segunda-feira, 30 de abril de 2012

O OUTRO LADO: O OUTRO MUNDO



ARTIGO PUBLICADO PELA PROFª KARLA O. ARMANI NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 26 DE FEVEREIRO DE 2012 


“No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as ‘gestas dos reis’. Hoje, é claro, não é mais assim. Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente ignorado”.
(Carlo Ginzburg)
            A frase acima é a parte inicial do prefácio do livro “O queijo e os vermes” publicado pelo historiador italiano Carlo Ginzburg. Ela nos leva a pensar na mudança que a escrita da história vem passando nos últimos tempos, principalmente no que diz respeito aos personagens aparentes na história. Até pouco tempo atrás, eram vistos nos livros de história somente os reis e políticos tidos como “importantes”, assim como os lugares aparentes eram sempre a Europa, os palacetes ou monumentos considerados “marcantes”. Diz Ginzburg que “hoje não é mais assim”, ou seja, aquilo que era ocultado, agora é ressaltado.
            Da mesma maneira, no passado, a história local (das cidades) não era muito discutida, era objeto de pesquisa somente de raros pesquisadores que se arriscavam em ousar. Hoje, na academia, estudar história local já é algo mais acessível, principalmente em razão das fontes históricas serem cada vez mais preservadas em museus ou arquivos públicos. Mesmo assim, dentro da própria história local, o interesse da maioria dos estudos é voltado aos aspectos da modernidade, dos grandes casarões, dos coronéis elitistas e dos novos códigos de comportamento.
            Pouco se diz sobre o outro lado, aquele em que vivia a classe social mais pobre, onde as condições de vida, moradia e trabalho não eram nada parecidas com as da elite. Em Barretos este outro lado era sentido literalmente. “Outro Mundo” era a denominação que se dava ao bairro periférico da cidade no início do século XX, onde habitavam os ex-escravos, os lavradores, peões, prostitutas, domésticas, lavadeiras e uma sorte de pessoas das mais variadas culturas. Este local era o destino em que indivíduos de diferentes linguagens, gêneros e profissões trabalhavam e/ou habitavam, pois, como o local era de circulação de muitas pessoas, uma rede de serviços de bares, selarias, ferrarias e etc fazia parte deste bairro.
            O “Outro Mundo” era realmente “outro”, pois se situava em lugar afastado do bairro central, local de circulação da elite. Possuía dois marcos arquitetônicos: a capela de Nossa Senhora do Rosário (situada onde hoje é a Estação Cultura) e os trilhos da Cia Paulista de Estrada de Ferro. Ao sul destes dois marcos encontrava-se este bairro, que, ao contrário do centro, não possuía iluminação e jardinagem pública, sistema de água e esgoto, coleta de lixo, pavimentação das ruas e demais novidades urbanas da época. O cenário do “Outro Mundo” era um tanto rural, com casas sem muros, rodeadas por cercas de arame ou madeira, animais nas ruas e buracos por todo lado.
            Quantas histórias poderiam ser estudadas sobre o “Outro Mundo”? Certamente, muitas. A falta de fontes históricas é uma realidade, mas, se o historiador souber retirar das fontes oficiais (produzidas pela elite ou pela Câmara Municipal, por exemplo) muito há o que se falar. Por fim, pensemos que o estudo da história local permite também o “outro lado”, aquele que permaneceu ocultado por tempos e tempos, mas que agora pode tornar-se vivo.

REFERÊNCIA: Tese de doutoramento do Dr. Humberto Perinelli Neto (Unesp, 2009). 

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