ARTIGO PUBLICADO PELA PROFª KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 26 DE FEVEREIRO DE 2012
“No
passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as
‘gestas dos reis’. Hoje, é claro, não é mais assim. Cada vez mais se interessam
pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente
ignorado”.
(Carlo
Ginzburg)
A frase acima é a parte inicial do
prefácio do livro “O queijo e os vermes” publicado pelo historiador italiano
Carlo Ginzburg. Ela nos leva a pensar na mudança que a escrita da história vem
passando nos últimos tempos, principalmente no que diz respeito aos personagens
aparentes na história. Até pouco tempo atrás, eram vistos nos livros de
história somente os reis e políticos tidos como “importantes”, assim como os
lugares aparentes eram sempre a Europa, os palacetes ou monumentos considerados
“marcantes”. Diz Ginzburg que “hoje não é mais assim”, ou seja, aquilo que era
ocultado, agora é ressaltado.
Da mesma maneira, no passado, a
história local (das cidades) não era muito discutida, era objeto de pesquisa
somente de raros pesquisadores que se arriscavam em ousar. Hoje, na academia,
estudar história local já é algo mais acessível, principalmente em razão das
fontes históricas serem cada vez mais preservadas em museus ou arquivos
públicos. Mesmo assim, dentro da própria história local, o interesse da maioria
dos estudos é voltado aos aspectos da modernidade, dos grandes casarões, dos
coronéis elitistas e dos novos códigos de comportamento.
Pouco se diz sobre o outro lado,
aquele em que vivia a classe social mais pobre, onde as condições de vida,
moradia e trabalho não eram nada parecidas com as da elite. Em Barretos este
outro lado era sentido literalmente. “Outro Mundo” era a denominação que se
dava ao bairro periférico da cidade no início do século XX, onde habitavam os
ex-escravos, os lavradores, peões, prostitutas, domésticas, lavadeiras e uma
sorte de pessoas das mais variadas culturas. Este local era o destino em que
indivíduos de diferentes linguagens, gêneros e profissões trabalhavam e/ou
habitavam, pois, como o local era de circulação de muitas pessoas, uma rede de
serviços de bares, selarias, ferrarias e etc fazia parte deste bairro.
O “Outro Mundo” era realmente
“outro”, pois se situava em lugar afastado do bairro central, local de
circulação da elite. Possuía dois marcos arquitetônicos: a capela de Nossa
Senhora do Rosário (situada onde hoje é a Estação Cultura) e os trilhos da Cia
Paulista de Estrada de Ferro. Ao sul destes dois marcos encontrava-se este
bairro, que, ao contrário do centro, não possuía iluminação e jardinagem
pública, sistema de água e esgoto, coleta de lixo, pavimentação das ruas e
demais novidades urbanas da época. O cenário do “Outro Mundo” era um tanto
rural, com casas sem muros, rodeadas por cercas de arame ou madeira, animais
nas ruas e buracos por todo lado.
Quantas histórias poderiam ser
estudadas sobre o “Outro Mundo”? Certamente, muitas. A falta de fontes
históricas é uma realidade, mas, se o historiador souber retirar das fontes
oficiais (produzidas pela elite ou pela Câmara Municipal, por exemplo) muito há
o que se falar. Por fim, pensemos que o estudo da história local permite também
o “outro lado”, aquele que permaneceu ocultado por tempos e tempos, mas que
agora pode tornar-se vivo.
REFERÊNCIA:
Tese de doutoramento do Dr. Humberto Perinelli Neto (Unesp, 2009).
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