ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 6 DE ABRIL DE 2021 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS
Assim como a história da República,
a trajetória do exército no Brasil é interessante. A partir da Guerra do Paraguai (1864-1870), o
exército brasileiro ganhou força, se estruturou e passou a integrar o cenário
público como o órgão responsável pela segurança nacional e pela garantia da
lei, da ordem e da Constituição. Duque de Caxias, o militar que desde a época
do Império criou uma imagem de pacificador e a figura mais importante no
comando militar, tornou-se patrono da instituição em 1962; sendo que, desde
1925, o seu aniversário, 25 de agosto, era celebrado como o Dia do Soldado.
Especialmente
durante a Primeira República (1889/1930), a notabilidade do exército
ultrapassava as fronteiras dos quartéis, uma vez que militares como Deodoro da
Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca assumiram a presidência do Brasil
em momentos decisivos (o último, eleito em uma campanha polêmica). As Três
Armas, ainda, atuaram em conflitos civis e militares a mando do próprio governo
brasileiro, como Canudos, Revolta da Armada, Revolta da Chibata, Contestado,
Revolta Paulista e outros. Apesar de ser regra o não envolvimento político e
ideológico do exército desde a Constituição de 1891, o que a história republicana
mostra é a participação de alguns de seus membros de forma direta em decisões de
governo. Todavia, a atuação do exército enquanto instituição, isto é, não
necessariamente dos seus membros individuais, foi tanto para a prática de conspirações
contra a democracia, quanto para a sua proteção. Generalizar a atuação do
exército brasileiro em única via é um equívoco, sua história coleciona
vitórias, derrotas, guerras, intervenções e diversas características.
Em
outras palavras, se, por um lado, o exército presenciou golpes de Estado, por
outro, impediu com que alguns acontecessem. Sobre a primeira situação, as
Forças Armadas já se envolveram na derrubada de regimes constitucionais (não
obrigatoriamente democráticos), como o caso do golpe republicano em 1889, a
Revolução de 1930, a saída de Vargas em 1945 e o Golpe de 1964, o qual
implantou uma ditadura militar no Brasil por 21 anos. Neste último exemplo, a
sensação de clamor popular - aliada ao contexto internacional da Guerra Fria e ao
apoio de políticos e da elite industrial - foi o aval civil para o rompimento
democrático pelas Forças Armadas.
No
entanto, a via legalista é tradição no exército e, apesar de significativos os
episódios em que militares autoritários lideravam a instituição, conhecer a
atuação do exército para a salvaguarda da democracia brasileira é essencial. O
exemplo principal vem de 1955, ano marcante por ser posterior ao suicídio do
presidente Getúlio Vargas e ser o ano de eleições e transição a um novo
governo. No final do ano de 1954, o governador de Minas Gerais, Juscelino
Kubistchek de Oliveira (JK), lança-se como candidato à presidência do Brasil
pelo PSD. Em abril de 1955, fez-se a dobradinha PSD-PTB com a candidatura do
político gaúcho João Goulart (Jango), ex-Ministro do Trabalho de Vargas, como
vice de Juscelino. Essa aliança não era bem-vista pela direita conservadora do
país, representada especialmente pela UDN, por contextos anteriores. Em 3 de
outubro de 1955, Juscelino venceu as eleições com 36% dos votos, contra 30% de
Juarez Távora e 26% de Ademar de Barros. No entanto, os setores mais
conservadores, capitaneados pela UDN, deram início a uma conspiração ao protestar
o fato de JK não ter feito a maioria absoluta dos votos.
Em
novembro, durante o enterro do presidente do clube militar no Rio de Janeiro, o
Diretor da Escola Superior de Guerra discursou politicamente incitando que as
Forças Armadas não apoiariam a posse do novo presidente. É neste momento que se
destaca a figura do militar que tomaria as rédeas da situação e garantiria a
normalidade democrática pelo exército: o Marechal Henrique Batista Duflles Teixeira
Lott (apelidado de Caxias). Como reação ao discurso golpista do oficial, Lott,
então Ministro da Guerra, resolveu puni-lo; embora não pudesse hierarquicamente
já que o mesmo só poderia ser punido diretamente pelo presidente. Neste
ínterim, o presidente em exercício, Café Filho, foi afastado por problema de
saúde, e, Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu o cargo e
resolveu não punir o militar; fato que nitidamente tentava abalar a posse
democrática que se aproximava.
Como
resposta, em 11 de novembro de 1955, o Marechal Lott se demite como Ministro da
Guerra e, como um líder alinhado, colocou o exército às ruas garantindo que a
instituição iria cumprir o seu papel de manter a democracia, no conhecido
“Movimento 11 de novembro”. Carlos Luz foi deposto da presidência, e, nesta
conturbação, Nereu Ramos, presidente do Senado, foi nomeado como presidente da
República até a posse de Juscelino e Jango. Com a proteção do exército,
liderado pelo Marechal que caracterizou a sua demissão como um aceno à
legalidade da instituição que comandava, que, em 31 de janeiro de 1956, o
presidente eleito, Juscelino, tomou posse.
A
transição de 1955 e 1956 no Brasil é o principal exemplo de como o exército
serve ao Estado brasileiro e não ao presidente, não a ideologias, não a
vontades pessoais e nem a projetos de poder. A espada pode sim ser usada como
garantia da democracia de fato. Os momentos em que o exército assumiu posição
contrária foram justamente porque a sua cúpula aderiu aos calores políticos. A
demissão de Lott do Ministério da Guerra foi o mecanismo necessário para unir
seus subordinados a fim de destituir quem tentava o verdadeiro golpe à
democracia: o presidente e aliados.
O
Marechal Lott também foi importante pelo seu manifesto à legalidade da posse de
João Goulart em 1961 após a renúncia do presidente Jânio Quadros - chegando a
ser preso - e, não por acaso, foi desqualificado e isolado pela cúpula militar
de 1964. Mas à História ele é símbolo de como o exército preza pela sua
tradição: a legalidade. Por fim, a história da República no Brasil mostra-nos
que os momentos de transição presidencial após um período autoritário e/ou
conturbado requerem vigília, e o exército brasileiro atual, num contexto recente,
já acenou que continua apto a proteger a nossa democracia. É como eternizou o
Marechal Lott: “As Forças Armadas saberão portar-se à altura das tradições
legalistas que marcaram sua história no destino da Pátria”.
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