segunda-feira, 31 de maio de 2021

Vozes da escravidão

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL "O DIÁRIO DE BARRETOS" EM 18 DE MAIO DE 2021 (página 2) PELA PROFª KARLA ARMANI MEDEIROS   

            Apesar de ser um processo histórico nacional, a escravidão no Brasil foi tratada de forma distante e genérica, onde os escravizados eram sumariamente classificados como “africanos” (ignorando suas tribos), e seus costumes, valores e crenças, assim como a sua história violenta, foram traduzidos a relatos superficiais. As áreas rurais e urbanas brasileiras se constituem nos verdadeiros locais de memória da escravidão, remendando histórias que, mesmo com o contar dos anos, tornam este processo mais íntimo, próximo e real. Assim é com Barretos, arraial que se formou oficialmente em 1854, vivendo pelo menos 34 anos de escravidão institucional.

            Osório Rocha, em seu “Barretos de Outrora”, é quem melhor registrou depoimentos sobre os escravizados na cidade. Mesmo com poucos relatos, por ali é possível identificar que grande parte deles vinha de Minas Gerais, apesar de nascidos na África. Sobre isso, ele notou as cicatrizes que alguns possuíam na face, as quais receberam desde criança em suas tribos de origem. Osório identificou dois tipos delas: alguns com “verrugas no queixo, na ponta do nariz e sobre este à testa formavam uma cruz”, e outros da etnia “Monjolo” que “em vez dessas saliências, apresentavam cicatrizes nas duas faces, da boca às orelhas, paralelas retas, feitas à faca”.

            Dando vozes a Mãe Mina, Policarpo Balbino, Venância, Júlia, Alexandre, Mãe Tória, Felipe, Antônio e Rita Bagagem, Osório registrou histórias que transparecem a violência da imposição da fé dogmática, do castigo, da vil separação de mães e filhos e de escravizadas que passavam a vida procurando seus bebês. Mostrou mais, que após a Abolição muitos ex-escravizados foram morar no bairro periférico de Barretos, o “Outro Mundo”, levando a vida na informalidade e na pobreza.

            É triste, mas é a nossa realidade. Nossa. Somos a sucessão daquele passado, que é longe de ser um lugar bonito. (Rita Bagagem, quando menina, entrou por curiosidade num navio negreiro e não conseguiu mais sair. Dá para acreditar?).

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