segunda-feira, 31 de maio de 2021

A espada pela democracia!

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 6 DE ABRIL DE 2021 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS  

            Assim como a história da República, a trajetória do exército no Brasil é interessante.  A partir da Guerra do Paraguai (1864-1870), o exército brasileiro ganhou força, se estruturou e passou a integrar o cenário público como o órgão responsável pela segurança nacional e pela garantia da lei, da ordem e da Constituição. Duque de Caxias, o militar que desde a época do Império criou uma imagem de pacificador e a figura mais importante no comando militar, tornou-se patrono da instituição em 1962; sendo que, desde 1925, o seu aniversário, 25 de agosto, era celebrado como o Dia do Soldado.  

Especialmente durante a Primeira República (1889/1930), a notabilidade do exército ultrapassava as fronteiras dos quartéis, uma vez que militares como Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca assumiram a presidência do Brasil em momentos decisivos (o último, eleito em uma campanha polêmica). As Três Armas, ainda, atuaram em conflitos civis e militares a mando do próprio governo brasileiro, como Canudos, Revolta da Armada, Revolta da Chibata, Contestado, Revolta Paulista e outros. Apesar de ser regra o não envolvimento político e ideológico do exército desde a Constituição de 1891, o que a história republicana mostra é a participação de alguns de seus membros de forma direta em decisões de governo. Todavia, a atuação do exército enquanto instituição, isto é, não necessariamente dos seus membros individuais, foi tanto para a prática de conspirações contra a democracia, quanto para a sua proteção. Generalizar a atuação do exército brasileiro em única via é um equívoco, sua história coleciona vitórias, derrotas, guerras, intervenções e diversas características.

Em outras palavras, se, por um lado, o exército presenciou golpes de Estado, por outro, impediu com que alguns acontecessem. Sobre a primeira situação, as Forças Armadas já se envolveram na derrubada de regimes constitucionais (não obrigatoriamente democráticos), como o caso do golpe republicano em 1889, a Revolução de 1930, a saída de Vargas em 1945 e o Golpe de 1964, o qual implantou uma ditadura militar no Brasil por 21 anos. Neste último exemplo, a sensação de clamor popular - aliada ao contexto internacional da Guerra Fria e ao apoio de políticos e da elite industrial - foi o aval civil para o rompimento democrático pelas Forças Armadas.

No entanto, a via legalista é tradição no exército e, apesar de significativos os episódios em que militares autoritários lideravam a instituição, conhecer a atuação do exército para a salvaguarda da democracia brasileira é essencial. O exemplo principal vem de 1955, ano marcante por ser posterior ao suicídio do presidente Getúlio Vargas e ser o ano de eleições e transição a um novo governo. No final do ano de 1954, o governador de Minas Gerais, Juscelino Kubistchek de Oliveira (JK), lança-se como candidato à presidência do Brasil pelo PSD. Em abril de 1955, fez-se a dobradinha PSD-PTB com a candidatura do político gaúcho João Goulart (Jango), ex-Ministro do Trabalho de Vargas, como vice de Juscelino. Essa aliança não era bem-vista pela direita conservadora do país, representada especialmente pela UDN, por contextos anteriores. Em 3 de outubro de 1955, Juscelino venceu as eleições com 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora e 26% de Ademar de Barros. No entanto, os setores mais conservadores, capitaneados pela UDN, deram início a uma conspiração ao protestar o fato de JK não ter feito a maioria absoluta dos votos.

Em novembro, durante o enterro do presidente do clube militar no Rio de Janeiro, o Diretor da Escola Superior de Guerra discursou politicamente incitando que as Forças Armadas não apoiariam a posse do novo presidente. É neste momento que se destaca a figura do militar que tomaria as rédeas da situação e garantiria a normalidade democrática pelo exército: o Marechal Henrique Batista Duflles Teixeira Lott (apelidado de Caxias). Como reação ao discurso golpista do oficial, Lott, então Ministro da Guerra, resolveu puni-lo; embora não pudesse hierarquicamente já que o mesmo só poderia ser punido diretamente pelo presidente. Neste ínterim, o presidente em exercício, Café Filho, foi afastado por problema de saúde, e, Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu o cargo e resolveu não punir o militar; fato que nitidamente tentava abalar a posse democrática que se aproximava.

Como resposta, em 11 de novembro de 1955, o Marechal Lott se demite como Ministro da Guerra e, como um líder alinhado, colocou o exército às ruas garantindo que a instituição iria cumprir o seu papel de manter a democracia, no conhecido “Movimento 11 de novembro”. Carlos Luz foi deposto da presidência, e, nesta conturbação, Nereu Ramos, presidente do Senado, foi nomeado como presidente da República até a posse de Juscelino e Jango. Com a proteção do exército, liderado pelo Marechal que caracterizou a sua demissão como um aceno à legalidade da instituição que comandava, que, em 31 de janeiro de 1956, o presidente eleito, Juscelino, tomou posse.

A transição de 1955 e 1956 no Brasil é o principal exemplo de como o exército serve ao Estado brasileiro e não ao presidente, não a ideologias, não a vontades pessoais e nem a projetos de poder. A espada pode sim ser usada como garantia da democracia de fato. Os momentos em que o exército assumiu posição contrária foram justamente porque a sua cúpula aderiu aos calores políticos. A demissão de Lott do Ministério da Guerra foi o mecanismo necessário para unir seus subordinados a fim de destituir quem tentava o verdadeiro golpe à democracia: o presidente e aliados.

O Marechal Lott também foi importante pelo seu manifesto à legalidade da posse de João Goulart em 1961 após a renúncia do presidente Jânio Quadros - chegando a ser preso - e, não por acaso, foi desqualificado e isolado pela cúpula militar de 1964. Mas à História ele é símbolo de como o exército preza pela sua tradição: a legalidade. Por fim, a história da República no Brasil mostra-nos que os momentos de transição presidencial após um período autoritário e/ou conturbado requerem vigília, e o exército brasileiro atual, num contexto recente, já acenou que continua apto a proteger a nossa democracia. É como eternizou o Marechal Lott: “As Forças Armadas saberão portar-se à altura das tradições legalistas que marcaram sua história no destino da Pátria”.

Nenhum comentário: