom, eu fiz exame de medicina na Escola Paulista de Medicina e fui aprovado. Lá eu fiz o primeiro ano de faculdade, mas, ela não era de caráter federal e sim particular, sendo então a mensalidade um tanto pesada. Eu fiz o primeiro ano, mas já no fim do ano meu pai faleceu e em virtude da morte dele eu não pude continuar esta faculdade. Voltei para Barretos, e, pouco tempo depois, decidi que iria fazer odontologia, foi então que eu me preparei para fazer o exame na recente Universidade de São Paulo (USP). Passei no vestibular e me formei na Faculdade de Odontologia e Farmácia em 1939”.     
             Depois de formado, sempre com o desejo de montar seu consultório próprio, Luiz Brandão continuou em São Paulo e começou a trabalhar como ajudante de revisor de uma redação, da qual o diretor do jornal era o famoso poeta Guilherme de Almeida. Nesta mesma época, o recém formado dentista não saiu de São Paulo porque estava fazendo o curso de três anos do exército brasileiro, o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro). Quando terminou o curso e a caserna, Luiz Brandão tornou-se Oficial da Reserva do Exército Brasileiro e, mais tarde, 2º Tenente da Reserva da Infantaria; ficando nomeado para o 2º escalão destinado a lutar na 2ª Guerra Mundial, mas seu escalão não chegou a ser convocado.
            Depois de ter terminado os cursos do exército, Luiz Brandão voltou a Barretos no ano de 1945 e foi neste momento que sua história se liga à Santa Casa. Mesmo que tenha sido por poucos meses, a sua relação com o hospital já se mostrou sólida por conta das seguintes lembranças: “Havia necessidade de dentista no departamento infantil da Santa Casa, porque os adultos já recebiam assistência dentária de particulares. Nesta época, era dentista o dr. Canôas e eu me dava muito bem com ele, porque o Canôas toda vida foi um intelectual...poeta. Então, nesta época o Canôas assumia a responsabilidade do serviço dentário, mas eu tive de substituí-lo por um tempo, quando ele tirou licença. Foi quando eu assumi o departamento infantil e algumas passagens de histórias com crianças marcaram minha memória. A Santa Casa neste momento ainda era naquele antigo prédio, lá da época do meu pai, a enfermaria das crianças tinham as janelas viradas para o pátio, onde tinha um jardim no centro e entravam os raios solares e a ventilação. Sempre que precisava recorrer a algum médio lá estava o dr. Meira para me ajudar. Sobre o departamento dentário, tínhamos uma sala reservada, éramos em quatro dentistas e eu ia todos os dias. Nesta época, os dentistas do hospital não eram remunerados e trabalhávamos com um único gabinete dentário, movido a pedal e com a cadeira desmontável”.
            Sobre o público infantil atendido na Santa Casa na época em que Luiz Brandão trabalhou no hospital, década de 40, ele recorda que os principais problemas da saúde bucal eram relativos à falta de alimentação desta parcela populacional. Nesse sentido, o trabalho dos dentistas na Santa Casa também era relacionado com a prevenção de doenças e com a instrução de hábitos saudáveis. Além disso, neste período, era comum a atuação dos “práticos licenciados” na área da Odontologia, uma vez que eram poucos os dentistas formados em universidades.
            Desta maneira, pode-se dizer que a carreira de Luiz Brandão começou quando a Odontologia passou a se organizar como um ramo da saúde no país. Principalmente em Barretos, pois, em meados da década de 40, num sete de setembro, foi fundada a Sociedade Odontológica de Barretos, da qual Luiz Brandão foi um dos membros fundadores. “Depois que tomou vida a Sociedade Odontológica de Barretos, passamos a nos organizar melhor e o próprio consultório dentário da Santa Casa foi ampliado e melhor aparelhado”, explicou o ex-dentista.  
            Depois de findar seu trabalho na Santa Casa, Luiz Agostinho já tinha conseguido realizar o desejo de montar seu consultório próprio e passou a fazer parte de atividades sócio-políticas de Barretos. Em 1954, o ex-dentista lembra-se da morte de Getúlio, visto que era vereador e se encontrava em sessão na Câmara Municipal. Fez parte da edilidade por duas legislaturas e atuou também como presidente do Grêmio Literário e Recreativo, foi fundador e presidente da Liga Barretense de Futebol, redator de “O Grêmio”, colaborador de “O Diário” e até hoje é membro da Academia Barretense de Cultura ocupante da cadeira nº10. No entanto, a fama de Luiz Brandão entre muitos barretenses é referente à fundação do Clube “Os Independentes”, do qual ele fez parte do grupo de rapazes dos anos 50 que criou a iniciativa de fundar o clube, e de onde resultam histórias que Luiz Brandão conta como ninguém, exclusivamente como ninguém.
            E hoje? Quem é Luiz Brandão? Diríamos que é um homem inteiriço de vitalidade por emanar de seu olhar e de suas falas as memórias mais completas e marcantes do século XX em Barretos. É o marido de Dona Jerônima Brandão (Nega Brandão), pai de duas filhas e um “vovô” da cidade inteira de Barretos, pois, qualquer barretense que pare para ouvir suas histórias identifica-se, apaixona-se, completa-se. Afinal, ser um personagem original da história que construímos em comum e ter vivenciado todo o histórico da Santa Casa, não é sinônimo de velhice, é virtude e privilégio para aquele que cultiva e dissemina a nossa memória.
           
REFERÊNCIAS: Entrevista com Luiz Brandão no dia 21/1/2011

Nenhum comentário: