segunda-feira, 31 de maio de 2021

O chá da meia-noite

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 2 DE MARÇO DE 2021 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS              

            Certamente você já ouviu essa expressão, mas, talvez não saiba que ela se oficializou durante a Gripe Espanhola de 1918, terrível pandemia. Nos tempos atuais, não é estranho imaginar que a Espanhola dilacerou a população a ponto de superlotar os hospitais e causar pânico no povo; afinal, morriam dos mais velhos às crianças. Inclusive, no Rio de Janeiro, a gripe ficou conhecida inicialmente como “limpa velhos” pela dedução de que ela mataria somente a população idosa. (Te lembra algo?).

            O “chá da meia-noite” foi uma expressão popular cunhada durante a terrível Gripe, por conta do caos que pairava na Santa Casa de Misericórdia do RJ – batizada, então, como “Casa do Diabo”. A péssima higiene, a falta de leito e a assustadora quantidade de mortos eram estampadas nos jornais e alimentavam o fecundo imaginário da população. Solo fértil para a lenda urbana do temível chá se alastrar.

Contava o boato que para desocupar os leitos, já que novos pacientes não paravam de chegar, por volta da meia-noite era servido um “chá” aos doentes desenganados; e no outro dia, todos estavam mortos. O chá seria, portanto, um veneno letal, e a lenda uma maneira popular de falar sobre a eutanásia. É provável que isso não tenha ocorrido de fato, porém, a lenda era tão vigente, que, no carnaval de 1919, cuja celebração é considerada a mais “louca” da história – já que as pessoas celebravam o fim da pandemia de uma maneira desordeira e até violenta, o “chá da meia-noite” foi transformado num carro alegórico com uma grande xícara e virou tema de marchinha, desfiles, bailes e bloco carnavalesco.

Ainda mais interessante é que em nossa região, durante a epidemia de Febre Amarela em São Simão, entre 1896 e 1905 (antes da Espanhola), existiram relatos acerca de sobreviventes que teriam se livrado de um “chá” servido à noite aos pacientes internados no Lazareto. Outra lenda urbana do imaginário humano, “fake news das antigas” ou uma suposta verdade? É melhor não pensar sobre isso nestes tempos.


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