ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 11 DE MAIO DE 2021 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS
É outono. Segundo a fábula do
escritor La Fontaine, recontada no século XVII depois da versão original do
grego Esopo, a cigarra canta no verão, enquanto as disciplinadas formigas
trabalham para garantir uma boa passagem no inverno. Essa fábula, imersa na
lógica capitalista, eternizou a figura da cigarra como preguiçosa, já que, ao
invés de trabalhar como as incansáveis formigas, ela (só) cantava em cima das
árvores e quando chegou o inverno ela correu a pedir abrigo às trabalhadoras.
Dada a distância do tempo e da mentalidade, essa versão começou a ruir, visto
que o canto das cigarras passou a ser considerado uma forma de trabalho, de
entretenimento e de arte. Era a cigarra que trazia a alegria ao verão, era de
sua natureza cantar e encantar.
O fato é que cigarra é cigarra, e
formiga é formiga. A natureza delas é diferente, e não há de se esperar de
ambas uma atitude em comum. O mundo precisa do (en)canto das cigarras e La
Fontaine sabia disso. Não só ele. Coelho Netto, escritor maranhense, ao visitar
Barretos em 1920, deixou registrado no livro de visitantes do Grêmio que a casa
gremista era uma “árvore de sombra amena” onde os homens, depois de um dia de
trabalho, podiam recolher-se e lá ouvir o canto das cigarras. Poetizou, ainda
mais, dizendo que as cigarras “eram os poetas que cantavam nas folhas dos
livros”.
Exatos cem anos depois, em 2020, nas
comemorações dos 110 anos do Grêmio, eu, historiadora, voltei à mensagem de
Coelho Netto, despindo dela a fábula do francês La Fontaine, para me inspirar e
dali escrever meu livro “De onde cantam as cigarras”. O livro que analisa a
origem do Grêmio em 1910 e a maneira como ele se tornou uma instituição de
tradição em 1945, se cruza com a história cultural da cidade.
No ano passado, a pandemia não
permitiu o lançamento presencial, e, em 2021, a mesma situação exige medidas
restritivas para a noite de autógrafos que acontecerá no dia 12. No entanto, as
cigarras precisam cantar, mesmo que seja outono e que seu canto esteja um tanto
escondido pela máscara. Afinal, o verão se aproxima.
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